Acórdão nº 01988/20.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução19 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO AA, natural da República da Gâmbia, melhor identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC), acção administrativa contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA – SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS, (MAI/SEF), com vista à impugnação da decisão proferida em 06/10/2020, pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF, que considerou inadmissível o seu pedido de proteção internacional e asilo, peticionando: “a) a anulação da decisão 06/10/2020 do Diretor Nacional Adjunto do SEF que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional que apresentou em Portugal e determinou a sua transferência para Itália por ser este o Estado-membro competente para apreciar o pedido e, b) a condenação do réu a instruir e apreciar o pedido de proteção internacional que apresentou em Portugal, tendo em vista a sua concessão na modalidade de asilo ou, subsidiariamente, na modalidade de proteção subsidiária.”*Por sentença do TAC de Lisboa, datada de 29 de Dezembro de 2020, foi a presente acção julgada procedente, e, em consequência: «a) anulada a decisão de 06/10/2020, do diretor nacional adjunto do SEF, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional que AA apresentou em Portugal e que determinou a sua transferência para Itália por ser este o estado-membro competente para apreciar o pedido; b) condenado o SEF a instruir o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional com informações relativas ao estado de saúde do requerente e, em face dessas informações, trazer ao procedimento informação sobre as expectáveis condições de acolhimento do requerente em Itália, designadamente quanto ao acesso a cuidados médicos, e, após, decidir ponderando as informações recolhidas».

*O MAI/SEF apelou para o TCA Sul e este, por acórdão proferido a 20 de Outubro de 2022, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

*O réu, MAI/SEF, inconformado, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1ª - Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objeto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU) que o hospeda; 2ª- Verifica-se, assim, que a Entidade Demandada observou as exigências previstas no artigo 5º do Regulamento supra mencionado, tendo realizado, antes da decisão que determinou a transferência, uma entrevista pessoal com o ora Recorrido e, bem assim, elaborado um resumo escrito, através de relatório/formulário, do qual constam as principais informações facultadas bem como foi facultada ao ora Recorrido a possibilidade de pronúncia quanto à eventual decisão de tomada a cargo a proferir pelo Estado onde o pedido foi apresentado, bem como alegar elementos suscetíveis de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade e, consequentemente, a sua transferência para Itália; 3ª - Não se vislumbra, por força das declarações do próprio Recorrido, que a Entidade Demandada omitiu qualquer dever instrutório, isto é, que devesse ter averiguado outros factos que se revelassem adequados e necessários à tomada de decisão, antes de ditar a transferência do A. para Itália; 4ª - Quer no tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo da Itália, quer nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, no que respeita em especial ao acesso aos cuidados de saúde, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada; 5ª - Mais se dirá que, nos autos não são apresentados elementos suficientes comprovativos que o ora Recorrido e apresente um estado de saúde particularmente grave que uma transferência para a Itália iria provocar um agravamento do mesmo, com efeitos significativos e irremediáveis; 6ª – Itália encontra-se vinculada pela Diretiva 2013/33/EU, do Parlamento e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, em conformidade com a confiança mútua entre o Estados-Membros no âmbito do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), existindo uma forte presunção que as condições materiais de acolhimento a favor dos requerentes de proteção internacional nesses Estados-Membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da União e pelos direitos fundamentais; 7ª – Itália garante a proteção de pessoas vulneráveis, de acordo com a suprarreferida Diretiva que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional nos seus artigos 17º, nº 2 e 21º e ss., encontrando-se devidamente transposta para a ordem interna, pelo que o apoio médico necessário se encontra garantido naquele país; 8ª - No âmbito do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o intercâmbio dos dados pessoais dos requerentes, efetuado antes da sua transferência, incluindo os dados sensíveis em matéria de saúde, garantirá que as autoridades competentes estão em condições de prestar aos requerentes a assistência adequada e de assegurar a continuidade da proteção e dos direitos que lhes foram conferidos; 9ª - O nº 1, do art.º 31º do Regulamento Dublin estabelece que “O Estado-Membro que procede à transferência de um requerente ou de outra pessoa a que se refere o artigo 18º, nº 1, alíneas c) ou d), comunica ao Estado-Membro responsável os dados pessoais relativos à pessoa a transferir que sejam adequados, pertinentes e não excessivos, unicamente para efeitos de assegurar que as autoridades competentes de acordo com a legislação nacional do Estado-Membro responsável podem proporcionar à pessoa em causa a assistência adequada, nomeadamente a prestação dos cuidados de saúde imediatos necessários para proteger o interesse vital da pessoa em causa, e garantir a continuidade da proteção e dos direitos previstos no presente regulamento e noutros instrumentos jurídicos relevantes em matéria de asilo. Essas informações são comunicadas ao Estado-Membro responsável num prazo razoável antes da realização da transferência, a fim de assegurar que as autoridades competentes de acordo com a legislação nacional do Estado-Membro responsável disponham de tempo suficiente para tomar as medidas necessárias.PT 29.6.2013 Jornal Oficial da União Europeia L 180/47”; 10ª – E no nº 2 que “O Estado-Membro responsável todas as informações essenciais, na medida em que a autoridade competente de acordo com a legislação nacional delas disponha, para salvaguardar os direitos e as necessidades especiais imediatas da pessoa em causa, nomeadamente: a) As medidas imediatas, que o Estado-Membro responsável tenha de tomar para assegurar que as necessidades especiais da pessoa a transferir sejam adequadamente consideradas, incluindo os cuidados de saúde imediatos eventualmente necessários;(…)”; 11ª – E no art.º 32º, relativamente ao intercâmbio de dados de saúde a efetuar antes de a transferência ser efetuada “1. Exclusivamente para efeitos de prestação de cuidados médicos ou de tratamento médico, (…) o Estado-Membro que procede à transferência transmite ao Estado-Membro responsável (…) informações sobre eventuais necessidades especiais da pessoa a transferir que, em casos específicos, podem incluir informações acerca do seu estado de saúde físico e mental. (…). O Estado-Membro responsável certifica-se de que é dada resposta adequada a tais necessidades especiais, incluindo, em especial, cuidados médicos eventualmente necessários.”; 12ª - Contrariamente ao que o douto acórdão refere, ao ora recorrente outra solução não restava que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito; 13ª - Neste contexto, o Acórdão recorrido carece de legalidade, porquanto, conforme precedentemente explanado, no estrito cumprimento do estatuto pela lei nacional da União Europeia sobre a matéria, se lhe impunha considerar impoluto o ato do ora Recorrente; 14ª - Ao invés, assim não atuou, razão pela qual ora se pugna pela revogação do douto Acórdão, atenta a correta interpretação e aplicação da Lei.».

*O recorrido contra-alegou, concluindo do seguinte modo: «A.

O que pretende o Recorrente é uma reapreciação da questão substantiva, o que, refira-se, é processualmente ilegítimo; B.

O Recorrente não esclarece nem explicita em que consiste a alegada questão fundamental “para a melhor aplicação do Direito”; C.

Não existe qualquer questão fundamental ou divergência de interpretação das normas aplicáveis; D.

Existe sim é o dever de o ora Recorrente atender a todas as normas aplicáveis e enquadrar os seus procedimentos e decisões em cada situação e caso concreto; E.

Não estão pois preenchidos os pressupostos legais para admissão do presente recurso; F.

Deve por isso tal admissão ser recusada; G.

A decisão de transferência do Recorrido para Itália, em sede de “retoma a cargo”, resultou da mera verificação da existência, ou não, noutro estado membro, de pedido de proteção internacional anterior; H.

Enquanto entidade/autoridade decisora dos procedimentos administrativos atinentes à concessão de proteção internacional, o Recorrente – SEF – está vinculado à aplicação da lei, de acordo com os imperativos constitucionais, com os tratados e convenções internacionais subscritos por Portugal; I.

A decisão do Recorrente não atendeu, nem sequer analisou como lhe competia, as circunstâncias de saúde, pessoais e concretas do aqui Recorrido; J.

O Recorrente não analisou nem ponderou a situação de degradação sistémica na permanência e no tratamento...

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