Acórdão nº 01576/21.4BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. “AGERE – Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, E.M.”, Entidade Demandada (Adjudicante) nos presentes autos, veio interpor recurso de revista do Acórdão proferido, em 7/12/2022, pelo Tribunal Central Administrativo Norte (cfr. fls. 1517 e segs. SITAF), que confirmou a sentença proferida, em 26/8/2022, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Juízo de Contratos Públicos (cfr. fls. 1208 e segs. SITAF), a qual, reconhecendo o bem fundado do pedido principal deduzido na presente ação administrativa de contencioso pré-contratual pela Autora “A..., Lda.”, mas julgando que a satisfação de tal pedido se tornara impossível pela celebração e execução do contrato - pela Contrainteressada (Adjudicatária) “B..., Lda.” - , convidou as partes a acordarem no montante de indemnização devida pelo facto da inexecução, nos termos previstos nos arts. 45º e 45º-A do CPTA.

  1. A Autora “A...” havia peticionado, na sua p.i.

    (cfr. fls. 7 e segs. SITAF): «

    1. Serem declarados ilegais e, por consequência, desaplicados os pontos 6.1., alínea d) e 10. do Programa do Procedimento por violação do disposto no artigo 132º, n° 4 do CCP; Por consequência, b) Ser anulado o ato de adjudicação, por padecer dos vícios de violação de lei e o contrato, caso o mesmo, porventura, já tenha sido celebrado ou venha, entretanto, a ser celebrado; Por consequência, c) Ser a ré condenada a readmitir a proposta apresentada pela autora, avaliando-a e graduando-a, por aplicação do critério de adjudicação, em 1° lugar; Por consequência, d) Ser a ré condenada à prática do ato de adjudicação a favor da proposta da autora, por ser o legalmente devido e, em consequência, a celebrar com esta o contrato.

      Subsidiariamente.

    2. Ser anulado o procedimento por as peças do mesmo (PP e CE) padecerem de vícios de violação de lei (artigo 1°-A, n° 1, artigo 49°, n° 4 e artigo 132º, n° 4 do CCP)».

  2. Na sentença de 1ª instância, do TAF/Porto (JCP), decidiu-se: «a. Reconhece-se o bem fundado da pretensão principal deduzida pela A., no que respeita ao pedido de anulação da deliberação do Conselho de Administração da Agere de concurso público para “Aquisição de Varredora Compacta classe 4mc descarga elevada e Serviços de Manutenção”, à anulação do contrato celebrado entre a Entidade Demandada e a Contrainteressada em 25.6.2021 tendo por objeto a aquisição da varredora urbana compacta classe 4 mc descarga elevada e serviços de manutenção e à condenação da ED a reiniciar o procedimento pré-contratual, eliminando do Programa do Procedimento as disposições contidas nas cláusulas 6.1. al. d) e 10, e a proceder à reabertura do procedimento concursal, prosseguindo com a sua normal tramitação; b. Reconhece-se que à anulação da deliberação do Conselho de Administração da Agere de 20.5.2021 de exclusão da proposta da A. e adjudicação à proposta da B... do concurso público para “Aquisição de Varredora Compacta classe 4mc descarga elevada e Serviços de Manutenção”, à anulação do contrato celebrado entre a Entidade Demandada e a Contrainteressada em 25.6.2021 tendo por objeto a aquisição da varredora urbana compacta classe 4 mc descarga elevada e serviços de manutenção e à condenação da ED a reiniciar o procedimento pré-contratual, eliminando do Programa do Procedimento as disposições contidas nas cláusulas 6.1. al. d) e 10, e a proceder à reabertura do procedimento concursal, prosseguindo com a sua normal tramitação, obsta, em todo, a impossibilidade de reinstruir o procedimento pré-contratual, por entretanto ter sido celebrado e executado o contrato no que se reporta à componente A, parcialmente na componente B mas mostrando-se esta indissociável da primeira; c. Reconhece-se que pelo facto referido em b., a A. tem direito a ser indemnizada; E, em consequência, d. Convida-se as partes a acordarem no montante da indemnização devida no prazo de 30 dias».

  3. O TCAN, através do seu Acórdão, ora impugnado, confirmou este julgamento da sentença de 1ª instância, negando provimento ao recurso de apelação daquela sentença interposto pela Entidade Demandada.

  4. A Entidade Demanda (Adjudicante) “AGERE”, insatisfeita com este julgamento coincidente das instâncias, interpôs o presente recurso de revista do Acórdão proferido pelo TCAN, concluindo as suas alegações pela seguinte forma (cfr. fls. 1460 e segs. SITAF): «1ª Com o presente recurso de revista pretende a Recorrente obter uma melhor aplicação do direito, bem como obter pronúncia sobre uma questão de elevada relevância jurídica e social (o princípio da concorrência e a discricionariedade técnica da Administração).

    1. A matéria em discussão é pouco tratada pela doutrina e pela jurisprudência, mas é de inquestionável relevância jurídica e social na medida em que o princípio da concorrência, por ser basilar da contratação pública, está presente em todos os procedimentos pré-contratuais e sendo a contratação pública transversal a toda a Administração Pública é real e altamente provável a possibilidade de ser replicado noutros processos o que se discute nestes autos, razão pela qual é do interesse da comunidade em geral (em particular das entidades adjudicantes) conhecer o posicionamento do STA (pois o princípio da concorrência, no que concerne às especificações técnicas dos cadernos de encargos, contende com a discricionariedade técnica da Administração).

    2. Toda a argumentação invocada a propósito da relevância jurídica constitui fundamento para uma melhor aplicação do Direito, mas também considera a Recorrente que é necessária uma melhor aplicação do Direito porque o acórdão recorrido não ponderou diversos aspetos da alegação do recurso (a necessidade da Recorrente em adquirir um determinado equipamento com dadas características e a circunstância da Recorrida não ter apresentado qualquer equipamento ao concurso, colocando-se voluntariamente de fora do procedimento) e não analisou com a profundidade merecida e devida a questão subjudice.

    3. O presente recurso preenche os requisitos previstos no nº 1 do artigo 150º do CPTA, pelo que se encontra em condições de ser recebido na apreciação liminar sumária prevista no nº 6 do mesmo normativo.

    4. O acórdão recorrido confirmou integralmente a sentença de 1ª instância, considerando que as cláusulas 6.1 d) e 10 do programa de concurso são ilegais na medida em que obrigam aos concorrentes, em fase concursal, a apresentar um exemplar do equipamento a adquirir pela entidade adjudicante e que teria de cumprir as especificações da cláusula 18ª do caderno de encargos, cláusula esta que se considerou demasiado fechada/restritiva, ou seja, o que levou ao juízo de ilegalidade foi a amostra a apresentar ser tão específica – para cumprir coma a cláusula 18ª do caderno de encargos – que violava o princípio da concorrência.

    5. A possibilidade das entidades adjudicantes imporem aos concorrentes a apresentação de amostras está legalmente prevista, bem como as especificações técnicas estão igualmente previstas na lei, concretamente no artigo 49º do CCP.

    6. O motivo pelo qual a Recorrente escolheu um equipamento com as características enunciadas prende-se com a otimização da sua atividade (só ela é que sabe o que necessita para melhor desempenho das suas atribuições) e, tal como resulta dos factos provados 6 e 6-A, através da amostra a Recorrente consegue perceber exatamente como funciona o equipamento que pretende adquirir; no entanto, o acórdão recorrido não se deteve sobre esta questão e não valorizou a necessidade do interesse público na obtenção de um equipamento mais específico.

    7. A exigência de apresentação de amostra em fase concursal visa evitar que o funcionamento do equipamento só seja conhecido em sede de execução do contrato e deste modo defender o interesse público, mas o acórdão recorrido não se pronunciou sobre este argumento.

    8. A concorrência não pode implicar uma menor defesa do interesse público, nem uma menor exigência na gestão de dinheiros públicos e tendo a amostra servido para experimentação do equipamento (tal como decorre da factualidade provada) o seu propósito é razoável e ajustado aos objetivos da Recorrente.

    9. Entende a Recorrente que não violou o artigo 49º do CCP porque as especificações técnicas constantes do caderno de encargos são um exercício legítimo de discricionariedade administrativa no contexto da prossecução do interesse público na procura da melhor solução para a necessidade que a levou a ir ao mercado.

    10. A (i)legalidade das especificações técnicas é aferida em abstrato e não em concreto, motivo pelo qual o facto da Recorrida alegar que não conseguiu apresentar a amostra não significa que a exigência da Recorrente seja ilegal (neste sentido refere-se o acórdão do TCAN de 09.09.2016, proc. nº 00034/15.0BEAVR).

    11. Não é possível considerar a cláusula 18ª do caderno de encargos restritiva, pois todos os aspetos do equipamento foram exigidos de forma aberta e não fechada, a saber: as dimensões têm parâmetros máximos e nenhuns mínimos; a potência, a cilindrada e binário do motor têm limites mínimos e nenhuns máximos; o contentor tem medida aproximada e não fixa; o sistema de aspiração tem capacidade mínima e nenhuma máxima; o depósito de água tem capacidade aproximada e não fixa; o depósito de combustível tem dimensão mínima e nenhuma máxima e autonomia mínima e nenhuma máxima.

    12. O acórdão recorrido, reproduzindo a sentença da 1ª instância (pág. 59), acaba por se apoiar em argumentos não provados ou então que não respeitam à atividade da Recorrente para sustentar a ilegalidade das cláusulas 6.1 d) e 10 do programa de concurso, tendo-se fundamentado em razões de natureza comercial e de mercado que apenas respeitam às empresas.

    13. A Recorrente não se pode ver coartada na sua discricionariedade só porque a Recorrida não tem em stock o equipamento pretendido, que é o que resulta do facto provado 48, isto é, como a Recorrida não tinha um equipamento e teria de o...

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