Acórdão nº 0358/10.3BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução12 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A..., SA. (Recorrente/Impugnante/A...), notificada do Acórdão de 19.05.2022, que negou provimento aos recursos interpostos por ambas as partes, dele vem, ao abrigo do artigo 285º do CPPT, no segmento em que negou provimento ao recurso da Impugnante, interpor RECURSO DE REVISTA para o PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO.

Alegou, tendo concluído: (I) ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA 1. Estão verificados todos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista (cfr. artigo 285º nº 1 do CPPT).

i) Quanto à complexidade jurídica superior à comum 2. Com efeito, aqui suscitam-se questões de elevada complexidade jurídica, atenta a tecnicidade inerente ao imposto em causa (IVA) e respectivos registos contabilísticos, em especial no que concerne à matéria em causa – descontos concedidos a consumidores finais –, 3. a qual suscita dúvidas quer quanto à definição do valor tributável das operações, quer quanto ao mecanismo da redução do IVA anteriormente liquidado e do cumprimento de obrigações acessórias/formais por parte dos retalhistas.

  1. Tal complexidade é agravada pelo facto de estarmos perante um imposto de matriz comunitária cuja interpretação impõe um acrescido esforço exegético que pondere não apenas a legislação e jurisprudência nacionais, mas também as Directivas e Jurisprudência Comunitárias, num esforço de necessária interpretação harmonizada.

  2. A complexidade jurídica é agravada pela circunstância de respeitar ao sector do retalho, sujeito a um regime jurídico de IVA específico e a milhões de operações diárias.

  3. A complexidade jurídica acrescida inclui a questão da necessidade de reenvio prejudicial ao TJUE, igualmente em discussão nos presentes autos, e que o Acórdão recorrido denegou – tema, este, que não tem sido tratado de forma uniforme na Jurisprudência nacional.

    ii) Quanto à especial relevância social 7. A questão jurídica em causa reveste uma manifesta relevância social, porquanto assenta numa prática transversal à generalidade dos retalhistas (grandes e pequenos) e, consequentemente, tem relevo para milhões de consumidores finais/famílias, 8. já que as práticas comerciais são idênticas no que tange aos descontos concedidos às famílias/consumidores finais – concessão de descontos aos consumidores finais utilizáveis apenas em compras subsequentes, por razões de fidelização –, indício de que a solução a dar a esta questão constitui orientação para a apreciação de outros casos.

    iii) Quanto à necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do Direito 9. Através do presente recurso visa-se estabelecer uma interpretação jurídica uniforme na matéria, transversal a todo o sector do retalho, de modo a evitar/prevenir distorções concorrenciais entre os vários operadores - das quais os consumidores finais/famílias são sempre onerados em último termo.

  4. Os vários aspectos que esse tema convoca têm sido objeto de bastante controvérsia, quer jurisprudencial, quer doutrinal, 11. sendo que, no caso da A.../Recorrente, sobre o mesmíssimo tema, já foram proferidas diversas decisões judiciais opostas ao aqui decidido, conforme cópias das Sentenças aqui anexas como docs. ..., ... e ....

  5. Por conseguinte, estão em causa matérias especialmente complexas e de evidente interesse público – e que clamam, por isso, pela imperiosa intervenção deste STA, enquanto órgão jurisdicional de cúpula regulador do sistema jurisdicional e garante da estabilidade e segurança jurídicas.

  6. Intervenção, esta, imprescindível para assegurar confiança e protecção das legítimas expectativas de operadores económicos e de consumidores, em matéria tão essencial como a das vendas de bens alimentares a famílias.

  7. Concomitantemente, por se tratar de uma matéria regulada também por normas comunitárias, está também em questão um instituto jurídico fundamental para o efeito, que é o instituto do reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), 15. previsto no artigo 267º do TFUE (anterior artigo 234º, § 3º, do Tratado de Roma), o qual não tem sido alvo de um tratamento jurídico uniforme e consistente pelos Tribunais nacionais.

  8. Finalmente, a “melhor aplicação do Direto” reside também no facto da Instância recorrida ter tratado diversas matérias jurídicas, processuais e materiais, de “forma ostensivamente errada” e de modo tão “juridicamente insustentável”, que se torna imprescindível a intervenção deste Venerando Tribunal, como se detalhará infra.

    iv) A ofensa de disposição expressa da lei, que exige certa espécie de prova para a existência do facto e que fixa a força de determinado meio de prova (art.° 285.°, n.° 4, in fine, do CPPT) 17. Ao contrário do peticionado pela Recorrente, e em violação de lei, o Tribunal a quo escusou-se rever a seguinte matéria de facto determinante para os autos: [IMAGEM] 18. O Tribunal a quo fundamentou o seu juízo na circunstância de, alegadamente, esse facto não ter sido invocado na petição, nem decorrer das alegações de recurso ou dos autos, não sendo de considerar nos termos do artigo a) e b) do artigo 5.º do CPC.

  9. Ora, a Recorrente alegou tal facto nos autos (cf. artigo 623.º da p.i. e pontos 49 e 67 e conclusão xiii do recurso, aliás transcrita no acórdão recorrido) e indicou a correspondente prova junta aos autos: [IMAGEM] 20. Logo, o facto alegado está documentalmente provado nos autos, por documentos que constituem o anexo XI ao relatório inspectivo, para ilustrar o procedimento adotado pela Recorrente na emissão de documentos de venda e talões de desconto.

  10. Desse anexo XI constam talões de venda emitidos a clientes, nos quais são expressos os descontos (descontos B... e descontos C...), quer os utilizados (na própria compra, decorrentes de compras anteriores no A... ou na C...), quer os descontos concedidos (para compras subsequentes no A...), além de códigos de barras numéricos e da menção “IVA incluído”.

  11. Dos talões de desconto constam esses códigos de barras numéricos, conforme cópias (dos talões de desconto) juntos como “doc. nº ...” pela própria AT/FP (fls. 1273 e ss. do processo físico).

  12. Da conjugação dessa documentação, oriunda da própria AT, resulta claramente “que o vale de desconto está indexado ao código de barras constante do respectivo talão de venda” e “que no talão de venda subsequente existe referência ao número do talão de desconto correspondente”.

  13. Nos termos do artigo 285º nº 4 do CPPT, “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”.

  14. Ora, os documentos que atestam os factos em causa constituem anexo ao relatório inspectivo e foram juntos pela própria AT como fundamento do acto tributário – não tendo sido impugnados pela Recorrente e não podendo, como tal, ser ignorados.

  15. Por conseguinte, tais documentos devem ter-se por documentos particulares que foram trazidos pela AT ao processo para fundamentar as conclusões da ação inspectiva, como prova do procedimento utilizado pela Recorrente, 27. pelo que a informação contida nessa documentação (e referida no relatório inspetivo), não tendo sido impugnada pelo contribuinte, faz fé em juízo.

  16. A força probatória de documentação/informações oficiais oriundas da AT tem a força probatória de documento autêntico – pelo que deveria ter sido atendida pelo Tribunal a quo.

  17. Logo, o Acórdão recorrido violou ostensivamente e de modo juridicamente insustentável: (i) os artigos 76.º n.º 2 da LGT, 383.º n.º 1 e 387.º n.º 1 do CC, que atribuem aos documentos em causa a força probatória das certidões de teor, pelo que foram igualmente violados os artigos 362.° e 376.° do CC, que fixam a admissibilidade da prova documental e a força probatória dos documentos particulares; (ii) e o artigo 76.º n.º 1 da LGT, que atribui força probatória de documento autêntico aos factos contidos em informações oficiais prestadas pela inspeção tributária, infringindo os artigos 362.° e 371.º do CC, que fixam a admissibilidade da prova documental e a força probatória dos documentos autênticos.

    (II) NULIDADES DECISÓRIAS 30. Na PI, a Recorrente suscitou a questão do “erro na matéria tributável por não consideração da situação credora de IVA” (Acórdão recorrido dixit) (cfr. 942. a 952 da PI, reiterados a 376. a 383. das alegações pré-sentenciais), sobre o qual a sentença de 1ª instância omitiu pronúncia.

  18. A Recorrente suscitou perante o Tribunal a quo a nulidade decisória da sentença no tocante ao alegado erro na quantificação da matéria tributável (cf. artigos 230 a 240 e conclusões IXIV a IXVI).

  19. No segmento decisório em que se pronuncia sobre esta nulidade, o Acórdão recorrido é contraditório e ininteligível, pois começa por reconhecer que “O Tribunal a quo não abordou esta concreta questão; e não se pode dizer que a mesma tenha ficado prejudicada na parte em que a Impugnação não foi julgada procedente.” (cfr. artigo 608º nº 2 do CPC) – mas continuou na omissão de pronúncia acerca da sobredita questão jurídica.

  20. Deste modo, o Acórdão recorrido é nulo, seja (i) por contradição entre a decisão e a respectiva fundamentação, seja (ii) por ambiguidade/obscuridade que torna a decisão ininteligível.

  21. Reiterando na omissão de pronúncia, o Acórdão recorrido é nulo, nos termos e para os efeitos dos artigos 125º nº 1 do CPPT e 615º do CPC, ex vi do artigo 666º nº 1 do mesmo diploma legal.

  22. Entendeu ainda o Acórdão recorrido que “No artigo 676 da PI, a propósito da alegação de que não se coloca sequer a questão do reembolso por que só os sujeitos passivos de IVA é que têm direito a dedução do IVA pago nas suas aquisições, a Impugnante foi mais concreta: 676. E COMO NA ESMAGADORA MAIORIA DAS VEZES (MAIS DE 99%) OS CLIENTES SÃO CONSUMIDORES PARTICULARES, obviamente que estes não...

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