Acórdão nº 01339/13.0BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução22 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso por oposição de acórdãos Recorrente: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT) Recorrida: A..., S.A.

1. RELATÓRIO 1.1 A Representante da Fazenda Pública junto do Supremo Tribunal Administrativo, inconformada com o acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 30 de Junho de 2022 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/2a725b5697e5306080258878004dbafb.

) – que, negando provimento ao recurso interposto pelo Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, manteve a sentença deste Tribunal, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade ora Recorrida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) respeitante ao ano de 2007, na sequência de inspecção em que a AT considerou que se verificavam os pressuposto legais para a correcção do lucro tributável com base no regime dos preços de transferência, ao abrigo do disposto no art. 58.º, n.º 2 do Código do IRC (CIRC), na redacção em vigor à data dos fatos –, dele recorre para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), invocando oposição com o acórdão do mesmo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 14 de Janeiro de 2020 (Apesar de no art. 1.º das alegações de recurso, a Recorrente indicar outra data («2017/02/09») como sendo a da prolação do acórdão, é manifesto que se trata de erro de escrita.

), no processo n.º 1340/13.0BELRA (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/4697e2c81ba6095c802584ef004e8977.

), transitado em julgado.

1.2 A Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «

  1. Tendo, o Acórdão recorrido (proferido no processo n.º 1339/13.0belra) e o Acórdão fundamento (de 14-01-2020, proferido pelo TCA Sul no processo n.º 1340/13.4BELRA), decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito, com base situações fácticas idênticas, vem, a FP, pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adoptada no Acórdão fundamento,porquanto,b) Verifica-se a identidade de situações de facto, já que, em ambos os arestos (recorrido e fundamento), a mesma Impugnante veio apresentar impugnações judiciais contra as liquidações de IRC, referentes aos exercícios de 2007 e 2008.

  2. Em ambos os casos, foi objecto de acções inspectivas e, os SIT, em ambos os casos, concluíram do mesmo modo, pelo que, verifica-se também a identidade da questão de direito, visto que, quer no Acórdão recorrido quer no Acórdão fundamento, está em causa a interpretação e aplicação das normas constantes do artigo 58.º do CIRC (actual 63.º) e da Portaria 1446-C/2001.

  3. Ou seja, ambos os Acórdãos pretendem dar resposta à questão de saber se estão reunidos os pressupostos legais de que depende a correcção do lucro tributável com base no regime dos preços de transferência, como dispunha o artigo 58.º, n.º 2 do CIRC (à data dos fatos) e os artigos 4.º, n.º 2 e 6.º, n.º 1 da Portaria 1446-C/2001 e, consequentemente se a AT explicitou/fundamentou no RIT as razões que a levaram a adoptar o método do preço comparável de mercado face aos demais métodos.

  4. Os SIT entenderam que aquele era o mais adequado, porquanto constituía a forma mais directa de determinar se as condições acordadas entre entidades relacionadas eram as condições de plena concorrência.

  5. Sendo que, inquestionavelmente, o Acórdão recorrido perfilhou solução diametralmente oposta à do Acórdão fundamento.

    Vejamos: g) Colocada a questão de saber se em relação aos empréstimos concedidos pela Impugnante à "B... SGPS, SA” e, face à ausência do dossier dos preços de transferência, bem como toda a documentação respeitante à política adoptada nessa matéria, estavam reunidos os pressupostos legais previstos no artigo 58.º, do CIRC responde, o Acórdão recorrido, que não, uma vez que não se verificava o segundo pressuposto.

  6. Defendendo que «(…) o que a AT fez, foi socorrer-se da remuneração de juros que os próprios sujeitos relacionados estipularam contratualmente que se tornaria exigível após o período dilatado de carência acordado e aplicá-la no exercício em causa de 2007, incluído naquele designado período de carência».

  7. Concluindo, ainda, «este procedimento, adoptado pela AT na correcção de preços de transferência sem que fosse avançada qualquer justificação/explicação quanto à singularidade da operação financeira em causa, pelo contrário, referindo a AT a existência de operações comparáveis de empréstimo entre entidades não relacionadas», decidindo, o Acórdão recorrido negar provimento ao recurso e, confirmar a douta sentença recorrida.

  8. Ora, para o Acórdão fundamento a resposta é sim, «(…) se na concessão de fundos pela “A..., SA”, tivessem sido contratados, aceites e praticados os mesmos termos contratados, aceites e praticados, por entidades independentes em operações comparáveis, regidas por critérios de racionalidade económica, esta teria auferido uma remuneração de mercado pelo financiamento concedido, equivalente à taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 1,5%, relativamente ao “Contrato de mútuo sob a forma de conta-corrente” e equivalente à taxa Euribor a 12 meses acrescida de um spread de 1,5%, relativamente ao “Contrato de suprimentos” pelo que se verifica, assim, uma violação do Princípio de Plena Concorrência consagrado no n.º 1 do artigo 58.º do CIRC.

  9. O cálculo da remuneração do capital emprestado foi efectuado tendo por base a operação comparável naquele sector de actividade, realizada por entidades independentes, atendendo aos elementos disponibilizados pela impugnante, bem assim como os dados do Banco de Portugal.

  10. Está em causa nos autos uma correcção aritmética ao lucro tributável, em função dos dados disponíveis com relevo na situação concreta. As garantias de defesa da contribuinte foram observadas, dado que no decurso do procedimento inspectivo, a mesma foi notificada, seja para esclarecer os contornos das operações em causa, seja para exercer o direito de audição prévia no âmbito do procedimento inspectivo.

  11. Por outras palavras, perante a demonstração de que as operações em causa violam, de forma manifesta, o princípio da plena concorrência, através da subfacturação ou subquantificação da matéria colectável da impugnante, cabia a esta última demonstração da racionalidade económica das operações em referência. Ónus que o caso não foi observado.

  12. A razão de ser da correcção aritmética em apreço assenta em que a concessão de empréstimos a entidades terceiras, como os que estão em causa nos autos, só pode ser racionalmente aceite pela impugnante, atendendo ao parâmetro do operador razoável para aquele sector de actividade, desde que mediante a contrapartida do pagamento de preço/juro remuneratório do capital mutuado, tal como resulta das práticas do mercado financeiro, para aquela modalidade de empréstimo, documentadas pelos dados do Banco de Portugal».

  13. Decidindo o acórdão fundamento, que a correcção em exame não enferma de erro ou vício, devendo ser mantida na ordem jurídica.

  14. Em face ao exposto, dever-se-á concluir – acompanhando a posição do Acórdão fundamento proferido pelo, mesmo, TCA Sul que a questão que se discute na impugnação em crise, mormente no que se refere às operações que lhe estão subjacentes, violam, de forma manifesta, o princípio da plena concorrência, através da subfacturação ou subquantificação da matéria colectável da impugnante, porquanto cabia a esta última a demonstração da racionalidade económica das preditas operações – ónus que lhe competia, mas que não foi observado.

  15. Assim, sendo certo que o Acórdão fundamento perfilha – perante igual entendimento fáctico e jurídico – entendimento contrário ao Acórdão recorrido, tal entendimento (sufragado no Acórdão recorrido) não pode prevalecer.

  16. Razão pela qual deverá o presente Recurso proceder, com a consequente revogação do Acórdão proferido pelo TCA Sul no processo n.º 1340/13.4BELRA.

  17. Em suma, deve ser proferido Acórdão que decida a questão controvertida no sentido sustentado pela FP no presente recurso, e de acordo com o sentido decisório do Acórdão fundamento.

    Termos em que, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser proferido Acórdão que decida no sentido preconizado no Acórdão fundamento, assim se fazendo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA».

    1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor: «

    1. A Recorrente veio apresentar recurso para uniformização de jurisprudência alegando que a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 30/06/2022, no processo n.º 1339/13.0BELRA (acórdão recorrido), está em oposição com o acórdão datado de 09/02/2017 [(() A Recorrida incorre no mesmo lapso que a Recorrente, referido na nota (2) supra.

      )], também proferido pelo TCA Sul, no processo n.º 1340/13.4BELRA (acórdão fundamento), considerando que a mesma questão de direito controvertida foi decidida de forma diferente e contraditória, sendo o enquadramento fáctico igual em ambos os processos.

    2. Porém, do confronto do quadro factual dos probatórios da decisão recorrida e da decisão fundamento resulta que são díspares os factos valorados como provados, nomeadamente com influência directa da decisão da causa apontam-se os elencados nos pontos 20, 36 a 40 da douta decisão recorrida.

    3. Donde, pode, com razoável certeza, afirmar-se que foi a disparidade dos factos e a sua concreta valoração que determinou os julgamentos proferidos em sentido oposto e não uma distinta interpretação do regime jurídico aplicável.

    4. Mas ainda que assim não se entenda, contrariamente ao pugnado pela Recorrente, o douto acórdão recorrido é o que se mostra conforme ao entendimento adoptado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

    5. O acórdão fundamento considera que a AT cumpriu o ónus da prova que lhe incumbe, fazendo apelo unicamente ao próprio contrato...

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