Acórdão nº 168/23 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 168/2023

Processo n.º 829/2022

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. e B. recorreram, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante «LTC»), da decisão desse tribunal que, em 21 de junho de 2022, negou provimento ao recurso interposto pelos recorrentes, confirmando na íntegra a sentença impugnada, que havia determinado a caducidade do direito de uso e habitação dos recorrentes, com a venda, em insolvência, do imóvel identificado nos autos.

2. Foi proferida a Decisão Sumária n.º 673/2022, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, que decidiu não conhecer do objeto do recurso. Teve, em síntese, a seguinte fundamentação (cfr. Fls. 88-93):

«(…)

4.1. Analisando o requerimento de interposição do recurso, verifica-se que os recorrentes formulam a pretensão de ver apreciada a norma do artigo 824.º n.º 2, do Código Civil, começando por afirmar que «[o] objeto do recurso é a decisão do juiz “a quo” de aplicar ou não a norma cuja constitucionalidade ou ilegalidade de uma norma, não a aplicando», concretizando o objeto de recurso nos seguintes termos:

«A interpretação e aplicação do disposto no nº 2 do artigo 824º do Código Civil nos termos em que é feita na decisão objeto de recurso é inconstitucional por violar o disposto no artº 65º da Constituição da República Portuguesa, pois, salvo o devido respeito, as normas sob apreciação afetam este direito de modo desproporcionado, desadequado e viola outros princípios.»

Como se constata, neste caso, os recorrentes não enunciam qual o sentido normativo remontado ao artigo 824.º, n.º 2, do Código Civil que consideram colidente com o princípio constitucional consagrado no artigo 65.º da Constituição. Efetivamente, limitam-se a alegar que «estamos perante um direito (uso e habitação) que tem proteção no artº 65º da Constituição da República Portuguesa» e, após expressarem o seu entendimento sobre aquele princípio constitucional, limitam-se a aludir «[à] interpretação e aplicação do disposto no nº 2 do artigo 824º do Código Civil nos termos em que é feita na decisão objeto de recurso é inconstitucional (…).» Assim, se constata que os recorrentes não logram construir uma qualquer questão de constitucionalidade, nos termos explicitados supra; ao invés, os recorrentes limitam-se a remeter o objeto deste recurso ao decidido pelo Tribunal a quo, o que evidentemente não permite cumprir este ónus. Ao omitirem um enunciado normativo extraível do aludido preceito, os recorrentes conduzem o presente recurso a um caso de inidoneidade do respetivo objeto, na medida em que, subjacente à impugnação feita existe, afinal, um inconformismo quanto ao próprio critério de julgamento do caso concreto pelo Supremo Tribunal de Justiça.

O recurso de constitucionalidade pressupõe, ainda, que o recorrente destaque da decisão recorrida – no caso, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de junho de 2022 – a interpretação normativa tida por violadora da Constituição e que, por isso, devesse ser desaplicada com fundamento em inconstitucionalidade. Como se disse, o Tribunal Constitucional não sindica (eventuais) erros de julgamento, limita-se sim, a sindicar critérios normativos, gerais e abstratos, extraídos da decisão recorrida, que possam assumir relevância jusconstitucional, por impactarem diretamente com normas ou princípios constitucionais.

Conclui-se, por isso, que, por inidoneidade, o conhecimento do objeto do recurso, no que respeita à questão acima identificada, se encontra prejudicado.

5. Constitui ainda requisito de admissibilidade dos recursos apresentados ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a suscitação, em termos tempestivos e adequados, da inconstitucionalidade da norma ou interpretação normativa acolhida pelo tribunal a quo.

A suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade implica o cumprimento do ónus de a colocar ao tribunal a quo, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível, em ato processual e segundo os requisitos de forma, de modo a que o tribunal tenha um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta, consubstanciando o mesmo cumprimento, desde logo, também um requisito de legitimidade.

Conforme se escreveu, a este respeito, no Acórdão n.º 269/94 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/):

«[s]uscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que – como já se disse – tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos.».

5.1. Analise-se, então, as conclusões das alegações apresentadas pelos recorrentes perante o Tribunal a quo:

«(…)

17 - Estamos perante um direito (uso e habitação) que tem proteção no art. 65° da Constituição da República Portuguesa

18 - Entender a habitação como um direito constitucional (cf. artigo 65.° da Constituição da República Portuguesa - CRP) constitui uma primeira base nuclear de natureza jurídico-política para garantir uma habitação básica para todos sem exceção, de forma a possibilitar não só acesso a como a fruição de uma habitação segura e confortável em qualquer parte do território, nomeadamente na malha urbana da cidade, onde é mais difícil aceder a habitação básica num contexto de escalada de especulação imobiliária, gentrificação e segregação socio- espacial.

19 - Sendo a habitação um direito social inalienável consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP) desde 1976, encontra-se simultaneamente consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas e em vários outros compromissos internacionais a que Portugal se encontra vinculado

20 - Nada impedindo a venda da fração autónoma sob apreciação, o direito de uso e habitação não se extinguirá, permanecendo independentemente de quem for o proprietário do imóvel.

...

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