Acórdão nº 62/20.4T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução23 de Março de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA, BB e CC instauraram, em 13/01/2020, no Juízo Local Cível ... - Juiz ... – do Tribunal Judicial da Comarca ..., processo especial de inventário para cessação de comunhão hereditária e partilha de bens [art. 1082º, al. a) e segs. do CPC], por óbito de AA, falecido a .../.../2017.

*Foi designada como cabeça de casal a interessada DD (Ref.ª ...85).

*A cabeça de casal juntou a relação de bens (ref.ªs ...79 e ...33), sendo que, quanto às verbas 1, 2, 3, 4 e 5 da relação de bens, relacionou apenas 1/3 dos referidos valores.

*Os requerentes apresentaram reclamação à relação de bens e à indicação das declarações da cabeça de casal, designadamente quanto à titularidade/propriedade dos saldos bancários referentes às verbas números 1, 2, 3, 4 e 5 da relação de bens, pugnando que a cabeça-de-casal deverá relacionar os remanescentes 2/3 desses valores, dado que a totalidade dos depósitos bancários existentes nessas contas bancárias era apenas propriedade do Inventariado, primeiro titular das mesmas (ref.ªs ...88 (22/06/2020) e ...95 (08/10/2020)).

*A cabeça de casal apresentou resposta à reclamação contra a relação de bens dos requerentes, ao abrigo do disposto no art. 1105.º do Código de Processo Civil, pugnando pela manutenção da relação de bens apresentada e requerendo a remessa das partes para os meios comuns das questões relacionadas com os saldos bancários quanto à presunção de co-titularidade [ref.ª ...31 (21/09/2020)].

*Datado de 10/10/2020, o Exmo Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho (refª ...22): «Ref. n.ºs ...48, ...14, ...57 e ...96: A discussão encetada pelos interessados, a respeito da titularidade dos fundos de diversas contas bancárias nas quais o inventariado figurava como titular, não constitui “questão com relevância para a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados directos na partilha”, pois não versa sobre litígio atinente à qualidade em intervêm o cônjuge supérstite e os filhos do “de cuius” e à ausência de outros sucessores que concorram à partilha, e, nessa conformidade, revela-se inaplicável o regime do artigo 1092.º do C.P.C.

Por outro lado, o juízo pressuposto pelo n.º 1 do artigo 1093.º do C.P.C. demanda que previamente o Tribunal procure indagar se se verifica uma efectiva complexidade da situação de facto que desaconselhe a apreciação da questão incidental no âmbito do processo de inventário.

A meu ver, antes de serem conhecidos os extractos bancários relativos às várias contas bancárias relacionadas com o litígio e os demais documentos a reunir, não é possível formular de forma segura tal juízo, pois poderá constatar-se que a indagação pressuposta pelo conflito não envolva a necessidade de reunir meios de prova que se revele incomportável produzir no âmbito de um processo de inventário, embora não seja de excluir a hipótese inversa (por exemplo, se vier a constatar que algumas contas bancárias envolvem uma grande quantidade de movimentos a débito e crédito, cuja análise pressuponha a realização de uma perícia e a recolha de outros documentos de suporte dos movimentos bancários registados, para se procurar determinar a origem dos fundos que aprovisionaram as contas e esclarecer fluxos monetários entre contas de vários interessados, de forma a apurar a titularidade dos saldos bancários).

Decido, pois, relegar para momento ulterior a apreciação do pedido de remessa para os meios comuns, por ser prematura a formulação de um juízo definitivo sobre tal questão – cfr. artigos 547.º e 1093.º do C.P.C.

(…)»*No aludido despacho (refª ...22), mais deferiu que se oficiasse ao Banco 1... e ao Banco 2... a fim destes prestarem as requeridas informações.

*Foi solicitada informação às entidades bancárias (refª ...39 (13/07/2021), 2677875 (03/09/2021), ...63 (06/09/2021), 2805492 (17/01/2022), 2820955 (31/01/2022), ...00 (07/02/2022), 2862855 (09/03/2022)).

*Datado de 13/09/2022, o Exmo Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho (refª ...43): Sobre a remessa para os meios comuns – refª ...51 (20/05/2022), 2953393 (02/06/2022), Os requerentes vieram alegar que da documentação remetida aos autos não foi possível obter a totalidade da informação pretendida acerca dos suprimentos realizados pelo inventariado na referida sociedade comercial; atentas as dificuldades inerentes ao apuramento do exposto, peticionam a remessa para os meios comuns.

Em sede de contraditório, vieram os interessados BB, CC e EE dizer não corresponder à verdade terem sido prestadas todas as informações bancárias e que inexiste qualquer complexidade relativamente à matéria de facto subjacente à apresentação dos documentos; entendem que o Banco 1... e o Banco 2... não têm dado cumprimento integral ao que tem sido, douta e repetidamente, ordenado pelo Tribunal e que o cabeça-de-casal tem vindo a obstaculizar a prestação de informações bancárias requeridas; termina peticionando o indeferimento da remessa para os meios comuns.

Isto posto: Em primeiro lugar, importa começar por referir que se encontra aqui em discussão a titularidade dos saldos das verbas números 1, 2, 3, 4 e 5 da Relação de Bens, com respeito ao ativo, créditos relação de bens, considerando que o cabeça-de-casal deverá relacionar os remanescentes 2/3 desses valores (refª ...48 (22/06/2020); 2373557 (21/09/2020); 2391696 (08/10/2020)); Em segundo lugar, por despacho datado de 13/10/2020, decidiu-se relegar para momento posterior a decisão da remessa para os meios comuns (refª ...22 (13/10/2020)).

Em terceiro lugar, tendo-se peticionado documentação às entidades bancárias em vista a resolver estas questões, verifica-se que a mesma tem sido sucessivamente considerada insuficiente pelas partes e que não permite alcançar um consenso ou uma convicção segura sobre estes problemas (refª ...39 (13/07/2021), 2677875 (03/09/2021), ...63 (06/09/2021), 2805492 (17/01/2022), 2820955 (31/01/2022), ...00 (07/02/2022), 2862855 (09/03/2022)).

Em quarto lugar, por imposição legal, os incidentes de reclamação à relação de bens constituem incidentes de instância, devendo ser tramitados com a brevidade e simplicidade que se impõe em relação a estes procedimentos (art 1091º, n.º 1 do Cód de Proc Civil). Da mesma forma, a própria lei comanda que no âmbito do processo de inventário, o princípio que vigora é o de que devem ser decididas definitivamente no seu âmbito todas as questões de facto de que a partilha dependa, salvo se essa decisão se não conformar com a discussão sumária comportada pelo processo de inventário e exigir uma ampla discussão no quadro do processo comum (cfr o Douto Acórdão do TRE de 28/05/2015, proc n.º 75/10....; TRL de 28/04/2016, proc n.º 359-09....).

Ora, atendendo às dificuldades acima enunciadas, à sucessiva insuficiência de documentação, ao enorme volume de documentação já remetido aos autos, bem como à matéria concretamente em discussão (a titularidade das quantias constantes dos depósitos bancários, a proveniência das verbas), o Tribunal entende que as questões suscitadas, pela sua complexidade, não se compadecem com a discussão sumária aludida no parágrafo anterior; para garantia das partes, bem como para evitar que o inventário fique pendente nos demais bens por causa dessa questão, entendemos que devem ser remetidas para os meios comuns, onde poderão ser discutidas com todas as garantias de defesa, nos termos previstos no art 1092º, n.º 1, al.b), n.º 2 do Cód de Proc Civil.

Por último, o Tribunal é ainda da opinião de que os autos devem prosseguir, para partilha dos demais bens, sendo posteriormente reabertos de acordo com o que vier a ser decidido nas acções a serem instauradas, nos termos previstos no art 1093º, n.º 3, al.a) do Cód de Proc Civil (…)».

*Inconformados com esta decisão dela recorrem os interessados BB, CC e EE (ref.ª ...15), formulando, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «A) A Douta Decisão recorrida e ora impugnada que determinou a remessa das partes para os meios comuns, no que tange à discussão e prova da titularidade/propriedade dos saldos bancários existentes à data do óbito do inventariado, nas verbas 1 a 5 da Relação de Bens, incorreu em erro de julgamento, no que tange à apreciação e interpretação dos factos com violação das normas jurídicas aplicáveis; B) Com efeito, e em primeiro lugar, ao decidir com base em realidades diferentes, a saber aquela que, de um lado, diz respeito à obtenção de informação acerca de suprimentos realizados pelo inventariado, e, de outro lado, aquela que concerne à obtenção de informação bancária, tendo em vista a comprovação sobre a titularidade dos saldos das verbas números 1, 2, 3, 4 e 5 da Relação de Bens, a qual foi desde logo requerida em sede de reclamação à Relação de Bens, em 22/06/2020 e ordenada pelo Tribunal em 14 de outubro de 2020 (praticamente há 2 anos), não permitindo sequer à entidade apresentante da documentação relativa aos suprimentos prestados pelo Inventariado, qualquer resposta ou esclareci- mento sobre a pretensa falta de documentos, violou de forma patente o principio da igualdade substancial das partes (artigo 4º do CPC) e, além disso, ao introduzir e usar tal argumentação enquanto fundamento da sua decisão de remeter as partes para os meios comuns, proferiu em simultâneo uma decisão e fundamento surpresa. (Artigo 3º, nº 3 do CPC).

  1. E ao usar como fundamentação para a remessa das partes para os meios comuns a suposta falta de documentação relativa aos suprimentos, nas condições referidas na conclusão antecedente designando-a de “dificuldades acima enunciadas” incorreu a Douta Decisão recorrida nos apontados vícios de violação de lei; D) Por outro lado, a Douta Decisão recorrida ao remeter as partes para os meios comuns sem fazer cumprir e executar as suas próprias decisões ao Banco 1... e ao Banco 2..., isto é de apresentarem toda a documentação cuja junção lhes havia sido ordenada, desrespeitou o disposto nos artigos 205º, nºs 2 e 3...

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