Acórdão nº 245/19.0PTCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelVASQUES OSÓRIO
Data da Resolução22 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

… Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I Por sentença de 15 de Julho de 2020, foi o arguido AA condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez … Inconformado com o decidido, o arguido recorreu para esta Relação que, por acórdão de 23 de Novembro de 2022 … confirmou a decisão recorrida.

* Por requerimento de 9 de Dezembro de 2022 [fls. 303], em reclamação para a conferência, completado pelo requerimento de 14 de Dezembro de 2022 [fls. 307 e ss.] veio o arguido invocar, a título de questão prévia, a violação do princípio do juiz natural … mais invocando ainda, a nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronúncia … * … II O recorrente suscita, na reclamação apresentada, duas distintas questões: - A violação do princípio do juiz natural; e - A nulidade do acórdão reclamado, por omissão de pronúncia.

Decidindo.

* Da violação do princípio do juiz natural 1. Alega o recorrente mostrar-se violado o princípio do juiz natural, com assento constitucional no nº 9 do art. 32º da Lei Fundamental, uma vez que, conferindo o art. 3º, nº 1, a) do Regulamento do Conselho Superior da Magistratura nº 269/2021, de 22 de Março, competência ao Plenário deste Conselho para, sem prejuízo das competências próprias ou delegadas dos respectivos presidentes dos tribunais, proceder a alteração da distribuição e à redistribuição de processos nos Tribunais superiores, em articulação com os presidentes dos tribunais, e tendo nestes autos, em 5 de Setembro de 2022, ocorrido um termo de cobrança e redistribuição elaborado pelo Sr. Escrivão de Direito, remetendo os autos à secção central para redistribuição, dada a baixa médica prolongada da Sra. Desembargadora Relatora, donde que, a submissão dos autos a nova redistribuição, foi feita por quem não dispunha de competência para o efeito, nos termos da supra citada norma do Regulamento nº 269/2021, de 22 de Março … Vejamos.

Dispõe o nº 9 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa que, nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior. É deste modo que o legislador constitucional define o princípio do juiz natural, enquanto corolário do princípio da legalidade em matéria penal.

O princípio do juiz natural não existe, como é bom de ver, como garantia dos juízes, mas como garantia dos cidadãos, prevenindo as interferências e arbitrariedades do poder do Estado.

Basicamente, o que está em causa é assegurar que a designação de um juiz ou de um tribunal para conhecer de determinada causa observou as prescrições da lei. Para tanto, as normas orgânicas e processuais reguladoras da matéria devem permitir a determinação do tribunal que há-de decidir o processo, fundada em critérios objectivos, não sendo, portanto, admissível que essa determinação resulte de critérios discricionários (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, 2007, Coimbra Editora, pág. 525, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, Coimbra Editora, pág. 362, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Edição, 1974, Reimpressão 2004, Coimbra Editora, págs. 321 e seguintes, e Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, 1, 2017, Universidade Católica Editora, pág. 61). Assim, como ensina Figueiredo Dias (op. e loc. cit.), o princípio do juiz natural [ou do juiz legal] procura sancionar, de forma expressa, o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, e não ad hoc criado ou tido como competente.

O princípio do juiz natural comporta três dimensões, a saber: a exigência de determinabilidade, que determina que o juiz chamado a decidir no caso concreto esteja previamente determinado através de leis gerais; o princípio da fixação de competência, que obriga à observância das competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz, e; a observância das determinações de procedimentos relativos à distribuição de processos, portanto, relativos à divisão funcional interna (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. e loc. cit.).

Como se disse já, o princípio em causa visa garantir ao arguido que o processo, o seu processo, é julgado pelo juiz competente para o efeito, em observância do disposto em lei anterior.

Não tem, no entanto, natureza absoluta, podendo haver lugar à sua derrogação em circunstâncias extraordinárias, designadamente, quando o juiz natural não ofereça, no caso concreto, as imprescindíveis garantias de isenção e imparcialidade, ou quando, devido a doença prolongada daquele, o processo fique sem movimentação por período de tempo não razoável.

  1. In casu, questiona o recorrente a observância das determinações de procedimentos relativos à distribuição de processos, portanto, à divisão funcional interna.

    Vejamos.

    O Regulamento do Conselho Superior da Magistratura n.º 269/2021 (DR, 2ª série, nº 56, de 22 de Março de 2021, estabelece, no seu art. 3º, com a epígrafe...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT