Acórdão nº 88/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 88/2023

Processo n.º 1196/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. Inc. e reclamado B., foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do despacho proferido em 18 de outubro de 2022, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pela reclamante.

2. O ora reclamado instaurou contra a ora reclamante ação condenatória no Juízo Central Cível de Lisboa, tendo sido julgada procedente a exceção de incompetência internacional por esta invocada, seguida da respetiva absolvição da instância.

2.1. Desta decisão o ora reclamado interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou a apelação improcedente.

2.2. Inconformado, o ora reclamado interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 7 de junho de 2022, concedeu revista, revogando o acórdão recorrido, julgando improcedente a exceção de incompetência internacional e determinado o prosseguimento dos autos.

2.3. A ora reclamante inovou então a nulidade do referido aresto por excesso de pronúncia, o que foi indeferido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de setembro de 2022.

3. A ora reclamante interpôs, então, recurso para este Tribunal, fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de junho de 2022 e 15 de setembro de 2022.

Fê-lo nos termos seguintes:

«A. Inc., ré nos autos acima identificados, tendo sido notificada do acórdão de 15.09.2022, que confirmou o acórdão de 07.06.2022, ambos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), vem deles interpor recurso para o Tribunal Constitucional face ao entendimento normativo adotado naqueles arestos dos art. 62.º, alínea b) do CPC, 9.º, e 351.º do CC e 38.º, n.º 1 da LOSJ, o que faz ao abrigo do disposto no art. 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) e art. 280.º, n.º 1, al. b) da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, bem assim, com os seguintes fundamentos:

I - Objeto e enquadramento do recurso

1. Nestes autos o autor, jogador de futebol, imputa responsabilidade civil extracontratual à ré, sociedade norte-americana nos termos do art.º 483.º do CC, por alegada inclusão não autorizada da sua imagen nos videojogos FIFA.

2. Os acórdãos do STJ de 07.06 e 15.09.2022, determinaram que os tribunais portugueses têm competência internacional para o presente litígio, exclusivamente através de uma interpretação normativa contra legem e em manifesta violação das disposições e princípios constitucionalmente consagrados: (i) princípio do estado de direito (e seus subprincípios da legalidade, da proteção da confiança dos cidadãos e da certeza e da segurança jurídicas), (ii) princípio do processo equitativo e, bem assim, dos (iii) princípios da separação dos poderes e do dever de obediência à lei.

3. Com efeito, como se verá, as conclusões jurídicas contidas naqueles acórdãos em matéria de competência internacional:

(i) assentam exclusivamente em factos que não estão articulados na petição inicial pelo autor e que não integram a causa de pedir, mas que, ainda assim, foram utilizados pelo STJ, em última instância, por meio de sucessivas presunções judiciais manifestamente ilegais; e

(ii) aplicam ilegalmente, suportadas nessas presunções, um denominado "critério normativo de centro de interesses', critério inexistente na lei aplicável ao caso, não se verificando qualquer lacuna que implicasse o seu emprego

operando-se por isso uma interpretação normativa manifestamente inconstitucional dos art.s 9º e 351º do CC. 62.º alínea b) do CPC e arts 38.º, n.º 1 da LOSJ.

4. Em primeira e segunda instância haviam sido proferidas decisões decretando a incompetência internacional dos tribunais portugueses, decisões essas agora revogadas pelo STJ,

5. Aliás, este litígio integra-se num conjunto de 25 (vinte e cinco) ações intentadas contra a ora ré por jogadores e ex-jogadores de futebol, portugueses e estrangeiros, por intermédio do mesmo mandatário judiciai, nas quais a causa de pedir, os factos elencados na PI e o quadro legai invocado são essencialmente os mesmos a apreciar nestes autos,

6. Daí que, tal como nos presentes autos, em todas essas 25 ações se tenha vindo a discutir ao longo dos últimos 3 (três) anos a questão da incompetência onternacional dos tribunais portugueses.

7. Tendo a jurisprudência vindo a reveiar-se consensual ao concluir que efetivamente os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes.

8. Mais concretamente, no sentido da incompetência dos tribunais portugueses foram já proferidos 8 (oito) acórdãos por todos os 5 (cinco) Tribunais da Relação portugueses e todos por unanimidade. Foram também proferidas 16 (dezasseis) sentenças pelos tribunais de primeira instância decretando a incompetência dos tribunais portugueses no âmbito das referidas 25 ações.

9. Em suma, até à prolação do primeiro acórdão do STJ de 24.05.2022, no Proc. n. 3853/20.2T8BRG.G1.SI, cuja fundamentação se adotou nestes autos, as decisões dos tribunais superiores foram todas no sentido de declarar a incompetência internacional.

10. Daí que a pertinência do presente recurso extravase o âmbito destes autos porque a mesmíssima questão - interpretação dos art. 9º e 351º do CC, do art. 62º, alínea b) do CPC e do art. 38º, nº 1 da LOSJ, em sentido inconstitucional - se mostra colocada, nos exatos mesmos moldes, em todas as demais ações judiciais.

11. Com efeito, o mandatário dos autores nas demais ações tem junto estes acórdãos do STJ e, no uso do direito de contraditório, a ré suscitou a inconstitucionalidade do entendimento normativo efetuado pelo STJ.

12. A surpreendente interpretação perfilhada nos acórdãos do STJ em crise afastou completamente o quadro jurisprudencial nacional há muito consolidado de apreciação da competência: "...para se determinar a competência do tribunal haja avenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados."

13. Esclarecendo-se, em detalhe na fundamentação que;

- "... é pelo pedido do autor que se afere da competência material do Tribunal, mesmo aue a acao tenha sido deduzida incorretamente, tanto do ponto de vista adietívo como do direito substantivo, isto é, o autor é soberano nesta sede, pois o Tribunal tem de atender ao pedido tal como ele é apresentado, Trata-se de mais uma manifestação do princípio da autorresponsabUidade das partes segundo o aual elas litigam por sua conta e risco. Por isso, se a açõo for incorretamente Intentada, o seu eventual insucesso é questão que está para além da problemática da competência material do Tribunal, não lhe diz respeito," (destaque nosso).

14. Os acórdãos do STJ extravasam os factos articulados na petição inicial pelo autor e convocam realidades factuais extra, por exercício de especulação sobre os factos carreados na petição inicial, acabando por estabelecer a competência exclusivamente com base em factos não articulados pelo autor na petição inicial.

15. A competência está baseada apenas na extrapolação de facto alegado na petição inicial - exercício de atividade profissional em Portugal - para a consideração de factos não articulados pelo autor - localização dos seus interesses pessoais e patrimoniais em Portugal e concretização e repercussão na sua esfera, quando o autor estava em Portugal.

16. A fundamentação de facto e de direito da decisão de competência internacional está suportada exclusivamente na utilização de factos presumidos e no critério de centro de interesses, sem os quais o sentido decisono seria diametralmente oposto.

17. Nos acórdãos do STJ em crise não se reconhece, naturalmente, a utilização de presunções judiciais, sob pena do Tribunal assumir a prática de inconstitucionalidade e ilegalidade e acabar por mantê- las.

18. Sucede que, como se identifica de imediato, as decisões revidendas são bastante explícitas no recurso ao que legalmente se define como presunção judicial - estabelecimento de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido:

A) Acórdão de 07.06.2022:

- ao estabelecer-se o quadro factual relevante para a decisão, o acórdão acrescenta, ao citar o artigo 6. da petição inicial “...designadamente em Portugal...” (pág. 10), artigo no qual apenas consta que "O Autor teve conhecimento que a sua imagem, nome e características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados FIFA, ou seja, o acórdão adita referência factual territorial que não estava na petição inicial;

-a referência ao exercício da atividade de futebolista profissional em Portugal não integra facto da causa de pedir que orbita apenas à volta da alegada violação do direito de imagem do autor de forma não autorizada e não com o clube onde o mesmo jogava (pág. 26);

- reconhece-se ser impossível, da leitura da petição inicial, identificar o local dos danos (pág. 34), mas supõe-se que os mesmos serão no local onde o autor tem o seu centro de interesses pessoais e profissionais, sendo que estes dois locais não estão alegados na petição inicial: nem o local de concretização e repercussão dos danos, nem o local do centro de interesses do autor; -sem que o autor articule tais factos na petição inicial, o acórdão presume que (i) foi em Portugal que a utilização do seu nome poderá ter influído na comercialização dos videojogos, (ii) foi em Portugal que o autor terá experíenciado perturbação, desgosto, tristeza e revolta, (iii) é em Portugal o centro de interesses do autor e (iv) é nosso país onde os danos terão ocorrido (pág. 35 e 36).

B) Acórdão de...

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