Acórdão nº 669/18.0T8AVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelALEXANDRA ROLIM MENDES
Data da Resolução20 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: AA, com sinais nos autos, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma comum, contra, BB e A/C... - Corretores de Seguros, S.A., pedindo que sejam os Réus condenados a pagar ao Autor o valor de €34.400,00 (trinta mil e quatrocentos euros) a titulo de indeminização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescidos dos juros vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento.

Em síntese alegou que, celebrou com o Réu um contrato de mandato judicial por documento particular, através de procuração com poderes especiais, tendo este o representado nos processos identificados na petição inicial. Acontece que o Réu no decurso do mandato não seguiu as instruções dadas pelo Autor, atuando em claro desleixo, desmazelo, despreocupação, falta de sinceridade, honestidade na defesa dos interesses do Autor, o que lhe causou dano patrimoniais e não patrimoniais.

O Réu contestou, impugnando motivadamente os factos alegados pelo Autor, alegando que cumpriu as orientações do autor nos processos em causa, refutando qualquer tipo de negligência da sua parte, concluiu, assim, pela improcedência da ação, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.

Deduziu pedido reconvencional relativamente aos honorários dos processos mencionados ainda não pagos pelo Autor no valor de € 4.350,00.

A Ré seguradora contestou, alegando a sua ilegitimidade por não ter celebrado qualquer contrato de responsabilidade civil e daí não ser responsável pelo pagamento das quantias peticionadas.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada, e, em consequência, decido

  1. Absolver os Réus do pedido.

  2. Julgar procedente, por provado o pedido reconvencional deduzido e condenar AA a pagar ao Autor BB a quantia € 4.350,00 (quatro mil trezentos e cinquenta euros) acrescidos dos juros vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.”*Inconformado veio o Autor recorrer formulando as seguintes Conclusões: 1. Primeiramente, e salva melhor e fundamentada opinião, a sentença é nula, nos termos do artigo 615º, n.º1 d) do CPC, porque o Tribunal a quo condenou o Recorrente a pagar o pedido reconvencional com base em fundamentos dos quais não se pronunciou nem considerou como provados. Isto é, o juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia ter apreciado e sob as quais considera serem essenciais para a condenação do aqui recorrente, porém, sem dar como provados factos que estão na base da decisão.

    1. Salvo melhor opinião, a decisão do tribunal a quo é ainda ininteligível devido à ambiguidade e obscuridade de que padece, sentido em que se baseia em factos para condenar o aqui recorrente, e autor, no pedido reconvencional formulado pelo réu, mas sem dar como provados factos que sustentam a decisão, e por isso nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1 c) do CPC.

    2. O recorrido pede a condenação do autor recorrente, no âmbito do pedido reconvencional, “da quantia de € 4.350,00 (quatro mil trezentos e cinquenta euros) acrescidos dos juros vincendos, a taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento”, a título de honorários devidos.

    3. O recorrente invocou em sede de réplica a prescrição presuntiva da referida divida - assunto sob o qual nos debruçaremos mais à frente-, sucede, porém, que o tribunal a quo se debruça sob a aludida prescrição aquando enquadramento jurídico da motivação no que à reconvenção diz respeito, tomando seguinte posição: 5. “Da factualidade provada decorre que a Requerente, no âmbito da sua atividade profissional de advocacia, exerceu em representação do Requerido, mandato judicial.

    4. Também resulta que, no final de tal mandato, os honorários pelo trabalho efetuado e as despesas suportadas ascendiam a € 4.350,00, não tendo, porém, o Requerido efetuado o seu pagamento.

    5. O Requerido invocou a prescrição presuntiva por já ter efetuado o pagamento desses honorários face ao decurso do prazo.

    6. As prescrições presuntivas – como ocorre com a invocada nestes autos – são presunções de pagamento, fundando-se no facto das obrigações a que se referem costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não ser costume exigir quitação do seu pagamento; decorrido o prazo legal presume a lei que a divida esta paga, dispensando, assim, o devedor da prova do pagamento, prova essa que lhe poderia ser difícil ou, ate, impossível de realizar, por falta de quitação ( vide, entre outros, Vaz Serra, in RLJ, Ano 109o, pag. 246 e Almeida Costa, in “ Direito das Obrigações”, 4a ed., pag. 795 ).

    7. Para que a prescrição de cumprimento, a que se referem os artigos 312º e seguintes do C. Civil, se verifique e produza os seus efeitos não basta o mero decurso do prazo prescricional fixado na lei.

    8. Ao simples fluir do tempo hão-de acrescer ainda outros dois requisitos: o primeiro, consiste na não exigência do crédito (o não exercício do direito) durante aquele lapso temporal; o segundo, e a invocação da prescrição pela pessoa a quem ela aproveita (cfr. arts. 315º e 303º, ambos do C. Civil ).

    9. A estes dois requisitos poderá aditar-se ainda um terceiro, de carácter negativo, e que se traduz na inexistência daqueles factos que, por força do disposto nos arts. 313º e 314º, do C. Civil, ilidem a presunção de pagamento (vide, por todos, Antunes Varela, in RLJ, Ano 103º, pág. 256).

    10. Nesta conformidade, o réu que conteste uma ação de dívida, ou outro tipo de ação onde se discuta a sua obrigação de pagar determinada quantia pecuniária terá, para se valer da prescrição presuntiva, de alegar expressa e claramente que pagou e que, em todo o caso, sempre tal se presumiria (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 21/10/1986, in BMJ no 364, pág.934).

    11. A presunção de cumprimento resultante do decurso desse prazo de dois anos só pode ser ilidida por confissão expressa do não pagamento ou por confissão tácita traduzida na prática em juízo de atos incompatíveis com a presunção de cumprimento – arts. 313º e 314º do CC.

    12. "Para que possa beneficiar da prescrição presuntiva, o réu não deve negar os factos constitutivos do direito do A, já que, fazendo-o, iria alegar em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento, na medida em que assim confessaria tacitamente o não cumprimento" - neste sentido, o Ac. deste STJ de 19-6-97, in CJSTJ, Ano V, Tomo II, pág. 134.

    13. Ao contrário do que se passa com a prescrição propriamente dita, a lei admite em certa medida, aliás limitada, que as prescrições presuntivas sejam afastadas mediante a prova da dívida. Na verdade, a «presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão do devedor originário...» confissão essa que pode ser judicial ou extrajudicial, sendo que esta última só releva quando for realizada por escrito» (art. 313º, nº 2), o que se impõe para defesa do devedor contra meios de prova menos seguros" - conf. Prof Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", 9a ed, pág.. 1051/1052.

    14. Deste modo, neste tipo de prescrições o decurso do prazo legal não extingue a obrigação. São chamadas de "prescrições presuntivas" porque nestes casos a lei presumiu que decorridos os prazos fixados o devedor teria pago, o que tem a sua importância no próprio regime destas prescrições: elas são tratadas, não bem como prescrições, mas como simples presunções de pagamento, sendo afastadas pela provada existência da dívida nos limitados termos que a lei prevê.

    15. Preceitua o citado artg. 313º do CC que «a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor, relevando a confissão extrajudicial apenas quando realizada por escrito» 18. Por outro lado, dispõe o artigo 314º do CC, que «considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento». A este propósito, observam Pires de Lima e Antunes Varela, in «código Civil Anotado», vol. I, 4a ed. pág. 282, que "visando as prescrições presuntivas conferir proteção ao devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova, exigindo- se, por isso, que os meios de prova do não pagamento venham do devedor ". Na situação em apreço, o Autor invocou o pagamento dos honorários e o decurso do prazo previsto no artigo 317º, alínea c) do Código Civil.

    16. Resultou provado que o Autor enviou uma carta registada com aviso de receção ao Réu, em 17.10.2017, no sentido de revogar o mandato forense e a solicitar a nota discriminativa dos honorários e o Réu peticionou o valor dos honorários devidos na presente ação, aquando da apresentação da reconvenção em 04.12.2018.

    17. Ora, facilmente se descortina que à data em que o Réu exigiu o pagamento dos honorários ainda não tinham decorridos o prazo de dois anos, previsto para a prescrição.

    18. Assim, e não tendo resultado provado o pagamento dos honorários devidos a exceção deduzida terá necessariamente de improceder”.

    19. Ou seja, o tribunal a quo considera improcedente a prescrição invocada, e, por conseguinte, condena o aqui recorrente no pedido reconvencional na totalidade, tomando como base factos sob os quais não se pronunciou nem considerou como provados. Pois, presume, sem mais, que a representação do mandatário cessa em todos os processos em que interveio naquela data, depois do envio da referida missiva, e por isso conclui que ainda não tinham passados dois anos para ter ocorrido a prescrição. O que na verdade não sucede, pois, a carta refere-se única e exclusivamente a um processo específico e ali mencionado: 195/12.....

    20. Verifica-se a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o juiz deva tomar posição expressa, tais como a...

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