Acórdão nº 386/20.0T8SCR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. ZURICH INSURANCE PUBLIC LIMITED COMPANY – SUCURSAL EM PORTUGAL instaurou, em 15 de julho de 2020, a presente acção declarativa de condenação contra AA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 48.379,66 (quarenta e oito mil trezentos e setenta nove euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.

  1. Alegou, para tanto, e em síntese, que: A autora dedica-se à atividade seguradora e, no exercício dessa atividade, celebrou contrato de seguro com BB pelo qual esta transferiu para aquela a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de marca Hyundai, modelo GETZ, com a matrícula ..-..-XF. No dia 12 de outubro de 2016, o veículo seguro, conduzido pelo réu, em estrada do concelho ..., foi interveniente em acidente de viação consistente em despiste seguido de colisão com outro veículo, que foi projetado e colidiu com outro, que foi projetado e colidiu com outros dois, todos eles estacionados, o que veio a ocasionar avultados danos materiais em todos eles. O despiste do XF também provocou danos na via pública, bem como danos físicos no réu e no passageiro do XF, CC, os quais foram transportados ao Hospital. Aqui procedeu-se à recolha de sangue ao réu para análise daí resultando que ele tinha taxa de álcool no sangue de 1,04 g/l (gramas por litro). O estado de embriaguez em que o réu conduzia, reduzindo-lhe as suas capacidades físicas e psíquicas, foi causa direta do acidente. A autora, considerada a culpa exclusiva do réu na produção do acidente, decidiu assumir a responsabilidade pelos danos causados, procedendo ao pagamento, aos lesados, da quantia total de € 48.379,66, peticionada. Após interpelação feita pela autora ao réu para pagamento dos montantes despendidos, este nada pagou.

    Assiste à autora, nos termos da alínea c), do n. º 1, do artigo 27.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, o direito de regresso contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida. A autora não tem de provar o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a produção do acidente.

  2. Citado, veio o réu defender-se por excepção, invocando a prescrição do crédito da autora, e por impugnação, alegando, em síntese, que em 4 de agosto de 2020, data em que foi citado para os termos da ação, já estava prescrito o direito de regresso da autora sobre o montante de € 47.742,63.

    Conclui assim a contestação: «Nestes termos e nos mais de direito, (...), deve:

    1. A exceção de prescrição deduzida ser julgada procedente por provada, e, em consequência ser o R. absolvido do pedido de pagamento respeitante ao direito de regresso sobre o montante de € 47.742,63, que se deve declarar prescrito; Caso assim se não entenda, b) Ser a ação julgada improcedente por não provada, absolvendo-se o R. do pedido.» 3.

    A autora respondeu à matéria de excepção, pugnando pela sua improcedência.

  3. Não obstante o reconhecimento de que caberia «designar audiência prévia, tendo em vista, para além do mais, outros fins que não apenas os previstos no artigo 593.º, n.º 1 do CPC», com fundamento na imprevisibilidade da conciliação das partes e ainda na circunstância: - de a causa se revestir de simplicidade, e; - de as partes já terem debatido as matérias de exceção por escrito, ao abrigo do «princípio da simplificação processual», o tribunal entendeu aconselhável a dispensa da realização de tal audiência prévia, o que fez com o assentimento das partes.

  4. No saneador, o tribunal proferiu, o despacho a que alude o art. 596.º, n.º 1: identificando o objeto do litígio e enunciando os temas da prova.

  5. Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte: «Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno o réu a pagar à autora os montantes que esta despendeu - para além do pagamento de € 18.000,00 (dezoito mil euros) a CC, por este recebido em 3 de março de 2017 - em pagamentos a A... Lda., Município ..., Auto ..., CC, C... e Reparação Automóvel, Lda., M..., Lda., Farmácia ... e Serviço de Saúde da ..., E.P.E., para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro ajuizado, causado pelo réu – sem prejuízo de os respetivos créditos estarem prescritos, no todo ou em parte – até ao montante, peticionado, de € 48.379,66 (quarenta e oito mil trezentos e setenta nove euros e sessenta e seis cêntimos), a apurar em liquidação de sentença.» 7.

    Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação.

  6. O Tribunal da Relação identificou as seguintes questões a abordar na apelação: a) se é possível relegar para sede de incidente de liquidação o conhecimento da excepção peremptória de prescrição do direito de regresso; b) se deve ser considerado prescrito o direito de regresso da autora relativamente ao montante de € 47.742,63.

  7. E veio a proferir acórdão com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em alterar a sentença recorrida e, consequentemente: 4.1 – Em julgar prescrito o direito de regresso da autora relativamente à quantia de € 18.000,00, paga no dia 3 de março de 2017, ao lesado CC, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, por este sofridos em consequência do acidente, absolvendo, nesta parte, o réu do pedido; 4.2 – Em condenar o réu a pagar à autora, a título de direito de regresso, a quantia que vier a ser liquidada em sede de incidente de liquidação, correspondente às quantias que, em consequência do acidente, esta pagou: a) a A... Lda., até ao limite de: - € 77,25 (setenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos), pela imobilização do veículo QB; - € 185,40 (cento e oitenta e cinco euros e quarenta cêntimos), pela imobilização do veículo RQ; - € 10.710,00 (dez mil, setecentos e dez euros), a título de compensação pela perda total do veículo QB; b) ao Município ..., até ao limite de € 1.854,88 (mil e oitocentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais provocados pelo veículo XF na Rua..., ...; c) a Auto ..., até ao limite de: - € 4.286,86 (quatro mil, duzentos e oitenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos), pela reparação do veículo RQ; - € 1.089,35 (mil e oitenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos), pela reparação do veículo QB; d) a C... e Reparação Automóvel, Lda., até ao limite de € 392,74 (trezentos e noventa e dois euros e setenta e quatro cêntimos), pela reparação do veículo RI; e) a M..., Lda., até ao limite de € 9.483,02 (nove mil, quatrocentos e oitenta e três euros e dois cêntimos), pela reparação do PQ; f) a Farmácia ..., até ao limite de € 16,11 (dezasseis euros e onze cêntimos), a título de medicamentos; g) ao Serviço de Saúde da ..., E.P.E., até ao limite de € 620,92 (seiscentos e vinte euros e noventa e dois cêntimos), a título de despesas com hospital e exames complementares de diagnóstico, o que perfaz o limite global de 28.716,53 (vinte e oito mil setecentos e dezasseis euros e cinquenta e três cêntimos, conforme descrito no art. 45.º da petição inicial.

    Custas do recurso, na vertente de custas de parte, a cargo do recorrente e da recorrida, na proporção 2/5 e 3/5, respetivamente.” 10.

    Não se conformando com o acórdão o R. veio a interpor recurso de revista para o STJ, pedindo que seja fixado o efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos, e no qual formula as seguintes conclusões (transcrição): “A. O R. Recorrente, recorre do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo por objecto a seguinte matéria de direito apreciada: a. Incorreta aplicação das regras de procedência e improcedência de uma causa; b. Incorreta repartição do ónus da prova dos factos constitutivos e extintivos do direito; c. Incorreta aplicação das regras de exercício do direito de regresso; d. Incorreta aplicação do instituto jurídico da liquidação.

    B. A A. Recorrida, apresentou na sua Petição Inicial um pedido líquido, no montante de € 48.379,66, por oposição a um pedido genérico em que aquele montante não é quantificado.

    C. A sentença do Tribunal de 1.ª Instância, condenou o R. Recorrente, nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno o réu a pagar (...) os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro ajuizado, causado pelo réu – sem prejuízo de os respetivos créditos estarem prescritos, no todo ou em parte – até ao montante, peticionado, de € 48.379,66 (quarenta e oito mil trezentos e setenta nove euros e sessenta e seis cêntimos), a apurar em liquidação de sentença.” (sublinhado nosso) D. O Recorrente apelou e o Tribunal da Relação de Lisboa, por sua vez, proferiu o Acórdão, do qual se recorre, nos seguintes termos: “Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em alterar a sentença recorrida e, consequentemente: (...) 4.2 – Em condenar o réu a pagar à autora, a título de direito de regresso, a quantia que vier a ser liquidada em sede de incidente de liquidação, correspondente às quantias que, em consequência do acidente, esta pagou (...).” (sublinhado nosso): E. O Tribunal da Relação de Lisboa manteve, na sua decisão, a principal crítica assacada ao Tribunal de 1.ª Instância, a remissão para um incidente de liquidação, de um quantum, que no pedido já era líquido.

    F. Não satisfeito, condenou o R. ao pagamento de um montante que resultou, em sede declarativa na 1.ª Instância, não sujeito a reapreciação na 2.ª Instância, como facto não provado.

    G. A Sentença do Tribunal de 1.ª Instância deu como não provados todos os pagamentos alegados pela A. na sua petição inicial, à exceção do pagamento feito à testemunha CC.

    H. Para mais, deu-se ainda como factos...

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