Acórdão nº 116/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023

Data16 Março 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 116/2023

Processo n.º 28/2023

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, A. e B., ora reclamantes, interpuseram recursos de constitucionalidade – ambos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante LTC) – do acórdão desse Tribunal que, em 14 de dezembro de 2022, decidiu «não tomar conhecimento dos recursos interpostos por A. e B.».

2. Pela Decisão Sumária n.º 42/2023, decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer dos objetos dos respetivos recursos interpostos pelos arguidos (cf. fls. 448-512).

2.1. Em relação ao recurso interposto por A., entendeu-se o seguinte:

«(…)

6. Atentando-se, primeiramente, no objeto do recurso interposto pelo recorrente A., constatamos que o arguido não logra apresentar uma questão de constitucionalidade suscetível de constituir objeto idóneo da pretensão manifestada.

A inidoneidade do objeto deste recurso verifica-se, desde logo, através dos preceitos legais sobre os quais assentou o enunciado pretensamente inconstitucional: é que o recorrente, ao requerer a «apreciação da inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade, e da violação do disposto nos artigos 18º nº 2 da C.R.P., 70º do C.P. e 32º nº 5 da C.R.P, quando interpretados no sentido de que uma alteração no elenco de factos dados como provados, reduzindo a atividade ilícita do arguido que a pratica não tem relevância na medida da pena a cominar» (cf. fls. 201), integra os preceitos constitucionais no objeto de apreciação. Ora, como é evidente, os preceitos constitucionais servem como parâmetro de apreciação das normas infraconstitucionais e não como objeto de apreciação.

Em todo o caso, atendo-nos sobre aquele enunciado, bem como sobre o teor integral da referida peça processual, resulta evidente que o intuito do recorrente se traduz na sindicância da decisão jurisdicional concreta, na vertente da apreciação casuística, dimensão que se encontra, legal e constitucionalmente, subtraída à esfera de competências do Tribunal Constitucional.

Efetivamente, o recorrente expressa a sua discordância relativamente ao sentido decisório promovido pelo tribunal a quo, quanto à manutenção da medida da pena estabelecida pelo tribunal de 1.ª instância, em face da alteração de um dos factos dados como provados. Em concreto, considera que «[c]om a alteração realizada diminuiu-se o quantum do ilícito praticado uma vez que objetivamente se diminuiu a frequência de vezes em que o arguido traficou droga», considerando que a pena deveria ter sido reduzida. Assim não tendo sido, o recorrente insurge-se contra a própria decisão confirmatória proferida pelo Tribunal da Relação do Porto. Pretende, por isso, obter uma decisão em sentido distinto, que promova o deferimento da aludida pretensão.

A este propósito, pode ler-se, no Acórdão n.º 633/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, bem como os demais arestos deste Tribunal adiante citados), o seguinte:

“(…) sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).

Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida (…)”.

Nestes termos, desde logo por inidoneidade do respetivo objeto se concluiria pela respetiva inadmissibilidade do presente recurso.

Em suma, revela-se patente que da delimitação do objeto do recurso agora feita não emerge uma verdadeira questão normativa que possa ser apreciada pelo Tribunal Constitucional, mas tão-somente uma divergência quanto à medida da pena que lhe foi aplicada. Assim, assume relevância a forma como é enunciada a questão de constitucionalidade, designadamente no que respeita às referências dela constantes às particularidades da tramitação do caso concreto – em particular quando integra, no enunciado, a sua ilação quanto à «redu[ção] [d]a atividade ilícita do arguido que a pratica. Tal indicia que o propósito do recorrente é sindicar a própria decisão recorrida, e não, como é exigível, um determinado critério normativo autónomo, devidamente destacado da decisão concreta, com carácter de generalidade e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações.

A mesma conclusão se impõe quando, na parte final do requerimento em análise, o recorrente afirma que «a pena cominada é manifestamente violadora do disposto nos artigos 18º nº 2 da C.R.P. e 70ºdo C.P. uma vez que é excessiva face ao grau de culpa apurado». Efetivamente, a formulação desta questão acaba por evidenciar os fundamentos de inidoneidade do objeto do presente recurso supra expostos, em particular quanto à intenção do recorrente de obter a reapreciação da decisão recorrida, quanto à determinação da medida da pena.

É, pois, transparente que não está colocada no recurso a sindicância da compaginação de um ato normativo para com princípios ou normas constitucionais (ou legais/convencionais), mas, apenas e somente, impulso impugnatório que aborda o Tribunal Constitucional como se de uma instância de controlo e de revisão das decisões jurisdicionais adotadas se tratasse.

Temos por isso que o recurso interposto é inidóneo face à ausência de carácter normativo do seu objeto.

7. Importa, ainda, destacar que, por força do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, impunha-se que a questão de constitucionalidade a apreciar nesta instância tivesse sido apresentada em momento processual prévio à prolação da decisão recorrida, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria. Para que se considerasse cumprido este ónus, era necessário que o recorrente tivesse identificado o critério normativo cuja sindicância pretenderia, reportando-o ao específico segmento legal ou conjugação de segmentos legais de que o mesmo seria extraível, e enunciando-o de forma que, caso o Tribunal Constitucional concluísse por um juízo de inconstitucionalidade, pudesse limitar-se a reproduzir tal enunciação, assim permitindo que os destinatários da decisão e os operadores do direito em geral ficassem esclarecidos sobre o específico sentido normativo considerado desconforme à Constituição (vide Acórdão n.º 367/94). Assim, as exigências de normatividade assinaladas quanto à identificação da questão de constitucionalidade perante este Tribunal impõem-se, igualmente, no momento da respetiva suscitação perante o tribunal recorrido.

Compulsadas as conclusões das motivações de recurso – momento processual próprio para suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, i.e., o Tribunal da Relação do Porto – constata-se que o recorrente não enuncia qualquer questão de constitucionalidade normativa. Ao invés, limitou-se a invocar, na conclusão 7., que «[n]a ausência de meios de prova ocorre manifesta violação do disposto no artigo 32º nº1 da C.R.P, uma vez que não apurando os concretos atos de venda a cabo pelo arguido, teria por força do princípio in dúbio pro reo decidir a favor do arguido no apuramento da concretização ou não do ato,» (cf. fls. 361, verso) e a indicar como «normas jurídicas violadas», entre outras, o artigo 18.º, n.º 2, da CRP (cf. conclusão 16., fls. 365). Ora, para além da evidente falta de normatividade da questão suscitada naquela peça processual – constatando-se a inadequação da sua respetiva suscitação –, denota-se, no presente caso, a falta de identidade entre a questão suscitada perante o tribunal recorrido e a questão suscitada perante este Tribunal, o que permite concluir que a questão de constitucionalidade apresentada perante este Tribunal não foi previamente suscitada. Assim, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, o recorrente carece de legitimidade para ver esta questão apreciada pelo Tribunal Constitucional.

8. Assim, resta concluir quanto a este recurso, em face de todo o exposto, pela existência de vícios da respetiva instância constituída por falta de verificação de pressupostos processuais típicos e próprios do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obstam à apreciação de mérito de ambos os...

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