Acórdão nº 175/23 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 175/2023

Processo n.º 1195/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. Herança Jacente de A. instaurou ação administrativa de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado Português, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto. Para contestar a ação, o Estado foi citado através do Centro de Competências Jurídicas do Estado.

Inconformado por não ter sido citado em representação do Estado, o Ministério Público arguiu, incidentalmente, a nulidade por falta da sua citação, pedindo a anulação do processado subsequente à petição inicial, invocando a inconstitucionalidade material formada pelas normas constantes do artigo 11.º, n.º 1, parte final e do artigo 25.º, n.º 4 do CPTA, na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17/09. Paralelemente, requereu a prorrogação do prazo de 30 dias, contados desde o final do prazo de contestação inicialmente previsto, para contestar.

A prorrogação foi deferida por despacho judicial, e o Ministério Público apresentou contestação em representação do Estado Português.

O Tribunal Administrativo de Círculo do Porto pronunciou-se pela não inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 11.º, n.º 1, parte final e do artigo 25.º, n.º 4 do CPTA e, bem assim, pela inexistência de qualquer nulidade por omissão de citação.

Nessa sequência, o Ministério Público recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão de 05/03/2021, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Inconformado com o aresto, o Ministério Público interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 07/10/2021, decidiu não admitir a revista.

2. Notificado do teor do referido acórdão, veio o Ministério Público interpor o presente recurso de constitucionalidade do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante, Lei do Tribunal Constitucional ou LTC), nos seguintes termos:

«O Ministério Público, agindo em nome próprio, como defensor da legalidade democrática (artigo 219º, nº 1 da CRP e artigos 2º e 4º, nº 1, al. a) e j) do EMP) e como representante judiciário do Estado Português (artigo 219º, nº 1 da CRP e artigos 2º e 4º, nº 1, al. b) do EMP), não se conformando com o douto acórdão proferido nos autos supra identificados em 05/03/2021, pelo Tribunal Central Administrativo Norte, do qual não foi admitida revista excepcional nos termos do artº 150º do CPTA, por acórdão proferido pelo STA em 07/10/2021, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional do referido acórdão do TCA Norte, com os seguintes fundamentos:

- I - Por requerimento apresentado nos autos em 18/03/2020, o Ministério Público, agindo em nome próprio no âmbito da defesa da legalidade democrática e como representante judiciário do Estado, requereu ao Mmo. Juiz do TAF Porto que:

"1 - Declare a recusa de aplicação, na ação à margem identificada, das normas constantes do segmento final do n.º 1 do artigo 11.º e do n.º 4 do artigo 25.º do CPTA, com a redação da Lei n.º 118/2019 de 17 de setembro, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante do n.º 1, primeira proposição, e 2 do artigo 219.º da CRP conjugados com os artigos 3º, nº 3 e 204º da CRP e artigo 1º, nº 2 do ETAF; e, concomitantemente,

2 - Proceda à declaração de nulidade por falta de citação do Réu - Estado Português (por força do disposto nos artigos 188.º, nº 1, al. a), e 187.º, al. a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA) e, assim, anular-se o processado posterior à petição e decretar-se a citação do Réu - Estado Português no Ministério Público para os subsequentes termos da ação, concretamente para, desde já - querendo - apresentar a sua contestação."

- 2 -Tal requerimento foi apreciado pelo TAF do Porto por despacho proferido em 12/11/2020, o qual decidiu nos seguintes termos:

"Pelo que, nem a nova redação do n.º 1, do artigo 11.º, nem tão pouco o novo n.º 4, do artigo 25.º, do CPTA, padecem da alegada inconstitucionalidade material, pois que tanto o n.º 1, do artigo 11.º, continua a possibilitar a representação do Estado pelo Ministério, tal como o n.º 4, do artigo 25.º, não a põe em causa, apenas prescreve que a citação deve ser feita por intermédio do Centro de Competências Jurídicas do Estado, e logo, tais normas devem ser aplicadas ao presente caso. Concluindo pela constitucionalidade de tais normas, veja-se, ainda, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, no Processo n.º 00902/19, de 3 de julho de 2020, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

Tendo a citação sido dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, não se verifica qualquer nulidade como alegado, sendo ainda certo que o Ministério Público, depois de ter suscitado tal nulidade, interveio já no processo, apresentando contestação, pelo que a defesa do Estado não resulta, sequer, prejudicada - n.º 4, do artigo 191.º, do CPC.

Mais se diga que as questões suscitadas quanto ao relacionamento do MP com a o Centro de Competências Jurídicas do Estado, não são de ser consideradas para efeitos de aplicação o n.º 4, do artigo 25.º, do CPTA ao presente caso, na medida em que tal não importa para efeitos da citação do Estado, por intermédio do referido Centro.

Conclui-se, assim, que o processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade.

Pelo que, indefiro o requerimento apresentado."

- 3 - De tal despacho foi interposto recurso de apelação pelo Ministério Público, em 17/11/2020, para o TCA Norte, com as seguintes conclusões finais:

"29 - Em face do exposto, é forçoso concluir que as normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09, são materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 219º da CRP, n- 1, primeira proposição (- Ao Ministério Público compete representar o Estado) e nº 2 (- O Ministério Público goza de (...) autonomia...), violando igualmente o conteúdo material dos princípios e normas constitucionais do artigo 165º, nº 1 da CRP, pelo que são materialmente inconstitucionais, nos termos do artigo 277º, nº 1, da CRP;

30 - E, em consequência, verifica-se a nulidade emergente da falta de citação do Estado, por omissão completa do ato (artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA), uma vez que o Ministério Público não foi citado.

31- No sentido pugnado foi decidido nos Tribunais Administrativos de Lisboa e de Sintra, respectivamente nas ações: 764/20.5BELSB, por despacho datado de 21-04- 2020, e 305/20.4BESNT, por despacho datado de 30-04-2020.

32- Quanto ao requerimento apresentado nos autos a fls. 40 (Doc. físico SITAF), o Ministério Público arguiu a nulidade por falta de citação do Réu - Estado Português (por força do disposto nos artigos 188º nº1 alínea a); 187º alínea a); 24º; 196º e 197º, todos do CPC, subsidiariamente aplicáveis ex vi do artigo 1º do CPTA) requerendo se anulasse o processado posterior à petição e se decretasse a citação do Réu - Estado Português no Ministério Público para os subsequentes termos da ação, concretamente para apresentar a sua contestação.

Todavia, apresentação posterior da contestação deve-se ao facto de se desconhecer na altura qual o teor da decisão judicial que iria recair sobre o requerido.

Dessa apresentação, não se pode extrair outra consequência que não uma atuação por cautela.

Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine:

a) A recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do nº 2 desta mesma disposição, bem como do conteúdo material dos princípios e normas constitucionais do artigo 165º, nº 1 da CRP;

b) E, em consequência, que:

Seja declarada a nulidade da falta de citação do réu Estado (artigos 188, n-1, ai. a) e 187, ai. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo l9 do CPTA), com a consequente anulação de todo o processado posterior à Petição Inicial, e

- Seja determinada a citação do Estado no Ministério Público."

- 4 - Em 05/03/2021, foi proferido pelo TCA Norte o douto acórdão ora recorrido, o qual manteve o despacho proferido pelo TAF do Porto, tendo na sua fundamentação citado anterior acórdão do TCAN - proferido no Proc. nº 1240/19.4 BEPNF - de que transcreveu o seguinte:

"3.23 Tudo isto já se entendeu no acórdão deste TCA Norte de 03/07/2020, Proc. nº 00902/19.2BEPNF-S1, por nós relatado, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn, em que se sumariou o seguinte: «I - Na atual versão dos dispositivos dos artigos 11º nº 1 e 25º nº 4 do CPTA, dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, resulta que a representação do ESTADO nas ações em que este seja parte demandada (por a ele lhe pertencer a legitimidade passiva nos termos do artigo 105 do CPTA) fica agora apenas garantida a possibilidade da sua representação em juízo ser assegurada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, e não já, como acontecia anteriormente, que essa representação a si lhe pertença. II - Simultaneamente, a citação do ESTADO deixou de se operar «na pessoa do magistrado do Ministério Público» na usual fórmula utilizada, e passou a ser dirigida ao CENTRO DE COMPETÊNCIAS JURÍDICAS DO ESTADO, serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa, que se integra na Presidência do Conselho de Ministros e está...

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