Acórdão nº 8387/19.5T8ALM.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. PREDIBIENTE, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA LDA instaurou a presente acção de processo comum contra AA e BB, ambos com domicílio na Av. ..., ..., ... ..., pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento das seguintes quantias: i) €80.000,00, a título do valor da comissão imobiliária; ii) €18.400,00 relativa ao valor de IVA devido; iii) €2.275,33, a título de juros vencidos. Pede, ainda, a condenação dos réus no pagamento dos juros vincendos até integral cumprimento.

Alegou, para tanto, e em síntese, que no âmbito da sua actividade de mediação imobiliária foi contactada pelos réus para angariar um comprador para o imóvel propriedade dos mesmos, sito no n.º 21 da Rua ..., Herdade ..., ..., motivo pelo qual, em 10/08/2018 celebraram um contrato de mediação imobiliária, sob o regime de exclusividade. A venda pretendida apontava para o valor de €1.990.000,00, sendo a remuneração devida à autora no valor de 5% da venda. Em 22/02/2019, a autora apresentou aos réus uma proposta de aquisição do imóvel pelo valor de €1.600.000,00, à qual os réus não responderam. Sucede que a autora veio a ter conhecimento de que os réus venderam o imóvel a terceiros, a quem a autora também tinha apresentado o imóvel, pelo valor de €1.400.00,00, com a intervenção de outra agência imobiliária. Apesar de o contrato celebrado entre a autora e os réus continuar em vigor à data em que foi efectuada a venda, os réus não pagaram a comissão de 5% prevista no contrato.

Conclui, pedindo o pagamento do valor da comissão de 5%, calculado sobre o valor da proposta de compra apresentada aos réus, acrescido de IVA e de juros vencidos desde a data em que os réus celebraram a escritura de compra e venda, e vincendos até integral pagamento.

  1. Citados, os réus apresentaram contestação, alegando, em síntese: que o contrato celebrado com a autora não estava sujeito à cláusula de exclusividade; que o contrato dos autos foi entregue à ré BB por CC, que além de funcionária da autora, era esposa ou companheira do sócio gerente da autora, havendo uma relação de amizade e confiança entre os dois casais. E que por virtude dessa relação pessoal, a ré BB assinou o contrato, e pediu ao seu marido que o fizesse, o réu AA, convencida de que o mesmo não estava sujeito a qualquer exclusividade a favor da autora excepto quanto outras agências R..., pois assim lhe tinha sido explicado por CC; que nunca os réus pretenderam celebrar um contrato de exclusividade com a autora, tanto que celebraram outros contratos de mediação com outras agências imobiliárias, o que era do conhecimento da autora. Negam ter recebido a proposta de aquisição do imóvel pelo valor de €1.600.000,00 que a autora diz ter enviado, tanto que o endereço de email para o qual a autora refere ter enviado a tal proposta não era utilizado pela ré BB. Os réus assinaram o contrato de mediação com o cabeçalho em branco, tendo sido CC quem depois o preencheu e, por isso, a responsável pela indicação do email (errado) da ré BB. Relativamente à venda do imóvel alegam que os compradores foram apresentados por outra agência imobiliária que já publicitava o imóvel desde Agosto de 2017, como era do conhecimento da autora, sendo que um dos elementos do casal comprador já tinha efectuado uma visita ao imóvel através dessa agência em setembro de 2018; que a intenção da autora é denegrir a imagem pública do réu AA, que é figura pública por ter sido jogador de futebol no ... durante quinze anos, tendo sido indicada a morada do Clube para citação dos réus com o propósito de os humilhar perante terceiros; que, ainda que a autora tivesse direito à comissão, o respectivo valor deve incidir sobre o valor da venda e não sobre o valor da proposta, não sendo também devidos juros por não ter ocorrido interpelação para pagamento; que é aplicável ao contrato celebrado entre as partes o regime das cláusulas contratuais gerais e que como a autora não explicou à ré BB o conteúdo das cláusulas contratuais, e a explicação que deu sobre a cláusula de exclusividade foi enganosa, deve ter-se por excluída do contrato essa cláusula ou, caso assim não se entenda, ser a mesma declarada nula porquanto a explicação dada pela autora induziu a ré em erro, devendo, ainda, o contrato ser declarado nulo por falta de aprovação prévia do projecto de contrato de mediação imobiliária pelo IMPIC, IP.; que quando a ré BB questionou CC sobre o significado da cláusula de exclusividade aposta no contrato, esta disse-lhe que se tratava de exclusividade apenas entre agências R..., o que fez os réus acreditar que poderiam manter e celebrar contratos com outras agências, pelo que a autora actuou com dolo, induzindo em erro os réus, que declararam coisa diversa do que pretendiam sobre um elemento essencial do contrato, sendo por isso o contrato anulável, por erro e dolo.

    Os réus pedem a condenação da autora como litigante de má-fé por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não podia desconhecer, alterando a realidade e a verdade dos factos, com a clara intenção de denegrir a imagem do réu AA e de o humilhar, o que se verifica pela falta de interpelação prévia à instauração da acção e pelo facto de ter indicado como morada para citação a do ....

    Pugnam, a final, pela improcedência da acção e procedência das excepções invocadas, com a consequente absolvição do pedido, e pela condenação da autora em multa e indemnização aos réus nos termos a fixar pelo tribunal, como litigante de má fé e, subsidiariamente pela improcedência parcial da acção.

  2. Notificada, veio a autora responder às excepções invocadas, alegando que todas as cláusulas contratuais foram explicadas com clareza e boa fé e que o contrato de mediação imobiliária foi aprovado pelo IMPIC, concluindo pela inexistência de qualquer vício que afecte o contrato.

  3. Foi elaborado despacho saneador, tendo sido identificado o objecto do litígio e os temas da prova.

  4. Procedeu-se à realização de audiência final com observância do formalismo legal.

  5. Veio a ser proferida sentença que decidiu: “Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, nessa conformidade: 1. Condeno, solidariamente, AA e BB no pagamento a PREDIBIENTE, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA LDA da quantia de €70.000,00 (setenta mil euros), acrescida de IVA à taxa de 23%, no valor de €16.100,00 (dezasseis e mil e cem euros), no total de 86.100,00 (oitenta e seis mil e cem euros), a que acresce a quantia de €1.990,92 (mil, novecentos e noventa euros e noventa e dois cêntimos) a título de juros vencidos até 04/12/2019, e nos juros de mora vencidos e vincendos, a calcular sobre a quantia de €86.100,00 desde 05/12/2019 até integral e efectivo pagamento, à taxa anual de 4%.

  6. Absolvo os réus demais peticionado pela autora; 3. Custas por ambas as partes, na proporção de 12,5% para a autora e de 87,5% para os réus.” 7.

    Houve recurso de apelação pelos RR, conhecido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e que culminou com o seguinte dispositivo: 8. PREDIBIENTE, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”, Apelada nos autos em epígrafe, notificada que foi do Douto Acórdão que deferiu a Apelação, absolvendo os RR. do pedido mas discordando da decisão veio, nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, al. a) e b) apresentar RECURSO DE REVISTA, formulando as seguintes conclusões (transcrição): “A. Pese embora a presente Revista tenha como objeto a matéria substantiva da decisão da Veneranda Relação no âmbito do Recurso de Apelação em que revogou a decisão da 1.ª Instância, põe igualmente em crise em matéria de lei adjetiva, a decisão daquela Relação de Lisboa, em admitir a Apelação que não cumpria os requisitos mínimos para poder ser aceite.

    1. Na essência andou mal a Veneranda Relação de Lisboa, que revogou a sentença do Tribunal de 1.ª Instância que condenara os RR. a pagarem à A., no essencial, o valor de €70.000,00 (Setenta Mil Euros), acrescida de IVA e juros vencidos e vincendos.

      C.A decisão da Veneranda Relação de Lisboa é duplamente posta em crise pois não só apreciou mal a questão substancial, como se permitiu apreciar uma Apelação que não tinha o mínimo de formalismo aceitável, que não podia ser apreciada e teria que imediatamente ser indeferida por não cumprimento dos ónus mínimos, ínsitos no artigo 639.º e/ou 640.º do CPC, tendo assim a presente Revista também como fundamento a al. b) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC D. Na Apelação interposta pelos RR. não foram indicados quaisquer factos que os mesmos Apelantes pretenderam por em crise, ou sequer as normas jurídicas violadas.

      E.A Relação de Lisboa, tendo a questão sido desde logo levantada na resposta à Apelação, debruçou-se sobre a questão, decidindo de forma contrária à Lei Processual Civil, contrariando margens que o legislador não lhe dava.

    2. Estabelece o n.º 2 do artigo 639.º do CPC, que “Versando o recurso matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

    3. Por sua vez, o artigo 640.º, vem dar a conhecer as regras estabelecidas pelo legislador aos recorrentes, quando os mesmos pretendam impugnar a decisão relativa à matéria de facto. Desde logo os Apelantes não permitiam sequer deixar perceber que tipo de recurso pretendiam interpor os recorrentes se sobre matéria de direito, sobre matéria de facto ou sobre ambas.

    4. Não há a menção pelos apelantes a sequer uma norma que a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, tenha violado, mal interpretado ou aplicado num sentido diferente do desejado pelos recorrentes.

      I. Também não são indicados os concretos pontos de facto que os recorrentes consideraram mal julgados, ou quais os concretos meios probatórios constantes do processo, ou dos registos ou...

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