Acórdão nº 0167/22.7BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Março de 2023
Magistrado Responsável | ARAGÃO SEIA |
Data da Resolução | 22 de Março de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Directora-Geral da AT, notificada da decisão arbitral, proferida no processo n.º 142/2022-T CAAD, em que foi requerente, Z..., S.A., vem dele interpor recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, nos termos dos artigos 25º nºs 2, 3 e 4 e art. 26º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), art. 152º do CPTA e 27º, nº 1, al. b) do ETAF, uma vez que, a decisão arbitral recorrida perfilhou entendimento contrário, ao que foi perfilhado no Acórdão do Tribunal arbitral proferido no Proc. nº 87/2014-T CAAD.
Alegou, tendo concluído: 1) Entre as doutas decisões em causa, a fundamento e a recorrida, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que a questão de direito decorrente dos efeitos que a fusão tem na sociedade incorporante e se os gastos com juros suportados anteriormente pela(s) incorporada(s) continua a poder ser deduzido fiscalmente na esfera da incorporante à luz do art. 23º do CIRC, foi decidida diferentemente no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento.
2) Verifica-se a identidade de situações de facto, e tendo presente que a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais, porquanto: 3) Ambas as requerentes intervieram num processo de fusão e de reorganização empresarial, por via do qual foram as sociedades incorporantes.
4) Em ambos os casos subjacentes às decisões, recorrida e fundamento, as requerentes passaram a assumir os encargos com as dívidas resultantes de uma operação anterior por via da qual a empresa incorporada na requerente contraiu empréstimos tendo em vista a aquisição da própria requerente.
5) Em ambas as situações as empresas requerentes viriam a ser alvo de procedimento inspetivo tendo em vista analisar se os gastos contraídos anteriormente com os financiamentos e que passaram a ser suportados pelas requerentes passavam o crivo do art. 23º do CIRC.
6) Verifica-se a identidade da questão de direito, uma vez que, ambos os acórdãos recorrido e fundamento analisaram a questão de saber se os encargos financeiros deduzidos fiscalmente pela Requerente relativos a financiamento incorrido para a aquisição das participações sociais, devem ser considerados como comprovadamente indispensáveis nos termos do art. 23.º do ClRC.
7) E, deste modo, ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, analisaram a questão de direito relativa ao regime da dedutibilidade de juros à luz do art. 23º do CIRC sendo certo que tais juros anteriormente vinham a ser suportados pela sociedade incorporada.
8) Contudo, Acórdão fundamento e Acórdão arbitral recorrido decidiram diferentemente quanto à questão de direito enunciada.
9) Assim, enquanto que o Ac. recorrido decidiu que: “Ainda que o financiamento tenha sido concedido para aquisição de uma sociedade que, num momento posterior, veio a ser incorporada por fusão na adquirente, tal operação de fusão não tem a virtualidade de transformar um gasto dedutível, nos termos do artigo 23º do CIRC, num gasto não dedutível. Donde, se os juros de financiamento concedido à sociedade incorporada eram aceites fiscalmente em momento anterior à fusão, continuam a sê-lo depois da fusão, pois com esta operação de reestruturação transmitem-se todas as obrigações da sociedade incorporada, e o gasto com relevância fiscal nesta sociedade não perde a natureza de juros de capitais alheios aplicados na exploração.” 10) Já o Acórdão Arbitral fundamento decidiu que: “Decorre do que se acaba de expor que o facto de os financiamentos com os encargos e as responsabilidades correspondentes terem sido objecto de transmissão no âmbito de fusão por incorporação (vd. o facto constante do nº XIII) não implica que o seu tratamento fiscal na sociedade incorporante tenha que ser, sem mais, o exato espelho do que ocorria na sociedade incorporada.
(…) Em suma, a dedução fiscal dos encargos financeiros incorridos no ano de 2009 tem que ser aferida no contexto empresarial próprio da Requerente, em atenção aos critérios normativos resultantes do nº 1 do art. 23.º do CIRC, que é, efectivamente o quadro legal decisivo em função do qual se tem de resolver a matéria dos autos.” 11) Acresce ainda que, entre a emissão do Acórdão recorrido e do fundamento, a alteração legislativa ocorrida não é susceptível de interferir na resolução da vertente questão de direito controvertida.
12) E que se entende que se justifica, no caso, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, pela existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido de que a mesma foi entendida e decidida de forma diferente, sendo certo, igualmente, que a orientação perfilhada na decisão impugnada não está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
13) Encontra-se, pois, preenchido o condicionalismo previsto nos arts. 152º nº 1 do CPTA e 27º nº 1 al. b) do ETAF.
14) Por outro lado, o presente conflito de jurisprudência deve ser resolvido de acordo com o deliberado no Acórdão fundamento, dado que a decisão arbitral recorrida, fez uma incorreta interpretação e aplicação do art. 23º do CIRC, aos factos.
15) A neutralidade da operação de reestruturação no modo de fusão não deve implicar, sem mais, a transmissibilidade de todos e quaisquer gastos fiscais, mas apenas daqueles que se relacionem com os elementos patrimoniais transmitidos.
16) Nesta operação é evidente que há elementos patrimoniais que não são transmitidos para a sociedade beneficiária mas sim para os seus acionistas, daí que os correspondentes gastos associados não devam ser relevados na esfera fiscal da incorporante, uma vez que os rendimentos a eles associados, porque se tratam de lucros distribuídos/a distribuir aos acionistas e mais e menos valias realizadas derivadas da alienação onerosa de partes de capital, também não vão manifestar-se na sua esfera económica e fiscal, mas sim na esfera económica e fiscal daqueles outros.
17) Com a fusão, a Z... (incorporante) passou a suportar gastos no interesse dos seus acionistas, os beneficiários efetivos dos rendimentos resultantes da titularidade das ações da Z..., o que não está conforme com o seu escopo social.
18) A relevância fiscal como gasto do encargo financeiro não terá de ser necessariamente aferida no momento em que o financiamento é contraído.
19) Conforme se deliberou no Acórdão fundamento, «ainda recentemente entendeu o Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 42/2014, nº 16; os juros que remuneram capitais alheios, mormente por operações de crédito, integram o conceito de encargos financeiros, de acordo com a exemplificação constante do artigo 23.º, n.º 1, al. c) do CIRC.
Mas, de igual jeito, tais encargos não se afastam dos princípios gerais que regem a imputação de custos dedutíveis, mormente o princípio da especialização de exercícios (artigo 18.º do CIRC) e o princípio da homogeneidade entre custos dedutíveis e os rendimentos ou proventos sujeitos a imposto a que estejam ligados, de forma a que não seja atribuído um tratamento à causa (custo) e outro ao efeito (rendimento ou proveito), mormente no plano do âmbito de aplicação temporal do regime pertinente.
Conclui-se, pois, que o facto de certos encargos financeiros serem fiscalmente dedutíveis anteriormente no âmbito da determinação da matéria colectável de uma certa sociedade não significa, só por si, que o sejam necessariamente nos mesmos termos no âmbito da sociedade que, por fusão, incorporou aquela.» 20) Concluindo-se que: «independentemente da assunção do empréstimo em causa pela Requerente ter resultado de uma operação de fusão, impõe-se declarar que os custos contabilizados pela Requerente no exercício em causa com os encargos financeiros respeitantes a tal empréstimo, na parte em que se referem às mencionadas participações sociais na própria Requerente, não satisfazem o requisito da indispensabilidade dos custos/gastos imposto para efeitos fiscais pelo art. 23.º do CIRC, dado faltar a necessária afetação dos custos ao interesse empresarial e à atividade produtiva próprios da Requerente».
21) O regime especial de neutralidade fiscal, na sua essência, consubstancia-se, por um lado, num regime de diferimento da tributação das mais-valias ou menos valias e outros resultados apurados, na sociedade incorporada, por motivo da transferência dos elementos patrimoniais em consequência da fusão (cfr. n.º 1 do art.º 74.º do Código do IRC) e, por outro, na adopção em matéria de determinação do lucro tributável da sociedade incorporante (cf. n.º 4 do art.º 74.º), no respeitante aos elementos patrimoniais transferidos, no seguimento das mesmas regras de depreciação ou amortização, a par da transmissibilidade dos prejuízos fiscais, nas situações em que a lei o permite.
22) A aceitar-se a dedutibilidade dos encargos financeiros, como defende o Acórdão arbitral recorrido, isso sim equivaleria a introduzir-se uma distorção no regime de neutralidade da fusão.
23) Previamente à fusão, os gastos financeiros eram fiscalmente dedutíveis porque as ações adquiridas com o recurso ao financiamento encontravam-se a gerar benefícios económicos para a sua detentora. Com a fusão, ainda que operada de acordo com as regras do direito comercial, as ações adquiridas com o recurso...
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