Acórdão nº 451/21.7T8MNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução20 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA, residente na Rua ..., ... Sul, ... e ..., ..., intentou a presente ação de processo comum contra BB, residente na Estrada ..., ..., ..., ..., ..., CC, maior acompanhada, (representada pelo acompanhante BB) residente na Estrada ..., ..., ..., ..., ... e DD, residente na Rua ..., ..., ..., ..., pedindo: 1) A anulação da escritura de doação efetuada pelo 1º Réu BB e pela 2ª Ré CC a favor do 3º Réu DD, realizada no Cartório Notarial ... em 21 de dezembro de 2015, comunicando-se a anulação da escritura à Conservatória do Registo Predial ... para averbamento e anulação da apresentação relativa à escritura de doação em causa.

2) A anulação de todos os testamentos, escrituras de doação ou outras, bem como todos os eventuais instrumentos de disposição patrimonial outorgados pela 2ª Ré, a acompanhada CC, desde 20 de dezembro de 2010 (data em que o acompanhamento se impunha necessário) até ao dia de hoje.

3) A anulação do negócio de compra e venda do Trator da ..., Modelo ...10, matricula n.º CI-..-.. e das respetivas alfaias agrícolas, celebrado entre o 1º Réu e o 3º Réu, regressando tal viatura à esfera jurídica da acompanhada CC.

Para tanto, e em síntese, alega que é irmã do terceiro Réu, e ambos filhos do primeiro Réu e da segunda Ré.

Que há mais de 15 anos que a Ré CC foi acometida de acidente vascular cerebral que lhe causou doença psíquica e neurológica, com deterioração cognitiva irreversível, ficando assim incapacitada de gerir a sua vida e os seus bens, tendo a Autora intentado em setembro de 2017 uma ação judicial, então de interdição/inabilitação, a qual correu termos no Juízo de Competência Genérica ... sob o n.º 390/17...., tendo sido proferida sentença, transitada em julgado, que decidiu a ação procedente.

No ponto 5) da referida sentença consta que o início do acompanhamento da Beneficiária CC se tornou conveniente a partir de 22/12/2010.

Mais alega que a 2.ª Ré outorgou escritura de doação em 21/12/2015, na qual os dois outorgantes doavam ao 3º Réu diversos bens imóveis e que em tal escritura de doação, ou outras desde 22/12/2010, a sua mãe não outorgou o referido documento de vontade livre e esclarecida, necessitada que estava de total acompanhamento e proteção, porquanto se encontrava incapacitada de entender o sentido da sua declaração negocial e até de reconhecer os documentos de disposição patrimonial que assinava.

Que desde 20 de dezembro de 2010 a Acompanhada CC não estava na posse de todas as suas faculdades físicas, mentais e psíquicas, para de vontade livre e esclarecida celebrar negócios jurídicos, envolvendo disposições patrimoniais relevantes, doando e testando os seus bens sem qualquer justificação nem controlo.

Alega ainda que o 1º Réu e a 2ª Ré são e sempre foram donos e possuidores do trator agrícola da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI-..-.. e ainda as respetivas alfaias agrícolas (Atrelado; Arado, Fresa e outros) e que a Autora teve também conhecimento que já depois de 2010, em 13 de novembro de 2017 o 1º Réu vendeu ao 3º Réu o referido trator e as respetivas alfaias agrícolas, pelo preço de €4.000,00 euros que este último, alegadamente, pagou, sendo que a venda não teve o consentimento da 2ª Ré e muito menos o consentimento da própria Autora.

Regularmente citados, os Réus deduziram contestação, impugnando os factos alegados pela Autora quanto à incapacidade acidental da 2.ª Ré.

Alegaram que a 2.ª Ré em 2015 estava no perfeito domínio das suas capacidades mentais, ouvia bem, falava com dificuldade, mas expressava-se com clareza e que em 1 de março de 2016 outorgou procuração notarial a favor do marido, a que a Dra. Notária não objetou.

Mais alegaram que em outubro de 2016 a 2.ª Ré foi notificada para vir testemunhar no processo judicial em que reivindicava a sua casa à Autora, sua filha, que a Sra. Juiz ouviu-a, na presença de uma médica e validou o seu depoimento, pelo que a escritura de doação foi legal e regularmente feita e outorgada, tendo os Réus atuado com lisura de princípios e no uso pleno das suas faculdades, pois até 2018 a 2.ª Ré gozou da plenitude das suas capacidades intelectuais, a sua capacidade de querer e mesmo de se exprimir Alegaram ainda que no final de 2017 os 1.º e 2.ª Réus deram ao 3.º Réu um trator agrícola e alfaias, o que é legal e que o 3.º Réu entendeu, de seguida, dar aos seus pais o valor que julgava razoável pelo veículo, sendo que a Autora sempre soube do negócio e nele consentiu, nunca tendo invocado a sua ilegalidade/nulidade.

A Autora foi convidada a aperfeiçoar o petitório formulado em C), uma vez que o mesmo se dirigia a uma pluralidade indefinida e não identificada de atos e, na sequência da informação prestada Serviços Centrais do Instituto dos Registos e Notariado, a Autora veio desistir do pedido formulado sob ponto C), tendo tal desistência sido homologada.

Foi realizada a audiência previa, proferido despacho saneador e despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Nos termos e fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência: A. Declaro a anulação do negócio de compra e venda de trator da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI-..-.. e respetivas alfaias agrícolas, realizado 13.11.2017, conforme descrito no pondo D) do petitório.

  1. Na sequência da referida declaração de anulação, determina-se que tal bem volte a integrar o acervo patrimonial conjugal do 1.º e 2.ª RR., mais se ordenando a sua restituição, no prazo de 10 dias após trânsito em julgado da sentença, pelo 3.º R., aos 1.ºs e 2.º RR; C. Absolvo os RR. de todos os demais pedidos formulados pela A.

Custas pela A. e RR., na proporção do decaimento, que se fixa em 50% e 50%, respetivamente – art. 527.º do Código de Processo Civil.2 Valor da ação: o já fixado em sede de despacho saneador. Registe e Notifique.

Após trânsito, cumpra de imediato: Comunique à conservatória de registo automóvel para anulação do registo de propriedade da viatura Trator da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI - .. - .. e das respetivas alfaias agrícolas a favor do 3.º R.

Comunique ao Cartório Notarial ... onde foi celebrada a escritura de doação impugnada nestes autos.” Inconformada, veio a Autora apelar da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1 O presente recurso de Apelação tem como objeto a apreciação por este Tribunal ... proferida no Processo nº 451/21.... que julgou a presente ação intentada pela Autora/Recorrente com fundamento na incapacidade acidental da Ré/doadora CC parcialmente procedente quanto ao bem móvel sujeito a registo, mas julgou improcedente o pedido de anulação da escritura de justificação com doação dos bens imóveis ao Réu/Recorrido DD.

2 Lida a Sentença na sua fundamentação quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, existe manifesto erro nas conclusões que os factos apurados impunham na decisão logica de procedência de todos os pedidos da Autora formulados contra os Réus. Na modesta opinião da Autora, constam da decisão factos não provados que deveriam ter sido dados como provados e inversamente factos não provados que deveriam ter sido dados como provados pelo Tribunal, o que não ocorreu por força de erro manifesto na apreciação da prova produzida em julgamento.

Para fundamentar a decisão o Tribunal à quo elevou o depoimento do próprio Réu e parte das testemunhas deste, em detrimento da prova pericial, cujas profissionais responsáveis reafirmaram em juízo detalhadamente a incapacidade da Ré/doadora CC para, depois de 2010, celebrar negócios jurídicos e efetuar disposições patrimoniais de vontade livre e esclarecida tendo em conta doença incapacitante, degenerativa e progressiva de que padecia comprovadamente.

4 O Tribunal à quo chega até e menorizar os depoimentos em juízo das referidas peritas médicas profissionais do foro psíquico, relevando o depoimento das testemunhas que celebraram a escritura de doação na inversão inesperada das aptidões profissionais de cada uma das depoentes. Na verdade, entender com certeza cientifica fundamentada a incapacidade da Ré CC para de vontade livre e esclarecida outorgar escrituras e celebrar negócios jurídicos desde 2010, não é para os profissionais da área jurídica nem sequer para médicos de clínica geral que não estiveram sequer presentes nos cartórios notariais visitados pelos Réus.

5 Na verdade, estando provada documentalmente nos autos a incapacidade da Ré/Doadora CC e a necessidade de acompanhamento permanente desde 22/12/2010, incapacidade corroborada pelas testemunhas da Autora presentes em Tribunal, não se compreende onde reside a dúvida em decidir provada a incapacidade da Ré para outorgar escrituras de doação e celebrar negócios jurídicos de vontade livre e esclarecida.

6 Para a Autora/Recorrente os factos dados como provados nos pontos 25, 26, 27 dos factos provados devem ser dados como não provados pois desde 2010, mesmo antes, (como provem os relatórios e as perícias medicas) a Ré/Doadora CC não ouvia bem, não falava, não se movia pelos seus próprios meios, não tinha capacidade para entender os negócios jurídicos que celebrava (mesmo que eventualmente os assinasse) nem tinha capacidade de se exprimir de forma clara e concludente. Salvo o devido respeito que é muito, o Tribunal à quo laborou porventura em enorme confusão na patente contradição entre os factos provados e que parte deles deveria ter dado como não provados impondo uma decisão de total procedência de todos os pedidos formulados na petição inicial.

7 Assim de tais factos da matéria de facto pretende a Autora recorrer pois não concorda com a matéria de facto dada como provada nos pontos 25, 26, 27 dos factos provados, por entender estar em contradição insanável com a matéria de facto dada como provada nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8...

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