Acórdão nº 01913/15.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A...

, S.A, melhor identificada nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente acção administrativa comum, contra o Estado Português, a Administração Tributária e o Ministério das Finanças, peticionando: “a condenação dos Réus a pagar a quantia de €1.839.545,28, a título de danos patrimoniais e de €50.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido dos respectivos juros moratórios vencidos e vincendos a contar da citação e até efectivo e integral pagamento”.

*Por decisão de 29 de Junho de 2021, pelo TAC de Lisboa, foi julgada procedente a excepção peremptória de prescrição do direito da Autora tão-só quanto ao acto de liquidação de IVA e juros compensatórios, impugnado no processo nº 565/04.172/02.3.2, improcedendo a excepção quanto aos demais actos de liquidação, e, consequentemente, parcialmente procedente a acção, condenando-se o Réu no pagamento do somatório de €99.558,21 e de €29.964,00 a título de danos patrimoniais e de €15.000,00 por danos morais, absolvendo-se o Réu do demais peticionado.

*O Ministério Público, em representação do Estado Português apelou para o TCA Sul, e este, por acórdão proferido a 05 de Maio de 2022, concedeu provimento ao recurso interposto, revogou a decisão proferida e julgou a acção totalmente improcedente.

*A recorrente, A...

, inconformada, veio interpor recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «I.

Do teor do douto Acórdão recorrido resulta que este baseou a sua decisão de improcedência na resposta que deu a uma questão jurídica complexa e jurisprudencial e doutrinalmente controvertida – a da ilicitude dos actos da administração que sejam anulados ou julgados ineficazes por questões consideradas formais, designadamente por violação do direito de audiência prévia e por caducidade do direito à liquidação, enquanto pressuposto básico da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito – que pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental.

II.

A resposta dada a essa questão pelo douto Acórdão recorrido (no sentido de que a prática de actos sem a audiência prévia dos interessados e anulados com esse fundamento não implica a ilicitude dos mesmos para efeitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado) é diametralmente oposta à que foi dada pela douta sentença proferida em primeira instância, o que significa que a controvérsia jurisprudencial se materializou nos próprios autos, e é também contrária à jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão.

III.

O douto Acórdão recorrido aflora ainda, mas de modo inominado e conclusivo, a questão da relevância do comportamento lícito alternativo hipotético, que carece manifestamente de ser aprofundada e elucidada.

IV.

Justifica-se, assim, desde logo, pela relevância jurídica das referidas questões, a admissão do presente recurso de revista extraordinária, ao abrigo do disposto no artº 150º, nº 1, do CPTA.

V.

A admissão do recurso de revista é também manifestamente necessária para uma melhor aplicação do direito, ao abrigo do disposto no mesmo artigo.

VI.

Com efeito, o douto Acórdão recorrido é nulo (arts. 1º do CPTA e 195º, nº 1, do CPC) por ter violado disposições processuais imperativas (art. 146º, nº 5, do CPTA), o direito ao contraditório da ora Recorrente e o princípio da igualdade das partes (arts. 3º do CPC e 6º do CPTA), ao assentar a sua apreciação jurídica do mérito do recurso de apelação interposto pelo Réu Estado Português em conclusões que nunca foram notificadas à ora Recorrente e sobre as quais esta não teve a oportunidade de se pronunciar.

VII.

Por outro lado, o entendimento do douto Acórdão recorrido relativo à questão da ilicitude dos actos ilegais invocados pela ora Recorrente como geradores de responsabilidade civil do Estado por factos ilícitos é contrário à mais recente jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal Administrativo e ao entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina.

VIII.

Por último, o douto Acórdão recorrido não apreciou os outros pressupostos da responsabilidade civil do Estado, salvo no que diz respeito ao nexo causal relativamente valor de € 29.964,07 custeado com a manutenção das garantias referidas, designadamente, em R) a U) e OOO ) dos factos provados.

IX.

Estas deficiências e insuficiências do douto Acórdão recorrido são extremamente relevantes e carecem claramente de ser supridas em sede de recurso de revista através de uma melhor aplicação do direito.

X.

O douto Acórdão é nulo pelas razões indicadas em VI.

XI.

Sem conceder, o douto Acórdão enferma de erro de julgamento de direito por ter feito uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 22º da CRP, 2º, nº 1, e 6º do Decreto-lei nº 48051, de 21.11, e 9º, nºs 1 e 2, do RRCEE, à factualidade dada por provada na douta sentença proferida em primeira instância e no douto Acórdão recorrido.

XII.

Com efeito, ao contrário do sustentado pelo douto Acórdão recorrido, de uma interpretação sistemática e teleológica daquelas normas resulta que os actos administrativos e tributários praticados com preterição do direito de audiência prévia e das regras da caducidade do direito de liquidação não podem deixar de constituir actos ilícitos, na medida em que violam preceitos legais que consagram direitos e visam proteger interesses legítimos.

XIII.

A faculdade de participar nos procedimentos tributários através da audiência prévia encontra-se consagrada na lei (art. 60º, nº 1, al. a), da LGT) como “Direito de audição antes da liquidação.” XIV.

No caso dos autos, é manifesto que foi violado o direito de audiência prévia relativamente ao acto de liquidação de Imposto sobre as Bebidas Alcoólicas no valor de Esc. 90.405.785$00 referida, designadamente, nos Pontos W e HHH dos factos provados.

XV.

E que os custos, no montante global de € 99.558,21, suportados pela ora Recorrente com a garantia bancária nº ..., prestada em virtude daquela liquidação, constituem uma lesão e limitação do seu património e da sua capacidade de iniciativa comercial inteiramente imputável àquele acto de liquidação ilícito (cfr., designadamente, Pontos V, W, Z e NNN dos factos provados).

XVI.

É também manifesto que a Administração Tributária instaurou e prosseguiu com uma execução fiscal para cobrança de Imposto sobre Bebidas Alcoólicas no montante global de € 163.937,70 já depois do direito à liquidação ter caducado, mantendo activas as garantias bancárias, com custos para a ora Recorrente, conforme resulta, designadamente, dos pontos CC, II, KK, TT, DDD, EEE, FFF e GGG dos factos dados por provados.

XVII.

A ilicitude imputada à conduta da Administração Tributária não foi, nesta situação, só a de ter violado o direito de audição prévia quanto à liquidação em causa, foi também, e sobretudo pela sua relevância material, a de ter iniciado e prosseguido com uma execução fiscal quando, nos termos da lei, se deveria ter abstido de o fazer por já ter caducado o direito à liquidação (art. 45.º da LGT).

XVIII.

Com efeito, a Administração Tributária prosseguiu durante mais de dez anos com uma execução destinada a cobrar um imposto já caducado, como não podia, sem culpa sua, ignorar.

XIX.

Citando, com o devido respeito, Débora Melo Fernandes, op. cit., “Nestes casos existe portanto não só uma ilicitude instrumental, mas também uma verdadeira ilicitude material, porquanto a posição jurídica material do particular está a ser directamente lesada pela execução de um acto administrativo inválido, e, porque inválido, incapaz de conferir suporte jurídico a essa ingerência.” XX.

Em consequência directa dos actos ilícitos em causa nos autos, foram violados outros direitos da ora Recorrente de natureza patrimonial e não patrimonial, designadamente os de propriedade, iniciativa privada e bom nome e reputação, aliás expressamente invocados na petição inicial.

XXI.

Para além da ilicitude e da violação de direitos e interesses legítimos da ora Recorrente, verificam-se os demais pressupostos da responsabilidade civil do Estado.

XXII.

Com efeito, quer à luz da teoria da causalidade adequada, quer à luz do critério do âmbito de proteção da norma, os danos dados por provados são inequivocamente imputáveis à conduta ilícita e culposa das autoridades aduaneiras.

XXIII.

No caso dos presentes autos, não pode ser invocada uma suposta causa virtual ou um comportamento lícito alternativo hipotético excludente do nexo causal ou do dano indemnizável.

XXIV.

Com efeito, para além de o Réu, ora Recorrido, não ter feito prova da (pretensa) possibilidade da prática de qualquer ato lícito alternativo hipotético, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem considerado necessária, para valer como causa excludente da ilicitude, a efetiva renovação do ato ilegal, recusando, quando a mesma não sucede, a atribuição de qualquer relevância negativa a um comportamento alternativo hipotético.

XXV.

Renovação que manifestamente não aconteceu no caso dos autos, uma vez que as autoridades aduaneiras autorizaram o cancelamento das garantias bancárias na sequência das impugnações judiciais e oposição fiscal apresentadas pela ora Recorrente.

XXVI.

Não cabia à ora Recorrente fazer prova da impossibilidade de existência de um comportamento lícito alternativo hipotético igualmente lesivo.

XXVII.

Aliás, resulta da factualidade dada por provada (Cfr. Pontos W (com doc. 13 junto à p.i.), II (com doc. 26 junto à p.i.), TT (com fls. 166 do proc. nº 1108/04 junto aos autos) e HHH (com doc. 9 junto à p.i.) dos factos provados), que a ora Recorrente arguiu vícios materiais (v.g.

, violação de normas de incidência) dos actos de liquidação impugnados perante os Tribunais Administrativos e Fiscais e estes entenderam não ser necessária a apreciação desses vícios para anular ou julgar ineficazes os actos impugnados, pelo que exigir, nesta sede, que a ora Recorrente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT