Acórdão nº 20752/19.3T8SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo no 20752/19.3T8SNT.L1.S1 ACORDAM, NA 6a SECÇÃO, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA AA e BB, na qualidade de herdeiras da herança indivisa aberta por óbito de CC, ambas com os sinais dos autos, propuseram contra Ageas Portugal - Companhia de Seguros, SA e contra o Condomínio do Prédio sito na Rua ...

, ..., ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que os RR. sejam condenados a pagar-lhes a quantia de € 47.500,00, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

Alegaram, muito em síntese, que, no dia 01/05/2019, ocorreram infiltrações de águas de esgotos no teto e paredes de uma fração pertencente a CC, pelas quais são responsáveis os RR, sendo a primeira responsável em virtude de um contrato de seguro celebrado com o dono da fração e o segundo responsável por não ter cuidado das canalizações do prédio.

Os RR. contestaram separadamente.

O R Condomínio alegando que reparou a coluna de esgotos no próprio dia em que a mesma entupiu, necessitando a fração das AA. de limpeza e reparações da responsabilidade das mesmas.

A R Seguradora alegando, inter alia, que o contrato de seguro não cobria danos por água.

Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo as RR. do pedido e condenando as AA. como litigantes de má-fé em vinte e cinco UCs de multa.

Inconformadas com tal decisão, interpuseram as RR. recurso de apelação, o qual, por Acórdão da Relação de Lisboa de 12/05/2022, foi julgado parcialmente procedente, “(...) condenando a apelada seguradora a entregar às AA a quantia a liquidar em execução, nos termos do disposto nos n.°s 1 e 2, do art.° 609.°, do C P. Civil, relativamente ao pedido de indemnização no valor de € 41 100,00, referente aos danos sofridos na fração, tendo como limite o valor contratado à data do sinistro, em 1/5/2019, absolvendo as apelantes da condenação como litigantes de má-fé e no mais confirmando a sentença.” Inconformada agora a R. seguradora, interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine o sentenciado na 1.a Instância.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1a - As autoras não indicaram nenhum facto que pretendessem provar com os documentos que requereram.

2a - No pontual cumprimento deste douto despacho em 07 de setembro de 2020, a ré juntou aos autos 6 documentos, logo afirmando que “Não existem Condições Especiais aplicáveis ao contrato de seguro em causa” e juntou “as Condições Particulares dos últimos 5 anos, através dos documentos nos 2 a 6.” 3a - As AA., mormente na sua resposta de 17 de setembro de 2020, não alegam a sua impossibilidade de prova.

4a - As AA. juntaram 3 documentos e nenhum mais requereram da ré.

5a - As AA. não identificaram nem requereram a junção de mais nenhum documento além dos que a recorrente apresentou.

6a - A ora recorrente apresentou as Condições Gerais e Particulares vigentes à data do sinistro e declarou que “Não existem Condições Especiais aplicáveis ao contrato de seguro em causa”. 7a - Tudo a recorrente juntou quanto aos últimos 5 anos.

8a - As AA. satisfizeram-se com os documentos já apresentados no processo pelas partes e assim seguindo a ação para audiência final e sentença.

9a - Sem indicar nenhum facto concreto – o juiz pode ordenar diligências quanto a factos (art. 411o) – este douto despacho de 9-3-2022 na Relação notifica as partes para se pronunciarem, querendo, sobre a aplicação “ao contrato dos autos” do no 2 do art. 344o do Código Civil, sem que antes, quando das notificações, facto algum tinha sido indicado e cominação alguma tenha sido advertida.

10a - Apenas com a notificação do acórdão a recorrente teve conhecimento de que o documento que foi convidada a apresentar se destinava à prova do facto específico da cobertura de danos por água. Nada antes nesse sentido lhe tendo sido antes comunicado. A inversão refere-se a facto ou factos e não ao “contrato dos autos” globalmente.3 11a - Notificada agora do douto acórdão, foi a ora recorrente surpreendida – decisão-surpresa porque não indicada, revelada, nem mencionada antes – com a fixação do facto de que o contrato do seguro em causa nestes autos tem cobertura dos danos causados por água. 3 Rita Lynce de Faria, A Inversão do Ónus da Prova no Direito Civil Português, Lex, Lisboa 2001, páginas 50- 53, passim; e Pedro Ferreira Múrias, Por Uma Distribuição Fundamentada do Ónus da Prova, Lex, Lisboa 2000 12a - Em nenhum momento até à notificação do douto acórdão ora recorrido a ré teve conhecimento do que é que se indagava. Nunca foi informada de que era este facto – cobertura no contrato de danos por água – que estava na origem da sua notificação inicial e do posterior convite para juntar documentos aos autos.

13a - A recorrente apenas pelo douto acórdão soube que o facto que se indagava era a cobertura de danos por água.

14a - Se isso lhe tivesse sido dito quando das notificações, tinha logo reiterado que nenhum documento do contrato de seguro alguma vez contemplou e dele constou a cobertura de danos causados por água.

15a - Foi com surpresa – decisão-surpresa – que a recorrente soube apenas pelo douto acórdão, que se indagava por documento do contrato que contivesse a cobertura de danos por água, documento que jamais foi por si produzido, nem nunca existiu neste contrato.

16a - Na notificação determinada à recorrente bem como no convite que lhe foi endereçado jamais foi indicado facto ou factos a cuja prova os documentos se destinassem, bem como jamais nessas comunicações lhe foi feita qualquer advertência da cominação de inversão do ónus da prova para prova de facto ou factos que não lhe foram indicados, cujos efeitos ou consequências jurídicas pudesse prever ou avaliar.

17a - Apenas há inversão quanto a factos determinados; se os factos não estão determinados, se não foram indicados, não pode operar a inversão do ónus.

18a - A ora recorrente desde o início do processo afirma e reitera que no âmbito deste contrato jamais foi produzido ou existiu ou existe documento de onde conste a cobertura de danos por água, que o contrato jamais contemplou.

19a - Tal documento contratual nunca foi produzido e por isso não foi arquivado, guardado, nem conservado, e não pode ser apresentado o que não existe nem nunca existiu.

20a - Na determinação à recorrente na 1a instância para juntar documentos não lhe foi feita nenhuma advertência de cominação de inversão do ónus nem quanto a que facto ou factos. 21a - Na notificação do convite dirigido à recorrente na Relação para juntar documentos igualmente não lhe foi feita nenhuma advertência de cominação de inversão do ónus da prova nem quanto a que facto ou factos.

22a - A decisão no douto acórdão de inversão do ónus da prova e quanto a um facto não anteriormente indicado, sem advertência de tal cominação quer quando da notificação em primeira instância quer quando da notificação do convite na Relação, viola o disposto nos arts. 7o, 411o, 429o, 430o, 431o, 436o e 437o do CPC, e 344o, no 2 do Cód. Civil.

23a - Nem da não correspondência a um mero convite, sem identificação dos factos – que não ordem nem determinação acompanhada da advertência de cominação – pode, pela gravidade das suas consequências, resultar inversão de ónus da prova.

24a - Não há nem houve nunca, por nunca ter sido produzido nem ter tido existência, esse documento em poder da parte contrária – a recorrente – que possa ser apresentado e servir de prova do facto constitutivo do direito das AA. Não existe recusa nem negligência da ora recorrente por não apresentar o que nunca foi produzido nem nunca existiu.

25a - A cobertura de danos por água importa um custo cujo pagamento a recorrente tinha de pedir ao segurado, justificando-o, com o envio do respetivo documento que o segurado tinha o ónus de guardar e exibir.

26a - Contrariamente ao sistema estabelecido nos arts. 429o, 430o e 431o, o sistema de oficiosidade estabelecido nos arts. 7o, 411o, 436o e 437o não conduz nunca à aplicação do art. 344o, no 2 do Cód. Civil, como com toda a clareza estabelece o art. 437o do CPC.

27a - Os arts. 13o, 18o e 20o da Constituição consagram os direitos constitucionais de igualdade das partes no processo, o direito a uma tutela jurisdicional efectiva e o direito a um processo equitativo que, no presente caso, na aplicação adoptada pelo douto acórdão dos arts. 7o, 411o, 429o, 430 , 431o, 436o e 437o do CPC, e 344o, no 2 do Cód. Civil não foram respeitados. 28a - A tutela do direito a um processo equitativo impede a introdução de discriminações em função da natureza subjectiva da parte em causa, não se podendo aceitar num Estado de direito a alteração do ónus da prova em função do sujeito, com efeitos substantivos.

29a - As recorridas podiam na apelação requerer a produção de novas provas, porém, tal como na 1a instância, deram-se por satisfeitas com os documentos já constantes nos autos até à sentença fundando neles a sua afirmação de que provam a cobertura de danos por água. Não pediram, inversão do ónus da prova.

30a - Sem a prova de que o documento de cobertura de danos por água foi produzido e existiu, não pode o facto resultar provado através de inversão do ónus porque se trata de facto que apenas pode ser provado por documento.

31a - A Carta-Circular da ASF referida no douto acórdão não se aplica a documentos que não tiveram nunca existência e que a recorrente por isso nenhuma culpa teve em não o ter em seu poder, não arquivar e conservar. Cabia às AA. provar que o documento teve existência: 1 - Se o notificado declarar que não possui o documento, o requerente é admitido a provar, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verdade (art. 431o).

32a - Deve ser anulada a decisão da Relação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT