Acórdão nº 01360/16.7BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução29 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1360/16.7BEPRT Recorrente: “BANCO 1..., S.A.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A acima identificada Recorrente, inconformada com o acórdão de 5 de Dezembro de 2019 do Tribunal Central Administrativo Norte – que negou provimento ao recurso e manteve a sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial por ela instaurada, após indeferimento da prévia reclamação graciosa, contra a autoliquidação de IVA de Dezembro de 2014 –, dele recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor: «1.ª Entende o Recorrente que estão verificados os requisitos de que depende a admissão do presente recurso de revista; 2.ª Em face do decidido em segundo grau de jurisdição, considera o Recorrente verificar-se a violação de lei na interpretação conferida ao artigo 23.º do Código do IVA, tendo por base o conteúdo e alcance do acórdão do TJUE datado de 10.07.2014, proferido no processo C-183/13, colocando-se, designadamente, as seguintes questões: a. Saber se, estando em causa a aplicação pelo contribuinte do método do pro rata geral e supletivo previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, do Código do IVA, sem que a administração tributária tenha obrigado o sujeito passivo, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e n.º 3, do Código do IVA, a efectuar o cálculo do pro rata de dedução de acordo com o método da afectação real, é legítima a interpretação e aplicação do referido artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA no sentido da exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira; b. Sem prejuízo do exposto, saber se, condicionando o TJUE a exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira, para efeitos de interpretação e aplicação do artigo 23.º do Código do IVA, à utilização dos bens e serviços ser sobretudo determinada pelo financiamento e gestão de contratos e não pela disponibilização dos veículos, se impõe ao intérprete ou julgador, na interpretação e aplicação do disposto do mesmo artigo, apurar da existência de uma demonstração de facto, realizada através do recurso aos meios gerais de prova e em obediência às regras de ónus da prova, da ligação daqueles bens e serviços mistos ao financiamento e gestão de contratos ou à disponibilização dos veículos.

  1. No caso vertente estão verificados os pressupostos de que depende a admissibilidade do presente recurso de revista, uma vez que as supra enunciadas questões assumem quer relevância jurídica, quer social, sendo a admissão da revista necessária para uma melhor aplicação do direito (cf., entre outros, o acórdão de 29.06.2011, proferido no âmbito do processo n.º 0569/11); 4.ª No que concerne à primeira questão em equação, impõe-se a revista para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental; 5.ª No caso sub judice, o Tribunal recorrido considerou, de forma manifestamente infundada, que a posição sufragada pelo TJUE quanto ao disposto no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva do IVA, que está na origem do artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA, é igualmente aplicável às situações em que esteja em causa o artigo 17.º, n.º 5, primeiro e segundo parágrafos, da Sexta Directiva do IVA, que está na origem do artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA; 6.ª Apesar de o TJUE ter sufragado uma posição assente exclusivamente na interpretação do disposto no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva do IVA [actual artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva IVA] e, por conseguinte, com referência à possibilidade de a administração tributária poder obrigar um banco que exerce a actividade de locação financeira a utilizar o método da afectação real no cálculo do pro rata de dedução, o Tribunal a quo limitou-se a subsumir o caso concreto ao entendimento que foi sufragado naquele acórdão do TJUE, sem ter aferido, estando em causa a aplicação do método do pro rata geral previsto no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA e, por conseguinte, uma disposição comunitária distinta daquela que foi apreciada pelo TJUE – qual seja, o artigo 17.º, n.º 5, primeiro e segundo parágrafos, da Sexta Directiva do IVA e actual artigo 173.º, n.º 1, da Directiva IVA – e, ainda, a inexistência de uma correcção efectuada pelos serviços da administração tributária, se à situação sub judice seria aplicável o entendimento sufragado pelo TJUE; 7.ª Este juízo é insustentável, encerrando um erro manifestamente ostensivo e grosseiro, aqui consubstanciado no facto de o Tribunal ter feito tábua rasa do disposto no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA e da correspondente norma da Directiva IVA, que não têm qualquer correspondência com a norma interpretada pelo TJUE naquele acórdão datado de 10.07.2014; 8.ª Deste modo, é claramente necessária a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para evitar que esta má interpretação do artigo 23.º do Código do IVA se consolide na ordem jurídica e que seja aplicável aos contribuintes que, fazendo aplicação do método do pro rata geral e não sofrendo qualquer correcção pelos serviços da administração tributária no sentido da alteração do método utilizado, são injustificadamente obrigados a excluir a componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira para efeitos do cálculo daquele pro rata; 9.ª Esta questão convoca uma operação lógica e jurídica complexa que se traduz em, por um lado, aferir o alcance interpretativo de um acórdão do TJUE, que se afigura por si só de inerente complexidade e, por outro, a interpretação das diversas alíneas e números do artigo 23.º do Código do IVA, em conjugação com as correspondentes normas comunitárias, com o objectivo de definir se o artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA pode ser interpretado no sentido de, para efeitos de cálculo do pro rata geral, se impor a exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira; 10.ª De facto, estando em causa a interpretação de normas que têm na sua origem uma Directiva Comunitária, uma questão que já mereceu reenvio prejudicial por referência a um dos números que integra o artigo 23.º do Código do IVA, a utilização de conceitos jurídicos indeterminados na determinação dos pressupostos de actuação dos serviços da administração tributária (“distorção significativa de tributação”), a que acresce a diversidade de pressupostos de facto e de direito que subjazem à aplicação de um ou outro método de cálculo do pro rata de dedução, é inequívoco para o Recorrente a existência de uma complexidade jurídica superior à comum que justifica a admissão do presente recurso de revista; 11.ª Para além disso, não vigora até esta data uma corrente uniforme de jurisprudência proferida pelos tribunais superiores quanto a esta questão, afigurando-se ao Recorrente que é essencial definir o alcance da interpretação sufragada pelo TJUE naquele acórdão de 10.07.2014, proferido no processo C-183/13, na medida em que corre-se o risco de um Tribunal decidir no sentido de que, para efeitos da exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira, é indiferente o método utilizado – como decidiu o Tribunal recorrido – e de um outro Tribunal, tendo por base a norma interpretada pelo TJUE e a norma que for concretamente aplicável ao caso, decidir em sentido de que não é aplicável aquele acórdão; 12.ª Atendendo a que a questão em torno da exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira tem vindo a perpassar pela jurisprudência dos tribunais superiores, entende o Recorrente que é evidente a susceptibilidade de repetição da questão em casos futuros, em termos de expansão da controvérsia; 13.ª A decisão sobre a questão não é meramente teórica e tem inerentes efeitos práticos, com claro reflexo para o contribuinte, na medida em que pode implicar a alteração de procedimento por parte do Recorrente e das instituições financeiras em geral; 14.ª A questão interpretativa coloca-se, assim, numa abundância de situações e ao longo dos tempos, com referência a diversas instituições financeiras, pelo que se afigura inequívoca também a relevância social de importância fundamental (cf., em sentido semelhante, o Acórdão do STA de 21.11.2014, proferido no processo n.º 141/14-30); 15.ª Assim, considera o Recorrente que a interpretação proferida em segundo grau de jurisdição, em clara violação da lei, por perfilhar acepção contrária ao próprio espírito do legislador tributário e, também, do TJUE, é susceptível de se aplicar em numerosos novos litígios administrativos e judiciais, e inclusivamente originá-los, gerando uma avultada incerteza e instabilidade e fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, pelo que a dilucidação da questão revela-se também necessária para uma melhor aplicação do Direito; 16.ª Pelo que, quanto a esta questão, estão pois preenchidos os requisitos necessários à admissibilidade do recurso previsto no artigo 285.º do CPPT; 17.ª No que concerne à segunda questão em equação, também quanto a esta se impõe a revista para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental; 18.ª O Tribunal recorrido considerou que não se impunha a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos ou à disponibilização dos veículos, entendendo que a existência daquela ligação advinha da natureza financeira dos contratos de locação financeira e, ainda da natureza da actividade do Recorrente, em clara violação da interpretação sufragada naquele acórdão do TJUE e, por conseguinte, das...

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