Acórdão nº 0752/07.7BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução26 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO Acórdão 1. RELATÓRIO 1.1.

“A..., SGPS, S.A.”, inconformada com o acórdão da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo proferida nos presentes autos - que, negando provimento ao recurso jurisdicional por ela interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25-6-2020, manteve a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de improcedência da Impugnação Judicial deduzido contra o indeferimento do recurso hierárquico do indeferimento parcial da reclamação graciosa que teve por objecto liquidação adicional de IRC do ano de 1990 –, interpôs, ao abrigo do preceituado no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), recurso para uniformização de jurisprudência.

1.2.

Invocou, sumariamente, que o julgamento ora proferido acolheu entendimento oposto ao perfilhado no acórdão proferido a 8-11-2006, no processo n.º 244/06, formulando, na sua alegação, tendo em vista demonstrar essa oposição, as seguintes conclusões: «I.

O presente recurso pretende ver reapreciada a douta decisão proferida pelo STA em 8 de Abril de 2022 no processo em epígrafe (Acórdão Recorrido), à luz do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0244/06 de 11 de Agosto de 2006, i.e. do Acórdão Fundamento.

II.

Subjacente à discussão em causa nos autos encontra-se uma liquidação adicional de IRC justificada pela desconsideração da aplicação de um benefício fiscal aplicável aos rendimentos de títulos de dívida pública, referente ao período de tributação de 1990, e emitida pela AT em 1994, contra a qual a Recorrente reagiu através da apresentação de reclamação graciosa que ficou totalmente inerte até 2003, data em que a AT solicitou à ora Recorrente documentos comprovativos da aplicabilidade desse benefício, e, em especial, dos Bilhetes do Tesouro em causa, sob pena de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e consequente manutenção das liquidações de imposto.

III.

Ou seja, a AT apenas instituiu a apresentação daquela documentação como essencial para a procedência do pedido formulado pela Recorrente quase 10 anos volvidos da data da instauração da acção inspectiva, e quando já haviam decorrido mais de 13 anos desde 1990, o período de tributação em causa.

IV.

Em 2003, e volvidos 13 anos, a Recorrente diligenciou no sentido da obtenção da documentação exigida e demonstrou com vários outros documentos que tinha direito ao benefício em causa, sem ser, contudo, capaz de demonstrar que os títulos de dívida eram efectivamente Bilhetes do Tesouro.

V.

Entende a Recorrente que, no caso em apreço, sobre si apenas impendia a obrigação de manter os livros de contabilidade, registos auxiliares e respectivos documentos de suporte durante um período de dez anos, conforme previsto no n.º 5 do artigo 115.° do Código do IRC (a que corresponde o actual 123.º n.º 4).

VI.

O Acórdão Recorrido, por sua vez, considerou que, estando em causa um benefício fiscal (consideração, para efeitos de IRS e IRC, de apenas 80% dos rendimentos da dívida pública interna emitida após 3 de Maio de 1989), as regras do ónus da prova previstas no artigo 14.º e 74.º n.º 1 da LGT se sobrepõem às referidas normas que obrigam os contribuintes a manter os documentos de suporte durante um período de 10 anos.

VII.

A este propósito, entende a Recorrente que as normas da LGT aplicadas no Acórdão Recorrido, tendo sido introduzidas pelo Decreto-lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, e entrado em vigor dia 1 de Janeiro de 1999, não poderiam, em circunstância alguma, aplicar-se ao exercício fiscal em causa, o de 1990.

VIII.

Sendo que a ilegalidade da aplicação retroactiva destas normas resulta clara até de jurisprudência do Venerando STA, e em especial do acórdão proferido no processo n.º 23351 de 14 de Abril de 1999.

IX.

De todo o modo, e quanto à contradição entre os acórdãos em oposição, também no Acórdão Fundamento estavam em causa elementos probatórios requisitados pela AT depois de decorrido o prazo de 10 anos, tendo o douto STA considerado que, salvo se a AT conseguisse fazer prova da incorrecção dos elementos declarados pelo impugnante nesses autos, nenhum efeito tributário poderia ser retirado da falta de apresentação, pelo contribuinte, desses mesmos elementos, após o referido prazo.

X.

No Acórdão Fundamento é inclusivamente dito, com meridiana clareza, o seguinte: «Como vimos supra, a recorrente não era obrigada a guardar os elementos da sua contabilidade pelo período superior a dez anos. E não sendo obrigado a guardá-los não pode ser penalizado por não os possuir para além desse prazo.».

XI.

Ora, o caso em discussão nos presentes autos é em tudo semelhante àquele, na medida em que, de acordo com as normas aplicáveis à data, a Recorrente era obrigada a guardar os documentos por um prazo não superior a 10 anos, não se aplicando, a esse exercício de 1990, as regras do ónus da prova previstas no artigo 14.º e 74.º n.º 1 da LGT.

XII.

Termos em que, tendo, no caso sob análise, a AT solicitado aquela documentação quando já haviam decorrido mais de 13 anos desde 1990, e seguindo de perto a interpretação feita no Acórdão Fundamento quanto a estas obrigações, parece resultar claro de todo o exposto que não impendia, sobre a Recorrente, qualquer obrigação legal de manter aqueles documentos de suporte àquela data.

XIII.

Todavia, tendo o Acórdão Recorrido adoptado interpretação diversa quanto às obrigações de prova que impendiam sobre a Recorrente, o mesmo encontra-se em cabal contradição com o Acórdão Fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, o que deverá determinar a revogação do primeiro.

1.3.

Não houve contra-alegações.

1.4.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer, tendo concluído que, embora se lhe suscite alguma reserva a exigibilidade feita no acórdão recorrido no que respeita à exigibilidade da prova em concreto, considerando o prazo que a Autoridade Tributária demorou a decidir a reclamação graciosa e que o contribuinte juntou outros meios de prova, “não se mostram reunidos os requisitos de conhecimento do mérito do recurso para efeitos de prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência, motivo pelo qual não se impõe o seu conhecimento”.

1.5.

Foram colhidos vistos simultâneos dos Excelentíssimos Juízes Adjuntos, pelo que, nada obstando a que se decida, submetem-se para esse efeito os autos a julgamento do Pleno desta Secção de Contencioso Tributário.

2. OBJECTO DO RECURSO 2.1.

Pretende a Recorrente com a interposição do presente recurso que se uniformize jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito que em seu entender foi decidida em sentido oposto nos acórdãos já identificados deste Supremo Tribunal Administrativo e que identificou (ainda que de forma muito pouco rigorosa) como sendo a de saber “se transcorrido o prazo de conservação dos documentos estabelecido na lei, o contribuinte fica desonerado da exibição desses documentos”.

Ou seja, se bem interpretamos as alegações e conclusões de recurso, para a Recorrente ambos os acórdãos se debruçaram sobre uma mesma questão fundamental de direito e que é a de saber se é legalmente exigível, para efeito de prova, que o contribuinte mantenha os livros de contabilidade, registos auxiliares e respectivos documentos de suporte para além do prazo (10 anos) legalmente previsto, ou, decorrido esse prazo, é legalmente inadmissível que a Administração Tributária ou o Tribunal exijam a sua apresentação e, na ausência dessa apresentação, revertam contra o sujeito passivo as consequências do não cumprimento do ónus probatório.

2.2.

Atento o exposto, são duas as questões a decidir.

A primeira prende-se com a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, cujos pressupostos, no caso, apenas a Recorrente entende estarem preenchidos.

A segunda com o fundo da questão enunciada no ponto 2.1., que apenas será objecto de apreciação se àquela primeira questão for dada resposta afirmativa, atenta a dependência que...

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