Acórdão nº 014/21.7BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução29 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“A..., S.A.”, notificada para proceder ao pagamento da factura n.° FT RN1908/03058, que inclui a título de Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS) o valor de € 48.661,57, intentou, ao abrigo dos artigos 87.º, n.º 8 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 99.º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), contra a “B... S.A. – SUCURSAL PORTUGAL” a presente Impugnação Judicial.

1.2.

Como fundamente dos pedidos que formula - de anulação da repercussão da TOS incluída na factura ou, subsidiariamente, de reconhecimento da inconstitucionalidade dessa repercussão, e, bem assim, em qualquer dessas situações, de reembolso do valor àquele título pago acrescido de juros contados desde o pagamento até efectivo reembolso – alegou a Impugnante, em síntese, que a referida repercussão é ilegal uma vez que, com a entrada em vigor da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, atento o disposto no seu artigo 85.º, n.º 3, o pagamento da TOS passou a ser da exclusiva responsabilidade das empresas operadoras das infraestruturas que ficaram proibidas de repercutir os valores a esse título pagos na factura dos consumidores, ou, mesmo que assim se não entenda, que a repercussão da TOS é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, porquanto procura atingir uma manifestação de capacidade contributiva específica (o consumo de gás natural), que não assenta nem na prestação concreta de um serviço público, nem utilização de um bem do domínio público nem na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.

1.3.

A B... S.A. – SUCURSAL PORTUGAL (doravante Recorrida), contestou, por excepção, suscitando a incompetência material do Tribunal, e por impugnação, defendendo a improcedência total das pretensões, aduzindo, em resumo, quanto à legalidade do acto de repercussão, que a norma que estabelece a sua inadmissibilidade ficou dependente da alteração do quadro legal em vigor, como resulta do artigo 70.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3-3, sendo que, até à presente data, esse quadro não foi alterado, encontrando-se, assim, legitimado o acto de repercussão materializado na factura apresentada a pagamento à Recorrente; relativamente à invocada desconformidade constitucional, constituindo a repercussão apenas um critério de imputação da taxa aos consumidores finais (e não uma contrapartida pelos consumos ou a tributação de qualquer capacidade contributiva), o facto de a taxa ser devida pelas concessionárias, tendo a sua repercussão no consumidor final sido legalmente autorizada, não há alteração da natureza do tributo.

1.4.

Após instrução dos autos, foi proferida sentença, na qual, após se concluir pela competência material do Tribunal e que o acto de repercussão não padecia dos vícios de ilegalidade ou inconstitucionalidade que lhe vinham imputados, foi julgada integralmente improcedente a Impugnação Judicial.

1.5.

Inconformada, interpôs a Recorrente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, finalizando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões: «A.

A partir de 1 de janeiro de 2017, a repercussão da TOS nos consumidores finais passou a ser expressamente proibida.

B.

Com efeito, decorre do artigo 85.º, n.º 3, do OE para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.

C.

Ainda assim, a Recorrente foi notificada da fatura n.º FT RN1908/03058, emitida a 17 de julho de 2019 pela B..., e na qual foi incluída a TOS no montante de € 48.661,57.

D.

Neste contexto, a Recorrente procedeu, em 8 de agosto de 2019, ao pagamento da fatura e da TOS.

E.

A Recorrente instaurou ação contra a comercializadora (a B...), requerendo a anulação da repercussão da TOS incluída naquela fatura, por violação do artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso.

F.

Entretanto, a Impugnante, ora Recorrente, foi notificada de sentença desfavorável no presente processo, no qual a Mma. Juíza a quo decidiu pela improcedência da impugnação judicial.

G.

Considera, contudo, a Recorrente que a sentença a quo padece de ilegalidade por assentar numa errada interpretação do direito, uma vez que a LOE 2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais.

H.

No essencial, e quanto a este segmento, a Mma. Juíza a quo pugna pela improcedência da impugnação judicial porquanto entende que o artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, não produziu efeitos jurídicos imediatos.

I.

Com efeito, em particular aduz-se, na sentença sob recurso, que “[c]om efeito, nem o artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3.03, disciplina a repercussão da taxa de ocupação do subsolo nem da sua conjugação com o artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12, resulta que o fim da repercussão da TOS opere sem a ponderação dos mesmos objetivos que estiveram na base da opção de repercussão conferida pelo legislador com a celebração dos atuais contratos de concessão, ou seja o equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas.

Do exposto, resulta que a norma prevista no artigo 85.º, n.º 3 da LOE de 2017 não é automaticamente operacional, no sentido em que é necessária a mediação de outras normas jurídicas, que constituirão o quadro legal exigível a que a seja efetivamente alterado o regime legal de repercussão da TOS, de molde a que não seja refletida na fatura dos consumidores.” J.

Um raciocínio inaceitável, tendo em conta que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais.

K.

Com efeito, determina o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores” (negritos nossos).

L.

Assim, a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 – e sem necessidade de qualquer ato legislativo ou regulamentar adicional – a repercussão legal da TOS no consumidor final passou a ser ilegal.

M.

Em todo o caso, sem prejuízo da ilegalidade da repercussão, esta continuou a ser efetuada à Recorrente, que é consumidora final, nos mesmos termos em que era efetuada antes da entrada em vigor do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

N.

O que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, repercussão essa que é ilegal e proibida, mas que continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017.

O.

O incómodo, injustiça ou ilegalidade da situação em que a ora Recorrida ou demais comercializadoras possam estar colocadas por força dessa proibição não é imputável à (nem repercutível sobre a) Recorrente, mas ao Estado.

P.

Com efeito, se à entidade demandada, aqui Recorrida, se afigura que o Estado não estabeleceu os mecanismos de reequilíbrio contratual que devia ou não instituiu os meios necessários ao ressarcimento da Recorrida pelos custos que passou a ter por força da proibição de repercussão da TOS, deve a Recorrida insurgir-se e acionar o Estado como entender, designadamente em sede de responsabilidade civil.

Q.

O que a Recorrida não pode é ignorar A LEI, fazer de conta que esta não existe, e continuar a onerar a Recorrida apenas porque a lei aumentou os seus custos de contexto sem qualquer contrapartida.

R.

Entender de outro modo – como entendeu a Mma. Juíza a quo na douta sentença sob recurso – é limitar os poderes de conformação legislativa da Assembleia da República, condicionando a eficácia de diplomas aprovados pelo órgão legislativo soberano no sistema português ao facto de tais diplomas ou normas serem, ou não, convenientes à atividade dos sujeitos a quem essa legislação se dirige, ao arrepio do princípio do primado da Assembleia da República que se infere do nosso sistema constitucional de reserva de competências, consagrado em particular nos artigos 161.º, 164.º, 165.º e 198.º da Lei Fundamental! S.

Ou seja – refira-se com toda a transparência – a interpretação que logrou obter vencimento na sentença sob recurso não é uma interpretação conforme à Constituição, porque resulta da Constituição que um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode limitar a vigência de uma Lei do Orçamento.

T.

No Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, do Ministro de Estado e das Finanças, Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública e Ministro do Ambiente e da Ação Climática, o governo português reconhece (i) que a proibição de repercussão da TOS foi determinada pelo artigo 85.º, n.º 3, da LOE de 2017; (ii) que as entidades do setor não estão a cumprir com essa determinação (razão pela qual se almeja “o fim da repercussão”; e, (iii) que e é necessária uma alteração legislativa MAS – e esta é a parte relevante – tal alteração servirá para que a incidência passe a assentar na efetiva ocupação do subsolo, nada tendo a ver com a possibilidade de repercussão sobre os consumidores.

U.

De resto, já na LOE de 2019 se havia previsto, no respetivo artigo 246.º, com a epígrafe “Quadro legal enquadrador das taxas de ocupação do subsolo”, que “1 — O Governo procede, até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores [o que só pode interpretar-se como sendo uma abertura à revisão da proibição criada em 2017, por força dos resultados que a mesma tivesse tido no equilíbrio contratual dos operadores do setor]; 2 — A alteração legislativa prevista no número anterior deve [fazer] assentar a incidência [da TOS] na efetiva ocupação do subsolo […]” V.

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