Acórdão nº 01235/21.8BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Março de 2023

Data23 Março 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A..., S.A., devidamente identificada nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF), contra o INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P., doravante IFAP, indicando como contrainteressada B..., LDª, a presente acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual, pedindo: “i) Ser anulado o acto de não relevação do impedimento da Autora e o acto de exclusão das propostas da Autora quer para o Lote Norte (1) quer para o Lote Sul (2) e, consequentemente, ser anulado o acto de adjudicação de ambos os lotes à Contrainteressada B... e, caso já tenha sido celebrado, o contrato celebrado entre o Réu e a Contrainteressada B..., por serem ilegais e inválidos; ii) Ser o Réu condenado a relevar o impedimento da Autora; iii) Ser o Réu condenado à prática do acto de adjudicação a favor das propostas da Autora [Lote Norte (1) e Lote Sul (2)], por ser o acto legalmente devido e, em consequência, a celebrar com esta o contrato objecto do procedimento em apreço.

”*Por saneador/sentença do TAF do Porto de 22 de Julho de 2022, foi decidido julgar a acção totalmente improcedente, e, consequentemente, absolver a Entidade Demandada e a Contrainteressada do pedido.

*A A...

apelou para o TCA Norte e este, por Acórdão proferido a 14 de Outubro de 2022, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida com diferente fundamentação.

*A Autora, inconformada, interpôs o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «A. Quanto à Admissibilidade do Recurso de Revista a.

A Recorrente está bem ciente de que o recurso de revista é excecional e não deve ser banalizado. No entanto, este é um daqueles casos de Escola em relação aos quais o recurso de revista se justifica plenamente, ou melhor, em que é absolutamente necessário.

b.

O Tribunal a quo, embora tenha mantido o segmento decisório do tribunal de primeira instância, foi totalmente inovador, invertendo em grande medida a decisão daquele tribunal. Sucede que, sobre estas concretas questões nunca teve a Recorrente possibilidade de se pronunciar, pois, o Tribunal a quo julgou, neste âmbito, enquanto primeiro grau de jurisdição.

c.

Em concreto, a Recorrente não teve oportunidade de se pronunciar sobre a aplicabilidade da teoria do aproveitamento do ato no caso de omissão de audiência prévia ou sobre os vícios de violação de lei por infração do disposto no artigo 55º-A, nºs 2 e 3 do CCP, tal como analisados pelo Tribunal a quo.

d.

Estão em causa nos presentes autos, desde logo, duas questões de indiscutível relevância, quer jurídica, quer social: (i) o aproveitamento do ato de não relevação do impedimento, ainda que o Tribunal a quo tenha reconhecido a preterição do direito de audiência prévia quanto a esse mesmo ato; (ii) a não relevação do impedimento consubstanciada numa exigência não constante do Caderno de Encargos.

e.

O Tribunal a quo, contrariamente ao TAF, entendeu expressamente que foi preterido o direito de audiência prévia da Recorrente, pelo que julgou procedente o erro de julgamento que a Recorrente imputa nesta parte à sentença.

f.

Pese embora o Tribunal a quo tenha julgado procedente o vício da sentença apontado pela Recorrente, no que diz respeito à preterição do direito de audiência prévia, decidiu não anular o ato de não relevação do impedimento e, do mesmo passo, o ato de adjudicação à B..., socorrendo-se do princípio do aproveitamento do ato.

g.

O Tribunal a quo parece ter ignorado, nesta medida, a recente e importante jurisprudência do STA sobre a matéria, designadamente a vertida no acórdão de 07.04.2022 (Proc. nº 03478/14.1BEPRT), no qual ficou expressamente decidido que a audiência prévia corporiza uma formalidade absolutamente essencial, cuja omissão pura e simples gera a invalidade do ato administrativo e determina a nulidade da decisão final.

h.

Sendo nulo o ato de não relevação do impedimento, ao abrigo do disposto no artigo 161º, nº 2, alínea d), do CPA, não se poderia aplicar o princípio do aproveitamento do ato administrativo.

i.

O nº 5, do artigo 163º, do CPA não pode ser aplicado quando em causa estejam atos nulos, pois na medida em que os atos nulos não produzem efeitos jurídicos, não existem efeitos que possam ser salvos/aproveitados.

j.

Impõe-se uma intervenção simultaneamente clarificadora e de melhor aplicação do direito no sentido de, por um lado, deixar claro que a omissão pura e simples do direito de audiência prévia gera nulidade do ato e, por outro lado, que a um ato nulo não é aplicável o princípio do aproveitamento do ato administrativo.

k.

Precisa, ainda, este Supremo Tribunal clarificar se, no quadro da apreciação de pedidos de relevação do impedimento, é admissível que a entidade adjudicante exija ao concorrente requerente o cumprimento de exigências que não estejam previstas nas peças do procedimento, e que não o faça aos restantes concorrentes.

l.

Pois, no momento em que era suposto analisar os elementos de self-cleaning apresentados pela Recorrente, o Réu optou pela invocação de uma suposta (e nunca antes invocada) insuficiência das propostas apresentadas pela Recorrente, traduzida na identificação de uma única aeronave e de uma única câmara aérea.

m.

É certo e compreensível que a um interessado que se encontre numa situação de impedimento lhe seja exigido que demonstre a sua idoneidade para a execução do contrato e a não afetação dos interesses que justificam aquele impedimento. Mas a partir do momento em que o consegue demonstrar, não lhe pode ser ainda exigido, por cima disso, que apresente uma proposta que vá além dos requisitos previstos no caderno de encargos.

n.

A apreciação de um pedido de relevação de impedimento deverá ser formada dentro de determinados limites. Um desses limites parece ser o conjunto de exigências previstas ab initio nas peças do procedimento, aplicável a todos os concorrentes.

o.

Sem a intervenção deste Supremo Tribunal clarificando esta questão, amanhã, teremos entidades adjudicantes a exigir uma capacidade técnica superior ou maior capacidade financeira a quem requeira a relevação de um impedimento.

p.

O mecanismo de self-cleaning é uma figura que apenas conheceu consagração legal recentemente (em 2017), e em relação à qual este Supremo Tribunal não teve ainda oportunidade de se pronunciar a título principal tanto quanto seja do conhecimento da Recorrente.

q.

Não pode, por isso, o STA deixar passar esta oportunidade para se pronunciar sobre uma figura jurídica que, embora recente, é de indiscutível relevância prática, por força da sua utilização amiúde e das reconhecidas dúvidas que suscita.

r.

É inegável que a concreta questão aqui em análise é, juridicamente, de uma complexidade assumidamente superior ao comum. Para além de nos convocar, como se disse, para uma situação de alguma forma inédita, pela sua novidade.

s.

Para além disso, a decisão deste Supremo Tribunal revela-se essencial, desde logo, para as entidades adjudicantes ficarem esclarecidas quanto ao que podem ou não podem fazer neste domínio. Isto é, qual a margem de apreciação atribuída às entidades num contexto de decisão de um pedido de relevação de um impedimento.

t.

Bastará recorrer às regras da experiência para se concluir que poderá, com grande probabilidade, o Supremo Tribunal confrontar-se com a hipótese de, no futuro, voltar a identificar-se uma situação em que um Tribunal mobiliza o princípio do aproveitamento do ato administrativo relativamente a um ato nulo, por preterição de audiência prévia; ou, ainda, uma situação em que um Tribunal valide um ato de não relevação de impedimento que altere, verdadeiramente, as exigências constantes nas peças do procedimento para apenas um dos concorrentes.

u.

Face a tudo o exposto, por estarem preenchidos os pressupostos para tal, deve o presente recurso de revista ser admitido e, em consequência, conhecido o seu mérito.

  1. Quanto ao Mérito do Recurso v.

    É ponto assente que não se discute nos presentes autos a ocorrência (em abstrato) do impedimento previsto no artigo 55º, nº 1, alínea l), do CCP com fundamento na aplicação, pelo IFAP, de sanções pecuniárias cujo valor acumulado ultrapassou 20% do preço contratual (com a qual a Recorrente não se conforma e que é objeto de apreciação em sede própria). O que aqui está em causa é, isso sim, a (ilegal) não relevação desse impedimento pelo Júri e pelo Réu, nos termos do artigo 55º-A, nº 3, do CCP.

    w.

    Bem andou o Tribunal a quo ao entender que a sentença incorreu em erro de julgamento ao abster-se de apreciar em concreto os referidos vícios. Considerando que a decisão de não relevação do impedimento é judicialmente sindicável, o Tribunal a quo apreciou se, de facto, esta decisão padece dos referidos vícios.

    x.

    É preciso ter presente, antes do mais, que o legislador assumiu que a entidade adjudicante deve, em princípio, relevar o impedimento e só terá a possibilidade de o não fazer se não for possível concluir que os elementos que a lei prevê para o efeito da relevação se encontrem preenchidos (nos termos do disposto no nº 3, do artigo 55º-A, do CCP).

    y.

    No entender do Tribunal a quo, a Recorrente apresentou apenas uma medida de self-cleaning, sendo irrelevante as restantes informações prestadas por esta no seu pedido de relevação do impedimento. Este é um entendimento juridicamente errado.

    z.

    O interessado em participar num procedimento tem o direito de demonstrar junto da entidade adjudicante que, apesar de se verificar quanto a si um impedimento, possui “idoneidade para a execução do contrato” e que a relevação do impedimento não afeta os interesses que justificam a consagração legal do mesmo.

    aa.

    O próprio legislador concretiza, a título exemplificativo, várias formas de o interessado fazer a referida demonstração junto da entidade adjudicante. Isto é, as alíneas a) a c), do nº 2, do artigo 55º-A do CCP consagram mecanismos concretos por via dos...

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