Acórdão nº 95/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 95/2023

Processo n.º 1162/2021

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, foi interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), por A. e B., do acórdão daquele Tribunal, de 6 de outubro de 2021, que julgou improcedente a impugnação judicial do ato de indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre os atos de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis, relativos aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011.

1.1. Os ora recorrentes beneficiaram de isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (adiante designado «IMI») por força do disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/1989, de 1 de julho, na redação da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro), em virtude de serem comproprietários de uma fração autónoma de um prédio integrado num conjunto classificado como de interesse público (cf. o Anexo II do Decreto n.º 2/1996, de 6 de março).

Em outubro de 2012, foram notificados de que, por força das alterações introduzidas na alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (adiante designado «EBF») pelo artigo 82.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, deixaram de estar reunidas as condições para beneficiarem da referida isenção, razão pela qual seria «revogado» o despacho que a reconhecera e determinada a liquidação do IMI sobre o imóvel a partir do ano de 2008. Nos termos da alínea d) do artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, foram igualmente notificados da possibilidade de requerer a isenção a que se referia o artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (correspondente ao artigo 42.º, na redação vigente em 2007).

Nada tendo sido requerido pelos ora recorrentes, foram proferidos os atos de liquidação do IMI relativos aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, impugnados nos autos.

1.2. O ato que determinou a «revogação» do despacho que reconhecera a isenção ao abrigo da alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto, na redação vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, foi objeto de impugnação autónoma, julgada improcedente por sentença de que foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual foi negado provimento por acórdão de 6 de outubro de 2021 (Processo n.º 1023/13.5BELRS).

Já os atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 – impugnados nos presentes autos (Processo n.º 2201/13.2BELRS) – foram objeto de procedimento administrativo autónomo, que findou com o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelos ora recorrentes.

Esta decisão foi objeto de impugnação contenciosa, julgada improcedente em primeira instância. Da sentença foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, ante o qual os recorrentes arguiram a inconstitucionalidade da alínea c) do artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, na interpretação segundo a qual «a notificação a que a Administração Fiscal ficou vinculada […] não funciona como condição de eficácia da cessação do benefício, impedindo a sua aplicação aos anos pretéritos», por violação do princípio da proteção da confiança, ínsito ao artigo 2.º da Constituição.

O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer o recurso e remeteu os autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.3. Apreciando a questão, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu, no acórdão ora recorrido, o seguinte:

«Na verdade, no caso dos autos, o imóvel dos Recorrentes, gozando de isenção de IMI até 31-12-2006 porque se encontrava “integrado num conjunto globalmente classificado de ‘interesse público’” depois de 01-01-2007, só podia beneficiar da mesma isenção se durante esse ano a entidade competente o tivesse classificado, na sua individualidade, singularidade, como de interesse público, sendo que, neste cenário e em função desta manifesta e relevante alteração de regime, com repercussões, potenciais, num grande número de situações, somente, identificáveis casuisticamente, o legislador, de forma complementar, lançou mão do expediente da consagração de normas integrantes do que intitulou “regime transitório”, entre as quais, a, supra realçada, da al. c) do art. 88.º da Lei n.º 53-A/2006 de 29-12.

[…]

Nesta sequência, tem de entender-se que da parte final da alínea c) do artigo 88º da Lei do Orçamento para 2007 resulta que o benefício em causa cessa por mero efeito da alteração dos seus pressupostos legais, constituindo o procedimento daquela alínea uma forma de “reconhecimento” de que o benefício se extinguiu.

Diga-se ainda que é, seguramente, a solução jurídica mais acertada (do ponto de vista do legislador), porque a solução inversa conduz ao tratamento diferenciados dos beneficiários, em função da maior ou menor diligência da AT.

Tal significa que, ao contrário do que pretendem os Recorrentes, da conjugação do disposto nos arts. 82º e 88º al. c) da Lei n.º 53-A/2006 de 29-12 não decorre que a alteração introduzida, pelo primeiro, no art. 40º nº 8 do EBF, determinando a cessação, dos benefícios inscritos no nº 1 al. n), no ano, inclusive, em que os prédios venham a ser desclassificados, ficou, para poder operar, dependente, no caso dos imóveis classificados, até 31-12-2006, globalmente, como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, da notificação, a efectivar, pela AT, nos 180 dias seguintes a 01-01-2007, indicando, a cada sujeito passivo (de IMI) visado, que a isenção até aí usufruída deixava de ser concedida, a partir desse ano de 2007, por alteração dos pressupostos legais exigidos para a respectiva concessão depois da data referenciada, na medida em que a extinção da isenção de IMI ocorre no exacto momento em que os prédios deixam de poder beneficiar da mesma por não cumprirem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, ou seja, à data da entrada em vigor do OE para 2007, situação que se reflecte sobre as liquidações de IMI relativas aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 descritas nos autos, as quais têm cobertura legal, o que significa a decisão recorrida tem de manter-se, com a natural improcedência do presente recurso.»

2. Deste acórdão veio interposto o presente de recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo os recorrentes requerido a este Tribunal que se pronunciasse sobre os artigos 82.º e 88.º, alínea c), da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, na interpretação segundo a qual «a notificação prevista na al. c) do referido art. 88.º constitui um procedimento que consubstancia uma forma de reconhecimento de que o benefício fiscal previsto no art. 40.°, n,° 1, al. n) do EBF (na redacção até então em vigor) se extinguiu por força da alteração introduzida pelo art. 82.° daquele diploma legal no art, 40.°, n.° 8 do EBF, não decorrendo da conjugação daqueles preceitos legais que a extinção do benefício tenha ficado dependente, no caso dos imóveis classificados, até 31-12-2006, globalmente, como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, da notificação, a efectivar, pela AT, nos 180 dias seguintes a 01-01-2007, indicando, a cada sujeito passivo (de IMI) visado, que a isenção até aí usufruída deixava de ser concedida, a partir desse ano de 2007, por alteração dos pressupostos legais exigidos para a respectiva concessão depois da data referenciada, na medida em que a extinção da isenção de IMI ocorre no exacto momento em que os prédios deixam de poder beneficiar da mesma por não cumprirem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, ou seja, à data da entrada em vigor do OE para 2007.»

3. Admitido o recurso, foram as partes notificadas para apresentar alegações nos termos previstos no artigo 79.º da LTC. Os recorrentes apresentaram alegações, formulando as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES

A. Em relação aos arts. 82.° e 88.° al. c), da Lei n.° 53-A/2006, de 29/12, conjugadamente interpretados, o STA adoptou o seguinte entendimento normativo: a notificação prevista na al. c) do referido art. 88.º constitui um procedimento que consubstancia uma forma de reconhecimento de que o benefício fiscal previsto no art. 40.°, n,° 1, al. n) do EBF (na redacção até então em vigor) se extinguiu por força da alteração introduzida pelo art. 82.° daquele diploma legal no art, 40.°, n.° 8 do EBF, não decorrendo da conjugação daqueles preceitos legais que a extinção do benefício tenha ficado dependente, no caso dos imóveis classificados, até 31-12-2006, globalmente, como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, da notificação, a efectivar, pela AT, nos 180 dias seguintes a 01-01-2007, indicando, a cada sujeito passivo (de IMI) visado, que a isenção até aí usufruída deixava de ser concedida, a partir desse ano de 2007, por alteração dos pressupostos legais exigidos para a respectiva concessão depois da data referenciada, na medida em que a extinção da isenção de IMI ocorre no exacto momento em que os prédios deixam de poder beneficiar da mesma por não cumprirem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, ou seja, à data da entrada em vigor do OE para 2007.

B. Tal entendimento normativo é inconstitucional, por violar o princípio da protecção da confiança, ínsito no art. 2.° da CRP, porque é incongruente com a protecção da confiança ínsita ao Estado de Direito que se determine um ónus para a Administração Fiscal – no sentido de lhe impor uma determinada notificação a favor dos contribuintes, notificando-os de um regime mais gravoso – e, simultaneamente, se admita a aplicação rectroactiva do regime a que se reporta tal notificação.

C. O entendimento normativo cuja...

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