Acórdão nº 0371/21.5BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Abril de 2023
Magistrado Responsável | PEDRO VERGUEIRO |
Data da Resolução | 12 de Abril de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Processo n.º 371/21.5BESNT (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
RELATÓRIO “A..., S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 05-06-2022, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais («TSAM»), referente ao ano de 2020, no total de €555.715,31, constante das facturas n.º ...36 e ....
Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) A. O presente recurso é interposto contra a Sentença proferida no dia 5 de Junho de 2022, no âmbito dos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto da Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.º 371/21.5BESNT, que julgou improcedente a pretensão da ora RECORRENTE e, em consequência, determinou a manutenção na ordem jurídica do acto tributário impugnado, atinente à TSAM do ano de 2020.
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Ora, não pode a RECORRENTE conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, na exacta medida em que manteve na ordem jurídica o acto tributário impugnado, o qual, como se demonstrará, padece de ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo ser revogada e substituída por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.
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Designadamente, entendeu o Tribunal a quo que, relativamente ao vício da não discriminação orçamental das receitas da TSAM, “(…) foi cumprida a imposição constitucional de especificação das receitas que, como acima deixámos dito, é muito menos exigente relativamente às receitas do que às despesas. Note-se que, para efeitos de determinação da alegada ilegalidade abstrata aqui suscitada pela Impugnante não releva a falta de inscrição especificada das receitas provenientes da TSAM nas restantes Leis do Orçamento do Estado, porque, não dizendo respeito ao ano de 2020, não é suscetível de inquinar o ato impugnado nos presentes autos. Nem tão pouco releva a inscrição em bloco das receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado de 2020, inexistindo, ao contrário do que afirma a Impugnante, qualquer violação da alínea a) do n.º 1 do art.º 105.º da CRP ou do art.º 17.º da LEO, podendo as receitas dos fundos autónomos ser apenas globalmente especificadas. Razões porque, nos termos e com os fundamentos acima expostos, inexiste qualquer violação dos princípios da transparência, da unidade e da universalidade.”.
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Deste modo, entendeu o Tribunal a quo não anular o acto de liquidação da TSAM do ano de 2020, pelo que não pode a RECORRENTE conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, na exacta medida em que manteve na ordem jurídica o acto tributário impugnado, o qual, como se demonstrará, padece de ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo ser revogada e substituída por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.
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Conforme melhor demonstrado na Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, a IMPUGNANTE defende que o acto de liquidação controvertido se encontra inquinado dos vícios de ilegalidade abstracta e de inconstitucionalidade (indirecta), na medida em que constitui a concretização de normas violadoras da regra da discriminação orçamental, corolário do princípio da especificação orçamental, decorrente do disposto no artigo 8.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto - e nos artigos 15.º e 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, aplicável a partir de 2015 - e, ainda, do disposto no artigo 105.º, n.º 1, da CRP.
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Com efeito, entende a IMPUGNANTE que a norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, ao dispor que a receita da TSAM é consignada ao FSSAM, encontra-se inquinada de ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, e de inconstitucionalidade, por violação de norma constitucional, pois que a receita da TSAM não se encontra devidamente especificada, como se impunha, na Lei do Orçamento do Estado para 2020, ano da liquidação da TSAM objecto da presente Impugnação Judicial.
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Veja-se que, decorre do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, que a receita obtida com a cobrança deste tributo devia encontrar-se reflectida, e suficientemente discriminada, no Mapa V, que integra as "receitas dos serviços e fundos autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo", ou, pelo menos, no Mapa VI, que integra as receitas dos serviços e fundos autónomos por classificação económica.
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Da mesma forma, a norma constante do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, padece dos mesmos vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade ao criar um tributo que viola, desde o momento da sua criação, a regra da discriminação orçamental.
I. Conforme acima referido, o princípio, e regra orçamental, da discriminação encontra-se previsto no artigo 8.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, e, a partir de 2015, nos artigos 15.º a 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, decorrendo, também, expressamente, da própria CRP a imposição de uma “discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos” (cfr. artigo 105.º, n.º 1, alínea a), da CRP).
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A LEO goza, como é sabido, de valor reforçado, prevalecendo sobre todas as normas que estabeleçam regimes particulares que a contrariem (cfr. artigo 4.º do supra citado diploma).
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Dentro do princípio da discriminação orçamental encontramos o subprincípio, ou regra orçamental, da especificação, a par das regras orçamentais da não compensação e da não consignação.
L. Ora, de acordo com a regra orçamental da especificação, o orçamento deve individualizar suficientemente as receitas, sendo que esta regra orçamental integra duas proibições expressas: (i) a proibição, para o Governo, da apresentação de aglomerados de receita e despesa públicas; e (ii) a proibição, para a Assembleia da República, de implementação de um sistema de votação global do Orçamento.
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Refiram-se a este título, as palavras de J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, quando, ao pronunciarem-se acerca da função constitucional do orçamento, ensinam que esta deverá “(…) funcionar como plano financeiro do Estado aprovado pela AR, exigindo, pois, a especificação não só de cada uma das fontes de receita mas também das despesas, suficientemente desagregadas para permitir que a decisão da AR e o controlo público sejam eficazes.” (cfr. GOMES CANOTILHO, J. e VITAL MOREIRA – Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, p. 1109).
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Neste sentido, também, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.°s 206/87, de 17 de Junho de 1987, e 624/97, de 21 de Outubro de 1997, referem-se, a este propósito, que "o processo democrático de determinação das opções financeiras, ao nível do orçamento, impõe que as receitas e as despesas autorizadas sejam minimamente desdobradas. Só assim, o Parlamento, dando expressão à vontade popular, pode realmente autorizar as «entradas» e «saídas» que em conjunto, numa ótica técnico-contabilística das finanças públicas, constituem o Orçamento".
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Acresce que, com vista à corporização do princípio da especificação orçamental, a Constituição e a LEO, quer na versão de 2001, quer na versão de 2015, preveem a existência de três classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional.
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Debruçando-nos sobre a classificação económica, que é a que mais releva para os presentes autos, estabelece o artigo 17.º da LEO de 2015, que “As receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento” (cfr. também artigo 8.º da LEO de 2001).
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Como sustenta ANTÓNIO SOUSA FRANCO, as classificações a que obedece a especificação de receitas encontram-se vinculadas “a um princípio de tipicidade legal, cuja violação determina inconstitucionalidade no caso das classificações funcionais e orgânicas – in genere, e ilegalidade, no caso das mesmas classificações in specie e da classificação económica (receitas e despesas correntes e de capital e suas espécies)” (cfr. SOUSA FRANCO, A. L. – Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, Almedina 2007, p. 353).
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Sucede, porém, que a TSAM – tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devidamente orçamentada, de acordo com a regra da especificação anunciada, em qualquer um dos Orçamentos de Estado aprovados já após a sua criação, conforme melhor demonstrado acima.
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Essencial neste quadro será, pois, perceber qual o grau mínimo de especificação exigido pelo acto orçamental (cf. neste sentido, A. L. Sousa Franco, L. - Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, Almedina 2007, página 353).
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De facto, considerando os valores arrecadados com a TSAM - aproximadamente €35.350.000 (trinta e cinco milhões, trezentos e cinquenta mil euros) no período compreendido de 2012 a 2016, segundo dados (não oficiais) do Ministério da Agricultura - a mesma deveria ser objecto de adequada e suficiente especificação - o que não se verifica.
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Com efeito, no ano de 2020 - a que diz respeito a liquidação da TSAM objecto dos presentes autos -, se verifica a omissão à receita previsível de TSAM nos mapas e desenvolvimentos orçamentais da Lei do Orçamento do Estado para 2020.
V. A este respeito, no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2020, referente às Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo, prevê, tão-só, a arrecadação pelo FSSAM do montante global de € 21.900.000 (vinte e um milhões e novecentos mil euros), e que a referida receita está consignada nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea b) do...
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