Acórdão nº 0847/21.4BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução29 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A..., melhor sinalizada nos autos, visando a revogação da sentença de 29-12-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a impugnação que deduzira contra a Taxa Municipal de Ocupação de Subsolo (TOS) que lhe foi repercutida na fatura n.º ...97, emitida em 09/10/2017, pela B..., S.A., Sucursal em Portugal, com os sinais dos autos, respeitante ao mês de setembro de 2017, no valor de Eur 15.390,47.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente A...

, as seguintes conclusões: Perante o defendido nos articulados: A.

A partir de 1 de janeiro de 2017, a repercussão da TOS nos consumidores finais passou a ser expressamente proibida.

B.

Com efeito, decorre do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do OE para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.

C.

Ainda assim, a Recorrente foi notificada da fatura n.º ...97, emitida em 9 de outubro de 2017 pela B..., S.A. – Sucursal em Portugal, e na qual foi incluída a TOS no montante de €15.390,47.

D.

Neste contexto, a Recorrente procedeu, em 7 de novembro de 2017, ao pagamento da fatura e da TOS, tendo, no dia 9 de novembro de 2017, apresentado reclamação graciosa necessária junto do Município da Maia por forma a reagir contra a repercussão ilegal.

E.

Perante a formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa, a Recorrente deduziu impugnação judicial, cujo objeto era o ato de indeferimento tácito, a anulação da TOS incluída na fatura n.º ...97 e o reembolso do seu montante acrescido de juros indemnizatórios.

F.

O Tribunal a quo concluiu pela total improcedência da ação, declarando a absolvição da instância por falta de legitimidade passiva do Município.

G.

Na sequência da referida sentença, a Recorrente instaurou nova ação contra a comercializadora (a B..., S.A. – Sucursal em Portugal), requerendo a anulação da repercussão da TOS incluída na fatura n.º ...97 por violação do artigo 85.º, n.º 3, do ... 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso.

H.

Entretanto, a Impugnante, ora Recorrente, foi notificada de sentença desfavorável no presente processo n.º 847/21.4BEPRT, no qual a Meritíssima Juíza a quo pugna pela improcedência da impugnação judicial porquanto entende que o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do OE para 2017, não produziu efeitos jurídicos imediatos.

I.

Considera, contudo, a Recorrente que a sentença a quo padece de ilegalidade por assentar numa errada interpretação do direito. Discorda-se totalmente do raciocínio seguido pelo Tribunal a quo na medida em que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais.

J.

O quadro normativo em que se baseava a possibilidade de repercussão legal foi profundamente alterado com o artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

K.

Assim, desde o dia 1 de janeiro de 2017 que as taxas municipais de ocupação do subsolo não podem ser suportadas pelos consumidores.

L.

Por outras palavras, sendo a Impugnante, ora Recorrente, consumidora final de Gás, esta não poderá suportar a TOS por repercussão legal.

M.

A TOS é uma taxa municipal criada e liquidada pelos respetivos municípios pela “utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal”.

N.

Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 que aprovou as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as distribuidoras, existe a possibilidade de repercussão das TOS nos consumidores de gás natural de cada Município.

O.

Perante este contexto, a relação jurídico-tributária aqui em discussão processa-se nos seguintes moldes: a Câmara Municipal da Maia liquida uma taxa ao distribuidor de gás natural (a C..., S.A.), que é repercutida ao comercializador (a B..., S.A. – Sucursal em Portugal) que, por sua vez, a repercute no consumidor final de gás natural, a ora Recorrente.

P.

Do quadro descrito tal como estava estabelecido resultava a existência de um mecanismo de repercussão legal da TOS nos consumidores finais pelas concessionárias.

Q.

Todavia, desde 1 de janeiro de 2017 que foi expressamente consagrada a proibição de fazer repercutir no consumidor final as taxas municipais de ocupação do subsolo (cfr.

artigos 85.º, n.º 3, e 276.º, da LOE 2017).

R.

Não obstante a sua ilegalidade, a repercussão que tem vindo a ser efetuada à ora Recorrente encontra a sua razão de ser no facto de o Repercutente fazer uma interpretação errada do quadro jurídico em vigor, nomeadamente do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

S.

Ou seja, reitera-se, o que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, que a Impugnante considera ser ilegal – e cuja ilegalidade foi confirmada pelo Tribunal a quo, mas que lhe continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

T.

Saliente-se, aliás, que a matéria ora em discussão já foi objeto de apreciação por parte deste douto Tribunal em várias ações intentadas contra os respetivos Municípios, tendo o Tribunal decidido pela ilegitimidade passiva dos mesmos. Assim, é na sequência destas decisões que a Impugnante, ora Recorrente, intentou novas ações, desta feita, contra a comercializadora, vindo, deste modo, acompanhar o entendimento do STA a propósito desta questão.

U.

Entendimento este que tem suporte na norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 o qual impede que a TOS seja repercutida na Recorrente. Ora, não sendo o Município parte legítima na ação, sempre teria a Recorrente que intentar a mesma contra a entidade que lhe repercutiu indevidamente o tributo, sob pena de se considerar que a norma acima referida não produz qualquer efeito prático.

V.

Com efeito, um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado.

W.

Do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 resultam dois imperativos claros, precisos e incondicionais: (i) a TOS tem que ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas; e (ii) não pode ser refletida na fatura dos consumidores.

X.

O artigo 85.º, n.º 3, não impõe qualquer requisito nem limitação à sua interpretação ou aplicação. Não se lê “sem prejuízo do disposto no número x”, “assim que y”, “verificado que esteja z”, nem tão pouco se prevê um diferimento temporal para aplicação do referido regime.

Y.

Mais, a norma não refere que “serão pagas” ou “poderão vir a ser pagas”, antes referindo “são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.

Z.

Salienta-se que a lei é especialmente cuidadosa na terminologia utilizada ao referir que não podem ser “refletidas na fatura dos consumidores”, afastando qualquer possibilidade de repercussão legal e económica. Nada se diz sobre como operará a repercussão, para além da obrigação de a fazer cessar quanto aos consumidores.

AA.

Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – invocado pela Meritíssima Juíza a quo –, esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática. Através dela, o legislador do Decreto-Lei de Execução Orçamental limitou-se a abrir a porta para, em função da avaliação das consequências no equilíbrio económico-financeira das empresas operadoras de infraestruturas, vir a ser alterada, por via legislativa, a proibição de repercussão que consta do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

BB.

Mais, através da referida norma, o legislador não revogou a norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, nem sequer estabeleceu que ela terá inexoravelmente de ser revogada.

CC.

Repare-se que o Decreto-Lei de Execução Orçamental “contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, assegurando, em paralelo, uma rigorosa execução orçamental” (negritos e sublinhados nossos). De referir que o resultado interpretativo deverá ser aquele que não seja incompatível com a Lei do Orçamento do Estado para 2017.

DD.

Com efeito, o Decreto-Lei de Execução Orçamental existe porque existe um Orçamento do Estado e destina-se a desenvolver os imperativos deste último.

EE.

Relativamente ao facto de ter sido novamente inscrito no artigo 133.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a proibição da repercussão da TOS nos consumidores finais, entende a Recorrente que a norma referida veio apenas reiterar novamente a proibição de repercussão, muito possivelmente, perante o incumprimento continuado das operadoras de infraestruturas. Significa igualmente que o legislador quis manter, inequivocamente, a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais (nomeadamente, em 2021).

FF.

A Recorrente desenvolve a atividade siderúrgica e de fabricação de ferro-ligas, não se dedica à produção, distribuição, comercialização ou revenda de gás natural. Assim, tratando-se a Recorrente de uma consumidora de gás, a cobrança da TOS contraria lei expressa (cfr. artigo 3.º, al. g), do Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto).

GG.

Assim, tendo sido repercutida na Recorrente a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental.

HH.

Discorda-se igualmente da douta Sentença na parte em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios peticionado pela Impugnante, ora Recorrente.

II.

Os juros indemnizatórios revestem “uma função reparadora dos prejuízos causados ao contribuinte pelo facto de ter ficado privado ilicitamente durante certo período, de uma quantia. O reconhecimento destes juros visa repor a situação que se verificaria se o contribuinte não tivesse procedido ao...

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