Acórdão nº 0125/18.6BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução29 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 125/18.6BEMDL Recorrentes: BB e AA Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 Os Recorrentes acima identificados, não se conformando com o acórdão proferido em 30 de Novembro de 2022 nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Norte – que, negando provimento ao recurso, manteve a sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2016 –, dele interpuseram recurso excepcional de revista, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Apresentaram as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «1. Os ora RECORRENTES interpuseram recurso de revista dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Norte no Processo n.º 5/15.7 BEMDL, no Processo n.º 37/16.8BEMDL, no Processo n.º 31/16.9BEMDL, no Processo n.º 69/17.9BEMDL e no Processo n.º 60/17.5BEMDL, processos nos quais se discute idêntica factualidade e idênticas questões de direito, envolvendo as mesmas partes, divergindo apenas quanto aos períodos de tributação do imposto sobre o rendimento as pessoas singulares (IRS), que nos presentes autos.

  1. Em todos os processos, submetidos os recursos a apreciação preliminar sumária a cargo da formação de juízes a que alude o artigo 285.º, número 6., do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante abreviadamente designado CPPT), foi proferido acórdão no sentido da não admissão da revista.

  2. Porém, com todo o respeito que nos merecem as decisões proferidas, que é muito, entendem os RECORRENTES que tais decisões deverão aqui ser objecto de melhor ponderação, pelos motivos que se passam a expor.

  3. Resulta do disposto no artigo 285.º, número 1., do CPPT a excepcionalidade do recurso de revista estando a sua admissibilidade condicionada por um critério qualitativo que exige que em causa esteja: a) A apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica se revista de importância fundamental; ou b) A apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica se revista de importância fundamental; ou c) A admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito.

  4. A formação de juízes que apreciou os recursos interpostos anteriormente, nos processos supra identificados, se bem que reconhecendo que “(…) prima facie, poderia considerar-se que a questão do âmbito de aplicação da isenção prevista no art.º 39.º, n.º 1, do EBF, assume a invocada relevância jurídica e social fundamental, à luz dos critérios definidos pela jurisprudência e acima elencados.”, vem a considerar que o recurso de revista excepcional não será admissível, por existir há muito jurisprudência que procedeu a aprofundado tratamento da questão que pretende ver-se apreciada, decidindo-a sempre no mesmo sentido.

  5. A jurisprudência que, de acordo com a formação, deu aprofundado tratamento à questão, foram os Acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Norte, de 14 de Junho de 2012, proferido no Processo com o n.º 1104/07.4BEBRG, e de 28 de Fevereiro de 2013, proferido no Processo com o n.º 1732/06.5BEBRG.

  6. Sendo certo que, da leitura atenta dos acórdãos, resulta que estes se limitam a proceder à transcrição do Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal Central Administrativo Norte, de 24.05.2012, no Processo n.º 528/06.9BEBRG18, posição à qual aderem, de forma totalmente acrítica, o que, com todo o devido respeito, não se poderá considerar como um profundo tratamento e análise da questão colocada.

  7. Acresce que, no Processos n.º 528/06.9BEBRG, no Processo n.º 1104/07.4BEBRG e no Processo n.º 1732/06.5BEBRG, nos quais se apreciou a situação da professora deslocada em França, considerou-se que o acordo celebrado entre o Estado Francês e o Estado Português não se trata de um acordo de cooperação internacional, dado que não concretiza qualquer obrigação de direito internacional assumida pelo Estado Português perante o Estado Francês através de um acordo internacional de cooperação.

  8. Porém, não é este, e bem, o enquadramento que se reconhece ao acordo de cooperação celebrado entre o Estado Português e o Grão-Ducado do Luxemburgo.

  9. Com efeito, nos presentes autos, reconhece-se que é na sequência do acordo de cooperação celebrado entre o Estado Português e o Estado Luxemburguês, que os RECORRENTES exerceram funções docentes na Área Consular do Luxemburgo, no âmbito das quais auferiram rendimentos, no período de tributação de 2016.

  10. Aliás, em consonância com posição assumida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros Português, que no documento junto como documento ...0., à petição inicial, refere que “Um acordo de cooperação bilateral é um instrumento jurídico internacional vinculativo que estabelece um enquadramento jurídico para a cooperação a ser desenvolvida entre dois Estados. Assim, o Acordo Cultural de Cooperação entre Portugal e o Luxemburgo de 1982 é um acordo de cooperação bilateral.

    ” (negrito e sublinhado nossos) 12. No que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte diverge do entendimento dos RECORRENTES é no que concerne ao conceito de “cooperação” no âmbito do artigo 39.º, número 1., do EBF, questão que não é tratada nos Acórdãos proferidos no Processo n.º 528/06.9BEBRG, no Processo n.º 1104/07.4BEBRG e no Processo n.º 1732/06.5BEBRG.

  11. Pelo exposto, entendem os RECORRENTES que, ao contrário daquele que tem sido o entendimento da formação, pese embora a questão tenha sido decidida no mesmo sentido, não se verifica uma coincidência na apreciação jurídica, sendo distintos os fundamentos jurídicos que sustentaram as decisões proferidas no Processo n.º 528/06.9BEBRG, no Processo n.º 1104/07.4BEBRG e no Processo n.º 1732/06.5BEBRG e as que têm sido proferidas nos processos em que são partes os ora RECORRENTES.

  12. Acresce que, nos processos em que são partes os ora RECORRENTES, e mais uma vez, com todo o respeito por todas as decisões emanadas pelos nossos tribunais, a verdade é que se verifica que todas as decisões se têm limitado a transcrever o Acórdão proferido no Processo n.º 37/16.8BEMDL, no qual é parte apenas a RECORRENTE, tendo sido apenas naquele processo que o Tribunal, efectivamente, procedeu a uma análise das questões que lhe foram submetidas a apreciação.

  13. Diga-se que os fundamentos para a admissibilidade do presente recurso de revista invocados pelos RECORRENTES não se prendem com qualquer contradição jurisprudencial, circunstância na qual o recurso de revista não seria o meio processual próprio, mas antes o recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 284.º do CPPT.

  14. A questão sub judice é, sob o ponto de vista jurídico, complexa e carece de uma análise jurídica profundamente detalhada e ponderada, sendo uma causa na qual se discutem questões essenciais que clamam pela intervenção deste Supremo Tribunal Administrativo, com vista a uma pronúncia que possa servir como orientação para os tribunais de que este Tribunal é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.

  15. Com efeito, importará que este Supremo Tribunal Administrativo se debruce, essencialmente, sobre as seguintes questões: a) Que interpretação deverá ser dada ao conceito de “acordos de cooperação” contido no artigo 39.º, número 1., do EBF, tendo em conta, para além do mais, a unidade do sistema jurídico; b) Se o conceito de acordos de cooperação contido no artigo 39.º, número 1., do EBF se restringe aos acordos de cooperação internacionais de apoio ao desenvolvimento e/ou de ajuda humanitária; c) Se o benefício previsto na referida norma do EBF apenas é aplicável no âmbito de acções de cooperação, nos termos previstos na Lei n.º 13/2004, de 14 de Abril; d) Se a isenção prevista no número 1., do artigo 39.º, do EBF, é aplicável à concreta situação dos RECORRENTES; e) Se a interpretação da norma contida no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais no sentido de a aplicação daquele benefício ser apenas aplicável no âmbito dos acordos internacionais de ajuda ao desenvolvimento, estará ferida de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103.º, número 2., 165.º, número 1., alínea i) e 111.º, número 1., todos da Constituição da República Portuguesa, em violação dos princípios da legalidade e tipicidade tributárias, bem como do princípio da separação de poderes; f) Se a interpretação da norma contida no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais no sentido de a aplicação daquele benefício ser apenas aplicável aos agentes de cooperação nos termos definidos na Lei n.º 13/2004, de 14 de Abril, preenchidos que sejam os requisitos previstos naquele diploma legal, estará ferida de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103.º, número 2., 165.º, número 1., alínea i) e 111.º, número 1., todos da Constituição da República Portuguesa, em violação dos princípios da legalidade e tipicidade tributárias, bem como do princípio da separação de poderes.

  16. As matérias supra descritas, como ressalta à evidência, tratam-se de questões de elevada complexidade, desde logo pela necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos, incluindo a compatibilização de conceitos de direito internacional público com o regime previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais e com as normas fiscais e constitucionais vigentes.

  17. Pelo exposto, será de concluir-se que estamos perante questão que assume relevância jurídica fundamental.

  18. Para além da relevância jurídica fundamental, as questões em apreciação revestem-se, também, de fundamental relevância social, dado que, no âmbito do regime do ensino do português no estrangeiro, encontram-se deslocados no estrangeiro, ao abrigo de acordos de cooperação, dezenas de docentes para os quais a decisão a...

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