Acórdão nº 202/14.2TBBAO-M.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ MOURO
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. 202/14.2TBBAO-M.P1.S1 * A.

O recurso de revista foi interposto tempestivamente, por quem para tal tem legitimidade (art. 17 do CIRE e arts. 631 e 638 do CPC).

Na perspectiva dos recorrentes, AA, BB, CC e DD, o decidido no acórdão recorrido ofende o caso julgado formado pela sentença de reclamação de créditos datada de 29-9-2017, transitada em julgado; entendem que a interpretação realizada pela Relação do Porto, no acórdão recorrido, da decisão constante daquela sentença de verificação e graduação de créditos, ofende aquele caso julgado.

Refira-se que a imposição da observância do caso julgado foi suscitada no acórdão recorrido, quando nele se mencionou que o «caso julgado material formado pela sentença de verificação e graduação de créditos impede nova graduação relativamente às fracções que já se encontravam apreendidas, ainda que não houvesse essa percepção devida à deficiente identificação das fracções».

Temos, pois, que quer a Relação do Porto, quer os recorrentes, consideram que há que respeitar o caso julgado decorrente daquela sentença de 29-9-2017 – todavia como os apelantes divergem da interpretação que a Relação faz da dita sentença, concluem que o acórdão recorrido (que expressamente se apoia no «caso julgado material formado pela sentença de verificação e graduação de créditos», para concluir que tal impede nova graduação) ofendeu o caso julgado formado pela mesma sentença.

Resulta da alínea a) do no 2 do art. 629 do CPC que independentemente do valor da causa e da sucumbência – mas, também noutros casos, como os dos nos 2-a) e 3) do art. 671 do CPC - é sempre admissível recurso (aqui, de revista) das decisões que “ofendam o caso julgado”.

Consoante menciona Abrantes Geraldes (1), a «decisão que, na perspectiva do interessado, conflitue com outra decisão que já esteja dotada da eficácia ou da autoridade do caso julgado é sempre susceptível de recurso ordinário, até ao Supremo Tribunal de Justiça». Constatando que «a admissibilidade excecional do recurso não abarca todas as decisões que incidam sobre a exceção dilatória do caso julgado ou sobre a autoridade do caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a “ofensa” do caso julgado ou da autoridade de caso julgado, efeito que tanto pode emergir da assunção expressa de que a decisão recorrida não traduz essa ofensa (julgando improcedente a exceção dilatória do caso julgado), como do facto de ser proferida decisão sem consideração do caso julgado anteriormente formado, omitindo pronúncia a tal respeito (ofensa implícita)». Assim, estão excluídas daquela previsão, as situações em que se afirme a existência da excepcão do caso julgado, «ou se assumam, na apreciação do mérito de uma ação, os efeitos da autoridade do caso julgado emergente de outra decisão». E salientando (2) que «sem embargo das situações em que exista manifesto erro de qualificação que seja imediatamente apreensível, a alegação da ofensa de caso julgado satisfaz o pressuposto especial da recorribilidade e determina a admissão do recurso ... com vista à apreciação do respectivo mérito pelo tribunal ad quem» (itálico nosso).

Repetimos que, no caso que nos ocupa, quer a Relação do Porto, quer os recorrentes, entendem que há que respeitar o caso julgado decorrente da sentença de 29-9-2017 – todavia como os apelantes divergem da interpretação que a Relação faz da dita sentença, consideram que o acórdão recorrido ofendeu o caso julgado formado pela mesma sentença. Deste modo, muito embora, na decisão recorrida, tenham sido considerados os efeitos da autoridade do caso julgado emergentes da sentença proferida em 29-9-2017, na perspectiva dos recorrentes foi feita uma interpretação errada dessa sentença, pelo que alegam a ofensa de caso julgado.

Estamos, ainda, perante o que respeita à admissibilidade do recurso, cumprindo, pois, verificar se existe uma «decisão, com trânsito em julgado, que possa ter sido ofendida» e se essa decisão, em confronto com a decisão de que os recorrentes pretendem recorrer «tem valor de caso julgado a respeitar» (3).

Como explicava Alberto dos Reis (4) a demonstração de que a decisão recorrida ofendeu, realmente, o caso julgado é aspecto que tem a ver com a procedência do recurso.

No que concerne a este específico fundamento de recurso basta a possibilidade de a ofensa de caso julgado ocorrer para que o recurso seja admissível, ainda que circunscrito à apreciação dessa questão (5).

Neste contexto, no âmbito da admissibilidade do recurso, entendemos que a revista é admissível, nos termos do no 2-a) do art. 629 do CPC, uma vez que tem como fundamento, nos termos explicitados, a ofensa do caso julgado.

* B.

I - No apenso de “Liquidação” aos autos de processo de insolvência de «L..., Lda.

.», pelo Tribunal de 1a instância foi proferida a seguinte decisão, datada de 16-9-2022: «Atenta a informação prestada pelo Senhor Administrador de Insolvência no requerimento que antecede, declara-se encerrada a liquidação, ordenando-se a remessa dos autos à conta – cfr. artigo 182.o, n.o 1, do C.I.R.E.

Para efeito de elaboração da conta de custas, fixo o valor da ação em €7.089.440,65 (sete milhões oitenta e nove mil quatrocentos e quarenta euros e sessenta e cinco cêntimos).

Elabore a conta de custas e notifique o Sr. Administrador de Insolvência da mesma para proceder ao seu pagamento e para apresentar as contas da liquidação, no prazo de 10 dias, artigo 62.o, n.o 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e ulteriormente, aprovadas as contas, apresentar proposta de remuneração variável e rateio final, no prazo de 10 dias, em consonância com o preceituado no artigo 182.o, n.o 3, do C.I.R.E.

Notifique e registe».

Desta decisão apelaram os credores AA, BB, CC e DD (6), mas a Relação do Porto, por acórdão de 14-12-2022, julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Interpuseram agora, aqueles credores, recurso de revista, com fundamento na ofensa do caso julgado, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: 1.a- O recurso vem interposto do douto acórdão proferido nos autos em 14-12-2022, nos termos do qual o distinto Tribunal “a quo” julgou improcedente a apelação interposta da sentença proferida em 1.a instância que declarou encerrada a liquidação e ordenou a remessa dos autos à conta, o qual é admissível, porquanto, para além do disposto no n.o 1 do artigo 14.o do C.I.R.E., ele vem fundamentado na ofensa do caso julgado como previsto na alínea a) do n.o 2 do artigo 629.o do C.P.C.

  1. a- É questão a conhecer a ofensa do caso julgado constituído na sentença transitada em julgado e proferida no apenso A) onde se mostra decidido o seguinte: “No que se reporta aos créditos dos credores garantidos pelo direito de retenção, julgados reconhecidos e verificados, CC, no montante de 270 000,00 euros, AA, no montante de360 000,00 euros, BB, no montante de 360 000,00 euros, EE (ou DD, se existir lapso na indicação do nome), no montante de 390 000,00 euros, não pode fazer-se a respetiva graduação, enquanto créditos garantidos já que as frações que os garantem não se mostram apreendidas para a massa, assim, serão pagos apenas enquanto créditos comuns, no lugar que lhes competir, pelo produto da venda de todos os bens apreendidos para a massa.

    Sem prejuízo de as frações que os garantem virem ainda a ser objeto de apreensão para a massa, caso em terá de ser feita a sua graduação.”.

  2. a- Em sede de matéria de facto para a decisão da questão, relevam os apontados factos da sentença a douta sentença de 29-09-2017 proferida no apenso A), com nota de trânsito em julgado, os documentos nos 2 a 8 do requerimento de 19-08-2017 (ref.a citius 5702042) do Apenso A), os documentos nos 1 e 2 do requerimento de 02-10-2019 (ref.a citius 5796473) do Apenso A) e o auto de apreensão datado de 28-07-2014 que consta do apenso G).

  3. a- Por decisão transitada em julgado, a M.a Julgadora decidiu graduar os créditos reconhecidos e garantidos dos recorrentes sobre os imóveis que os garantem, ao dizer “Sem prejuízo de as frações que os garantem virem ainda a ser objeto de apreensão para a massa, caso em terá de ser feita a sua graduação.”.

  4. a- Porém, de forma surpreendente, o distinto tribunal recorrido interpretou o segmento da sentença transitada acabada de mencionar nos termos que constam dos três últimos parágrafos da 19.a folha do douto aresto, que se transcreve: “Assim, não está verificado o pressuposto de que dependia, na óptica da sentença de verificação e graduação de créditos, a graduação dos seus créditos como garantidos, como pretendem os apelantes, e que seria a apreensão das fracções descritas na matriz sob o artigo 1567.

    Por força do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos, só uma apreensão superveniente justificaria que se procedesse à graduação pretendida pelos apelantes.

    O caso julgado material formado pela sentença de verificação e graduação de créditos impede nova graduação relativamente às fracções que já se encontravam apreendidas, ainda que não houvesse essa percepção devida à deficiente identificação das fracções.”.

    Interpretação esta que ofende o caso julgado formado por essa mesma decisão transitada.

  5. a- É sabido e pacífico que, em face e no respeito pela autoridade do caso julgado, os seus limites e a sua eficácia referem-se obrigatoriamente à interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado, sendo igualmente pacífico que, atendendo a que o caso julgado se refere e restringe à parte dispositiva do julgado, deve ampliar-se a sua força obrigatória à solução dada a todas as questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão obtida, aceitando-se hoje sem dúvidas que o dispositivo mais não é do que a conclusão de todos os fundamentos que a ele conduzem, e que ele incorpora.

  6. a- Resulta evidente da leitura da sentença de...

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