Acórdão nº 3948/21.5T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Data da Resolução03 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo 3948/21.5T8AVR.P1.S1 ACORDAM, NA 6ª SECÇÃO, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Relatório AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que seja “proferida sentença condenatória que produza os efeitos da declaração negocial em falta pelo réu e que condene no pagamento da cláusula penal.” Alegou que no âmbito do procedimento cautelar n.º 3535/20.... (que correu termos no Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz ...) celebraram as partes transação, homologada por sentença, segundo a qual, no prazo de 75 dias a contar da homologação da transação, ocorrida em 17 de Março de 2021, o autor cederia ao réu a sua quota na sociedade comercial “E... Lda.”, pelo valor de 100.000,00€; ficando igualmente acordado que incumbia ao réu proceder à marcação da escritura pública e que, em caso de incumprimento, o R. se comprometia ao pagamento do montante indemnizatório de 50.000 € ao A.

Mais alegou que, apesar de ter interpelado o R., em Julho de 2021, informando-o do decurso dos 75 dias combinados, este não procedeu à marcação da escritura pública, nem efetuou o pagamento devido pelo incumprimento.

O réu apresentou contestação.

Alegou, em síntese, que não lhe é imputável o incumprimento, uma vez que, logo após a transação, encetou diligências junto do BPI e do Millenium BCP com vista a obter financiamento bancário para a aquisição da quota pelo preço acordado, o que – necessidade de obter financiamento bancário – ficou bem vincada no decurso da audiência de julgamento em que foi lavrada a transação; financiamento que não foi aprovado por questões de política comercial das duas referidas entidades (e por isso conclui que o incumprimento não lhe pode ser assacado, “uma vez que decorre de facto originado por terceiro”).

Mais invocou, caso se considere que se verifica uma situação de incumprimento, que a cláusula penal fixada em 50.000€ é manifestamente exagerada, por consubstanciar uma grave desproporção entre os danos potencialmente causados (que inexistem) e a indemnização prevista.

Dispensada a realização da audiência prévia, procedeu-se à elaboração de despacho saneador – em que foi declarada a regularidade da instância, estado em que se mantém – com fixação do objeto do litígio e temas da prova e admissão dos meios de prova requeridos pelas partes.

Procedeu-se à realização da audiência final, sendo proferida sentença que julgou totalmente improcedente a ação.

Inconformado, apresentou o A. recurso de apelação, recurso que, por Acórdão da Relação do Porto de 23/01/2023, foi julgado “parcialmente procedente, condenando-se o réu/apelado a pagar ao autor a quantia de € 50.

000, 00 (cinquenta mil euros), mantendo no mais a sentença recorrida.” Inconformado agora o R., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que, repristinando o decidido na sentença da 1.ª Instância, julgue a ação totalmente improcedente.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) 1. Constitui entendimento do Recorrente que a interpretação seguida viola além do mais o estatuído no artigo 799.º, n.º1 do Código Civil sendo assim, tal preceito, com tal interpretação inconstitucional.

  1. O ora Recorrente ilidiu de forma cabal a culpa, o que fez além do mais de acordo com o preceituado nos artigos 342.º, n.º 2, 350.º, n.º 2, ambos do Código Civil, já que, 3. Como melhor decidido pelo Tribunal de 1.ª Instância “O réu não procedeu à marcação da escritura pública por não ter logrado obter financiamento bancário para obtenção da quantia de 100.000€. (facto 13 dos factos provados) parêntesis nosso ---14) A celebração da transação aludida em 1) ocorreu no pressuposto de que o réu teria de obter financiamento bancário para poder suportar a quantia mencionada.”, sendo que o Venerando Tribunal da Relação do Porto na sua douta decisão julgou improcedente “a impugnação do ponto 13) do elenco dos factos provados, que se mantém”; 4. Devendo consequentemente os dois pontos dos factos provados serem analisados de forma conjunta, o que de acordo com as regras da experiência, da normalidade do acontecer, impõe que seja ilidida a culpa do ora Recorrente.

  2. Ora, ao ter decidido como decidiu o Venerando Tribunal da Relação do Porto violou e efetuou uma interpretação errada e consequentemente e indevida aplicação do disposto nos artigos 799.º, n.º 1, 342.º, n.º 2, 350.º, n.º 2, todos do Código Civil.

  3. O ora Recorrente ilidiu a culpa; 7. Sendo que a sua obrigação era de meios e não de resultado; 8. Que constitui a única interpretação possível de acordo com os elementos constantes dos autos, o que acarreta que seja concedido provimento ao presente recurso. (…)” Não foi apresentada qualquer resposta.

Obtidos os vistos, mantendo-se a regularidade da instância, cumpra, agora, apreciar e decidir.

* II – Fundamentação de Facto Provaram-se os seguintes factos: 1) No âmbito do processo n.º 3535/20...., que correu termos no Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz ..., a 17 de Março de 2021 foi proferida sentença homologatória da transação celebrada entre o aqui autor AA e o réu BB.

2) Da cláusula 1.ª da aludida transacção consta: O requerente BB obriga-se a adquirir a quota social da empresa E..., Lda., com o NIPC ..., da qual é titular o requerido AA, pelo valor de €100.000,00 [cem mil euros].

3) Por sua vez, a cláusula 2.ª estipula: O requerido AA e a esposa, CC, comprometem-se a ceder a referida quota nos termos supra indicados.

4) Nos termos da cláusula 3.ª: A escritura pública ou documento particular autenticado [DPA] de cessão de quotas será realizada no prazo de 75 dias, a contar da presente data, em favor do requerente BB ou de quem este venha a indicar.

5) Acrescenta a cláusula 4.ª: O requerente BB avisará, com 5 dias de antecedência, o requerido AA, do dia, hora e local da realização da referida escritura ou DPA, o que fará por intermédio dos respetivos mandatários identificados nos presentes autos.

6) Da cláusula 5.ª consta o seguinte: Todo e qualquer documento que seja necessário assinar e/ou entregar pelo requerido AA e pela esposa CC, com vista à celebração do negócio, será solicitado/entregue através dos mandatários das partes.

7) Mais acordaram, sob a cláusula 6.ª: O pagamento da quantia referida em I. será efetuado na data da outorga da escritura e, com a boa cobrança da respetiva importância, o requerido AA e a respetiva esposa nada mais podem exigir, seja a que título for a BB e/ou ao cessionário, bem como à sociedade E..., Lda.

8) Fizeram as partes constar na cláusula 7.ª: Em caso de incumprimento do estabelecido supra, por facto imputável por qualquer uma das partes, a que incumprir terá que proceder ao pagamento à outra parte [não faltosa], da quantia de € 50.000,00.

9) A...

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