Acórdão nº 6739/21.0T8VNF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 6739/21.0T8VNF.G1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação de Guimarães, ... Secção Acordam em Conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO

  1. AA requereu a declaração de insolvência da sociedade «Wiretel, Lda.», na qualidade de ex-trabalhador da Requerida no período de 1/1/2009 a 21/10/2021, alegando ter sido ilicitamente despedido nessa data em que se deixou de laborar e encerrou as instalações, sendo titular de um crédito vencido no montante global de € 31 274,64; a Requerida encontrar-se-ia, por carência de meios próprios e por falta de crédito ou atividade geradora de receitas, impossibilitada de cumprir pontualmente com as suas obrigações.

  2. A Requerida deduziu Oposição, na qual impugnou a veracidade dos factos invocados pelo Requerente e alegou que o crédito invocado não existe pois não ocorreu qualquer despedimento ilícito; ao invés, o contrato de trabalho do Requerente teria cessado por mútuo acordo, tendo sido acordada, como compensação pecuniária de natureza global, a quantia de € 3 000, paga pelo Requerida. Logo, o Requerente não seria titular de qualquer crédito sobre a Requerida e careceria de legitimidade para intentar a presente acção. Pediu ainda a condenação do Requerente, como litigante de má fé, em multa, indemnização em montante não inferior a € 3 000 e pagamento das despesas do pleito por ter omitido e ocultado factos determinantes.

  3. O Requerente apresentou requerimento no exercício do contraditório, peticionando que: (a) se considerasse verificada a excepção dilatória de irregularidade de representação da Requerida, determinando-se a regularização do processado, e caso tal não sucedesse, se ordenasse o desentranhamento da oposição, com as legais consequências, ou, caso venha a ser regularizado o processado, (b) nos termos do art. 411º do CPC, se ordenasse a notificação da Autoridade Tributária e Segurança Social no sentido de informarem os autos se detinham algum crédito sobre a Requerida, e em caso afirmativo, qual a origem, montante, natureza, período a que respeitam e datas de vencimento.

  4. Foi proferido despacho saneador e realizada audiência final de discussão e julgamento, relegando o “conhecimento da excepção levantada para final”.

  5. O Juiz ...

    do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão proferiu sentença, que veio a julgar improcedente a acção, absolvendo a Requerida do pedido, assim como absolvendo o Requerente do pedido de condenação em indemnização por dedução de pedido infundado.

  6. Inconformado, o Requerente interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG); a Requerida apresentou contra-alegações, com ampliação do objecto do recurso e pedido de condenação do Recorrente como litigante de má fé.

    * Determinada a baixa do processo à 1.ª instância, foi proferido despacho de conhecimento e pronúncia sobre as matérias relativas à nulidade imputada à sentença pelo Apelante, julgando-se não verificadas tais nulidades.

    * O TRG proferiu acórdão no qual se aditaram oficiosamente os factos provados 16. e 17., considerou-se suprida a nulidade por omissão de pronúncia em face do anterior despacho, julgou-se improcedente a excepção da irregularidade do mandato ou representação forense e procedente a excepção da ilegitimidade material do Requerente quanto ao pedido de declaração de insolvência, e rejeitou-se a impugnação da matéria de facto deduzida pelo Recorrente e pela Recorrida, ficando prejudicada a apreciação das demais questões recursivas; ademais, não se conheceu do recurso quanto à condenação do Requerente e Recorrente como litigante de má fé. No dispositivo, concluiu-se: a) “julgar a apelação improcedente e absolver a Requerida do pedido de declaração de insolvência, embora com fundamentação jurídica distinta da constante da decisão recorrida”, e b) “não admitir a ampliação do objecto do recurso quanto à condenação do Requerente como litigante de má fé e, consequentemente, não conhecer da questão”.

  7. Novamente sem se resignar, veio o Requerente interpor recurso de revista baseada no art. 14º, 1, do CIRE, tendo por fundamento oposição jurisprudencial com o Ac.

    proferido pelo STJ em 29/3/2012, processo n.º 1024/10.5TYVNG.P1.S1, juntando supervenientemente certidão comprovativa com nota de trânsito em julgado.

    O Recorrente apresentou, a finalizar as suas alegações de revista, as seguintes Conclusões: “I. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães,datado de22.09.2022equedecidiuqueo Recorrentenão possui legitimidadesubstancial para pedir a declaração deinsolvência da Requerida Wiretel,Lda.

    1. O presente recurso é admissível de acordo com o n.º 1 do artigo 14º do CIRE, porquanto está em oposição ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 29.03.2012 no processo 1024/10.5TYVNG.P1.S1, em que foi Relator o Exmo. Sr. Conselheiro Fernandes do Vale.

    2. Do confronto entre o acórdão-fundamento indicado e a decisão proferida nos presentes autos decorre a manifesta oposição entre ambas as decisões, sendo que ambas as decisões se debruçam sobre a temática de se saber se a legitimidade para pedir a declaração de insolvência é substancial, como entendeu o Acórdão recorrido, ou processual ad causam, como decidiu o Acórdão-fundamento.

    3. A oposição entre ambas as mencionadas decisões é, assim, total e frontal, existindo identidade, em ambos os casos, do núcleo central da situação de facto e de normas jurídicas interpretadasou aplicadas, essenciais paradeterminaro concreto resultado num e outro caso, e assentam as concretas decisões num idêntico quadro normativo e, em justa medida, fáctico.

    4. No que ao objeto do presente recurso importa, o Recorrente, na apelação por si interposta, impugnou a decisão relativa à matéria de facto, indicou os concretos meios de prova que impunham a alteração da resposta dada, e por via dessa modificação, conducente à verificação de alguns dos factos-índice do artigo 20º do CIRE, conjugada com a não prova da solvência pela Requerida, solicitou a revogação da sentença proferida pela 1ª instância e a sua substituição poroutra que decretasse a insolvência da Requerida.

    5. Na resposta ao recurso a Requerida suscitou a sua ampliação, na qual invocou a ilegitimidade substancial do requerente para peticionar a declaração de insolvência da requerida.

    6. O Acórdão em crise encerra uma contradição, pois começa por defender que “… será dotado de legitimidade para requerer a declaração de insolvência quem se atribua a qualidade de credor do requerido e não quem seja efetivamente seu credor”, mas finaliza referindo que “… orequerente não possui legitimidadesubstancial para pedira declaração de insolvência da requerida Wiretel…”.

    7. Sobre a legitimidade do requerente para pedir a declaração de insolvência, decidiu o Tribunal de 1ª instância, que “O Requerente logrou, indiciariamente, provar ter o crédito por si alegado. Mas, da prova produzida, não se pode afirmar, com segurança, a sua existência e montante. Ainda assim, pode afirmar-se estar estabelecida a legitimidade da requerente para intentar a presente acção (apesar de este não ser o processo adequado à cobrança do crédito que invoca).” IX. Melhor dizendo, o Tribunal de 1ª instância, tendo presenciado e analisado toda a prova produzida, decidiu que o requerente possuía legitimidade para requerer a declaração de insolvência.

    8. Já o Tribunal da Relação, em sentido contrário, agarrou-se ao teor do documento n.º ... junto com a contestação, acolheu-o como uma verdade absoluta e irrefutável, aditou os factos provados sob os pontos 16 e 17 e, partindo dessa alteração atalhou caminho para decidir que o recorrente não detém qualquer crédito e por essa via não possui legitimidade substantiva para pedir a insolvência da requerida.

    9. Nesta temática, chama-se à colação o requerimento do Recorrente apresentado nos autos em 18.02.2022 mediante o qual exerceu o direito ao contraditório quanto aos documentos juntos com a contestação.

    10. Com o devido respeito, a decisão a quo olvidou, em absoluto, a posição assumida pelo Recorrente face ao indicado documento, cujo teor se mostra não pacífico e manifestamente controvertido, teor esse que foi objeto de prova no julgamento realizado na 1ª instância, e de cuja análise o tribunal concluiu que “O Requerente logrou, indiciariamente, provar ter o crédito por si alegado.” XIII. Assim, dos fundamentos da decisão que antecedem não se vislumbra que a mesma tenha partido de uma análise aprofundada das provas produzidas em audiência de julgamento, mas sim de uma análise literal e superficial do teor do documento.

    11. De qualquer modo, mesmo partindo de uma análise literal e superficial, no “acordo de revogação” faz-se expressa referência ao contrato de trabalho que vigorou entre 01.01.2009 e 21.10.2021, quando os factos provados sob os pontos 1 a 15 demonstram uma antiguidade que remonta à data de 01.01.2001, pelo que, mesmo partindo dessa interpretação, o “acordo” nunca abrangeria os créditos salariais referentes à antiguidade do trabalhador anteriores a 01.01.2009.

    12. Ainda quanto à existência do crédito e à legitimidade do requerente para pedir a insolvência da requerida, basta analisar sumariamente a antiguidade do Recorrente, constante dos factos provados – 01.01.2001 a 21.10.2021 –, cujo quantum indemnizatório seria por si só muito superior ao montante de 3.000,00 € aposto no apelidado “acordo de revogação”, conjugada com os princípios da indisponibilidade, impenhorabilidade e irrenunciabilidade dos créditos laborais, para se concluir pela prova perfunctória da existência de crédito e da legitimidade do requerente da insolvência.

    13. Conforme resulta do acórdão-fundamento quanto à questão em apreço, a declaração de insolvência de um devedorpodeserrequeridaporqualquercredor, ainda quecondicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito.

    14. É de natureza processual ou “ad causam” e não substantiva a legitimidade para requerer a declaração de insolvência de um devedor, nos...

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