Acórdão nº 394/19.4T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2023
Magistrado Responsável | LUÍS CRAVO |
Data da Resolução | 14 de Março de 2023 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Apelações em processo comum e especial (2013) * Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., ..., ..., instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Quinta ..., ..., ..., pedindo que este seja condenado a pagar ao Autor, no prazo de 120 dias, a quantia de € 90.446,34, acrescida de juros de mora, à taxa legal, no valor de € 3.350,23.
Para tanto, alega, em síntese, que o contrato outorgado no dia 8 de março de 1988, através do qual comprou ao Réu os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os números ...1 e ...2, foi declarado nulo, por simulação, por sentença proferida a 19 de dezembro de 2002 no âmbito da ação que correu termos sob o número ....
Sucede, porém, que, tendo tomado posse dos referidos prédios logo após a celebração da escritura pública de compra e venda a que se aludiu, o Autor providenciou, entre os anos de 1988 e 1999 e entre os anos de 2000 e 2002, pela realização de obras de melhoramento dos mesmos.
Por essa razão, o Autor e a sua esposa instauraram contra o Réu a ação declarativa que correu termos sob o número 572/05...., no âmbito da qual solicitaram, para além do mais, que se declarasse que são os proprietários do prédio no qual foram executadas as obras a que se aludiu, em virtude de o terem adquirido por acessão industrial imobiliária, ou, subsidiariamente, que o Réu fosse condenado no pagamento da quantia correspondente ao preço pago pela aquisição do imóvel, devidamente atualizada, e do valor das benfeitorias que nele foram realizadas, o que perfaz o montante global de € 512,073,00.
No entanto, a referida ação declarativa foi julgada improcedente por sentença proferida a 23 de março de 2017, tendo o Réu sido absolvido de todos os pedidos formulados pelos Autores.
De todo o modo, refere-se na fundamentação da mencionada sentença que os Autores executaram as obras por si indicadas de má fé, razão pela qual, em conformidade com o disposto no artigo 1341º do Código Civil, apenas lhes assiste o direito de receber o valor das despesas cujo pagamento suportaram caso o Réu não opte pela destruição das obras incorporadas no prédio de que é proprietário.
Assim, uma vez que o Réu, contrariamente ao que sustentou no articulado de contestação apresentado no âmbito da ação declarativa atrás identificada, não procedeu à destruição das obras em causa, pretende o Autor, por via do instituto do enriquecimento sem causa, receber o valor correspondente às despesas efetuadas com a realização de tais obras.
* Devidamente citado para os termos da presente ação declarativa, o Réu veio aos autos apresentar a sua contestação, impugnando a generalidade dos factos alegados pelo Autor e esclarecendo que demoliu a maior parte das obras pelo mesmo executadas.
Por outro lado, acrescenta ainda o Réu que, para além de terem sido executadas de má fé, as obras realizadas pelo Autor “foram igualmente feitas ilegalmente e sem autorização e licenciamento camarário”, motivo pelo qual “teve o ora Réu que proceder à legalização de todas as obras, para o qual teve de solicitar a realização de projeto de alterações, no qual despendeu a quantia de 2.130,35 € (…)”.
De igual forma, o Réu “teve de mandar realizar a certificação energética do prédio onde despendeu a quantia 749,64 €”, pagou € 1.104,81 à Câmara Municipal ... pela emissão do alvará e suportou ainda o pagamento da quantia de € 8.500,00 “em pessoal, material e máquinas” para a realização das alterações.
Por fim, alega também o Réu que deduziu contra o Autor o incidente de liquidação que corre termos sob o número 572/05...., no âmbito do qual reclamou o pagamento, por parte do Autor, da quantia de € 474.237,57, acrescida de juros de mora contados desde a data da notificação até integral pagamento.
Assim, invocando a causa de extinção das obrigações consistente na compensação a que alude o artigo 847º do Código Civil, conclui o Réu que “deverá atender-se à compensação dos débitos e créditos das partes”.
* A audiência prévia foi dispensada, tendo sido proferido despacho saneador, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova (cfr. referência n.º 31725477).
Procedeu-se à realização da audiência final, com observância de todas as formalidades legais aplicáveis, conforme resulta das atas respetivas (cfr. referências n.º 34333607 e n.º 34698560). Na sentença, considerou-se, em suma, que em face do efeito positivo do caso julgado formado pela sentença proferida no âmbito da ação que correu termos sob o nº 572/05...., o Autor apenas tem o direito ao recebimento de uma indemnização, por via do enriquecimento sem causa, caso o Réu “opte por preferir ficar com as obras e plantações feitas”, no contexto do que resultou apurado que subsistia um conjunto de obras relativamente às quais, o Réu não só não providenciou, como não veio aos autos invocar qualquer intenção ou interesse em promover a destruição de tais obras, face ao que «(…) impõe-se concluir que, em face do que foi já decidido no âmbito da ação número 572/05...., assiste ao Autor, nos termos previstos no artigo 1341º do Código Civil, o direito de receber o “valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa”», o que se calculou no montante total de € 37.436,90, sucedendo, em contraponto, que existe um crédito do aqui R. sobre o aqui A., embora ilíquido, que já está judicialmente reconhecido e abrangido pelo efeito positivo do caso julgado formado pela sentença no âmbito da dita ação que correu termos sob o nº 572/05...., donde, «(…) não poderá deixar de proceder a exceção perentória de compensação de créditos invocada pelo Réu em sede de contestação, mas apenas na parte relativa ao crédito (ilíquido) já reconhecido (…)», em consequência do que, «(…) impõe-se declarar a extinção do crédito de que o Autor é titular e que ascende, como decorre do que foi já mencionado, ao montante global de € 37.436,90 até ao valor do crédito que vier a ser quantificado no âmbito do incidente de liquidação que já se encontra pendente», o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”: «IV. Decisão Em face do exposto, nos termos e com os fundamentos indicados, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno o Réu BB a pagar ao Autor AA a quantia de € 37.436,90 (trinta e sete mil, quatrocentos e trinta e seis euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4%, contados desde o dia .../.../2019 até integral pagamento, absolvendo o Réu do pedido de pagamento da restante quantia peticionada.
Mais decido julgar procedente a exceção perentória de compensação de créditos invocada pelo Réu e, em consequência, declarar extinto o crédito de que o Autor é titular, no montante de € 37.436,90 (trinta e sete mil, quatrocentos e trinta e seis euros e noventa cêntimos), até ao valor que vier a ser fixado no âmbito do incidente de liquidação que corre termos sob o número 572/05...., sem prejuízo, naturalmente, do pagamento do remanescente que possa ser devido pelo Réu, a determinar nos termos dos artigos 713º e 716º, n.º 1, ambos do CPC, caso a quantia fixada no âmbito desse incidente seja inferior à mencionada (€ 37.436,90).
Custas a cargo do Autor e do Réu, na proporção do respetivo decaimento, que fixo, respetivamente, em 60,09% e 39,91% (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Réu.
Registe e notifique.
» * Inconformado com essa sentença, apresentou o Autor recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1.ª A decisão constante da sentença judice é errada, em termos adjetivos e substantivos, merecendo censura ad quem.
Quanto ao primeiro parágrafo decisório, 2.ª A procedência parcial do pedido formulado pelos A./Apelante, traduzida no primeiro parágrafo decisório da sentença, reflete uma incorreta análise da prova carreada e produzida para/nos autos, baseia-se em factos incorretamente julgados como não provados, fundamenta-se na não produção de certos meios de prova requeridos, que o deveriam ter sido, e é contrária ao direito substantivo aplicável.
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Foram incorretamente dados como não provados os factos descritos nos números 4 e 6 dos factos não provados da sentença, que deveriam ter obtido resposta positiva.
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As obras dadas como provadas em 8., 10., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., e 16. dos factos provados da sentença proferida em 23.03.2017 no processo n.º 572/05.... estão abrangidas pela autoridade de caso julgado, por serem um antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado aí proferido, pois que, foi por se ter dado como provada a realização de plantações e obras no(s) prédio(s) do R./Apelado que se julgou improcedente o pedido aí formulado pelo aqui A./Apelado, e procedente o pedido reconvencional aí deduzido pelo aqui R./Apelado [cf. Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA datado de 26.11.20, referente ao processo n.º 7597/15.9T8LRS.L1.S 1, disponível em www.dgsi.pt].
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O facto descrito no n.º 4 dos factos não provados da sentença deveria ter sido julgado como provado, em coerência com o que foi dado como provado em 8. e 9. da sentença proferida no processo n.º 572/05...., devidamente transitada em julgado e com força de autoridade de caso julgado, junta a estes autos como documento n.º 3 da petição inicial, e, bem assim, com o depoimento prestado em sede de julgamento pela testemunha CC, que se revelou sério, isento, objetivo e credível – cf. minutos 01:47 a 06:13 do ficheiro áudio 20220613094058 _1766450_2870661.wma –.
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Considerando o objeto e os temas da prova fixados, o tribunal a quo não poderia ter indeferido a inspeção judicial ao local que, pese embora requerida pelo R./Apelado, se revelava necessária e útil, porquanto o objeto determinado para a perícia que foi realizada nos autos não visou o apuramento da inexistência ou existência in loco das...
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