Acórdão nº 278/19.6T8FAF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório I.1 AA, BB, CC, DD, e, EE, interpuseram recurso de revista do Acórdão proferido pela ... Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em 21 de Abril de 2022 que revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância quanto aos pedidos de: - serem os Réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra aquele direito dos Autores; - serem os Réus condenados a pagarem aos Autores uma indemnização pela ocupação ilícita e abusiva do apartamento T3 – recuado 3º piso -, à razão de 500.00€ por mês, desde Abril de 2018, ou se assim não se entender, desde Janeiro de 2019, e até efectiva desocupação do mesmo, calculando-se os montantes já vencidos em 5.500.00€, julgando-os improcedentes, requerendo a revogação do acórdão recorrido com confirmação da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Apresentaram alegações de recurso que culminam com as seguintes conclusões: DO DIREITO: 1.

O novo regime do arrendamento urbano (NRAU) consta da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, sendo que, relativamente às normas transitórias, importa ter em conta o disposto art.º 27.º do NRAU que com respeito aos contratos com fins habitacionais celebrados antes da vigência do Decreto-Lei 321-B/90 de 15 de Outubro (RAU), dispõe que aos mesmos se aplicam as normas previstas nesse capítulo, onde se inserem os art.º 30.º a 37.º que definem as regras a observar quando o senhorio pretenda usar da faculdade de atualizar a renda e de fazer transitar o contrato de arrendamento para o regime do NRAU.

  1. O art.º 30.º do NRAU confere ao senhorio a iniciativa de despoletar a atualização da renda e a passagem do contrato de arrendamento para o regime do NRAU, comunicando-o ao arrendatário com os elementos previstos nesse artigo, o que é condição de eficácia da comunicação.

  2. A esta comunicação deve o arrendatário responder no prazo e nos termos previstos no art.º 31.º, podendo aceitar ou opor-se à renda, e neste último caso, pode propor nova renda, e pronunciar-se quanto ao tipo e duração do contrato (nº3 alíneas a), b) e c)), e ainda, invocar a previsão do n.º 4, ou seja, ter 65 ou mais anos de idade ou ter um rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a 5 retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), desta forma podendo limitar os efeitos por aquele pretendidos, nos termos previstos no art.º 35.º e 36.º 4.

    Caso o arrendatário se oponha ao valor da renda, propondo outro valor e opondo-se também ao tipo e duração do contrato, pode o senhorio, comunicar se aceita ou não a proposta, sendo que, se declarar que aceita o valor proposto da renda, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1º dia do 2º mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário da comunicação, de acordo com o tipo e a duração acordados e caso não estejam de acordo, quanto ao tipo ou duração do contrato este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 5 anos (art. 33º nº4 b)).

  3. Revertendo ao caso dos autos, verificamos que por carta datada de 21 de Janeiro de 2013, os Autores (senhorios) comunicaram aos Réus (arrendatários) a sua intenção de que o contrato transitasse para o NRAU, que passasse a ser do tipo prazo certo de 1 ano, com novo valor da renda mensal no montante de 150,00€.

  4. Por carta datada de 26 de Fevereiro de 2013, os Réus responderam à missiva que antecede, opondo-se ao valor da renda e propondo o valor de 100,00€ (art.31º, nº3 b)), opondo-se também quanto ao tipo e à duração do contrato (art.31º, nº3 c)), e invocando além do mais, o fundamento do art. 31º, nº4, a), ou seja, o facto de o RABC do seu agregado familiar ser inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA).

  5. Por carta datada de 15 de Março de 2013, os Autores (senhorios), comunicaram que aceitavam a renda proposta pelos Réus, aludindo além do mais que, como não houve acordo quanto ao tipo e duração do contrato, consideravam que nos termos do art. 33º, nº4 al. b) do NRAU, o mesmo tinha o prazo de duração de cinco anos.

  6. No seguimento de tal missiva, os Réus (arrendatários) responderam por carta datada de 3 de Abril de 2013, onde declararam expressamente que, o contrato de arrendamento ficava submetido ao NRAU, com o valor da renda mensal de 100,00€, pelo período de 5 anos, valor esse devido a partir do 1º dia do 2º mês seguinte ao da receção da missiva que antecedia.

  7. No caso em apreço, entendeu o Tribunal recorrido que, um declaratário normal, colocado na posição dos senhorios, ao receber aquela missiva, de resposta à por eles emitida a 15 de Março de 2013, deveria entendê-la, como uma resposta, confirmando o valor da renda e ainda o período de 5 anos de contrato, em razão da inexistência de acordo quanto ao tipo e duração do contrato, ou seja, 5 anos que resultam do art. 33º, nº4 b) do NRAU, por citado na sua carta.

  8. Todavia, não podemos concordar com tal entendimento.

  9. De acordo com o art.236º, nº1 do CC, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, perante o comportamento do declarante.

  10. A favor de que o sentido negocial é o de que o arrendamento transitou para o NRAU, concorre fundamentalmente o facto assaz, relevante e muito significativo de resultar desde logo da letra da lei, excluindo desse modo a interpretação que não tenha na letra da norma um mínimo de correspondência. Conforme dispõe o art. 33º, nº4 do NRAU, se o senhorio aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário, (os Réus propuseram 100,00€, que os Autores aceitaram), o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1º dia do 2º mês seguinte ao da receção da missiva pelo arrendatário, sendo que na falta de acordo quanto ao tipo e duração acordados -, repare-se que os Autores pretendiam que fosse pelo prazo certo de 1 ano, e os Réus opuseram-se -, considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos.

  11. Outrossim, a favor e em segundo lugar, temos essencialmente a declaração expressa dos Réus (arrendatários), na carta datada de 3 de Abril de 2013, que não permite, salvo melhor opinião, outro entendimento que não seja o de que as partes quiseram efetivamente fazer transitar o contrato de arrendamento para o NRAU (cfr. facto provado em I)).

  12. Se não era essa a sua vontade real, então, como autor da declaração, tinha de a deixar clara. Com efeito, é mais fácil ao declarante evitar uma declaração não coincidente com a sua vontade do que ao declaratário aperceber-se da vontade real do declarante (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1988, BMJ, 374, 436).

  13. Na dimensão valorativa das regras da experiência comum, entendemos que, se a vontade real dos Réus não era aceitar a transição integral e efetiva do contrato de arrendamento para o NRAU, tinham pois que, na carta de 3 de Abril de 2013, referir expressamente o contrário, reiterando a posição que inicialmente tomaram quando se opuseram à transição para o NRAU, mas não foi isso que sucedeu.

  14. Em face da declaração dos senhorios que desde o início manifestaram a sua intenção de transitar o contrato de arrendamento para o NRAU, não se pode atender a qualquer outro sentido, esta última declaração dos...

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