Acórdão nº 00370/22.0BEAVR-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução10 de Março de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO Nos presentes autos em que é Requerente Dr. AA e Requerido o Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados, ambos neles melhor identificados, foi proferido, pelo TAF de Aveiro, Despacho que, julgando procedente o incidente, declarou a ineficácia do ato que determinou a suspensão da inscrição do Requerente.

É este o seu discurso fundamentador: Convocando, desde já, o quadro legal e as interpretações jurisprudenciais relevantes.

Dispõe o artigo 128º do CPTA, sob a epígrafe «[p]roibição de executar o ato administrativo», nos seus nºs 1 a 4, que: «1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.

2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.

3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.

4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida».

A propósito deste preceito, e no que de mais relevante se apresenta para o caso concreto, tem a jurisprudência se pronunciado no sentido de que: (i) por se tratar, antes de mais, de uma pronúncia sobre os atos de execução, o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida apenas pode ser suscitado após a prática dos mesmos, os quais devem estar devidamente identificados, cabendo ao requerente demonstrar a sua verificação [cf., entre outros, o Acórdão do TCAS de 10-12-2019, proferido no processo nº 539/19.4BELSB-S1]; (ii) apenas a edição de atos de execução posteriores à apresentação da resolução fundamentada permite lançar mão do vertente incidente de declaração de ineficácia de tais atos, não podendo ter-se por indevida a execução se os atos [de execução], cuja declaração de ineficácia é pretendida, forem praticados antes do recebimento pela autoridade administrativa do duplicado do requerimento inicial do processo cautelar [cf., nomeadamente, os Acórdãos do TCAS de 16-04-2020 e 30-03-2017, proferidos nos processos nº 1154/18.5BELSB-S1 e 964/16.2BESNT]; (iii) a execução do ato suspendendo não ocorre somente através da edição de atos administrativos, podendo também suceder através da prática de atos materiais, desde que inequivocamente reveladores da concretização de uma efetiva operatividade do ato suspendendo [cf. do TCAS de 16-04-2020, proferido no processo nº 1154/18.5BELSB-S1]; (iii) deve, contudo, a expressão «execução do ato», constante do nº 2, ser tomada em sentido restrito ou próprio, de execução do ato administrativo em si mesmo, feita pela Administração para prossecução de um interesse público, não sendo todos os atos consequentes, necessariamente, atos de execução [cf. o Acórdão do TCAN de 11-01-2019, proferido no processo nº 02031/18.5BEPRT-S1]; (iv) a utilização da resolução fundamentada constitui um mecanismo, por natureza, excecional, devendo o juiz administrativo usar de especial exigência na fiscalização dos fundamentos em que se sustenta a resolução emitida [cf., nomeadamente, o Acórdão do TCAS de 16-04-2020, proferido no processo nº 1154/18.513ELS13-S1]; (v) o tribunal, no momento em que decide sobre a eficácia ou ineficácia dos atos de execução praticados ao abrigo da resolução fundamentada, deve verificar se aquela resolução existe e se está fundamentada no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução, que é a regra geral, seria gravemente prejudicial, e não apenas maçador, inconveniente ou até simplesmente prejudicial, para o interesse público [cf., entre outros, o Acórdão do STA de 06-11-2014, proferido no âmbito do processo nº 0858/14]; (vi) toda a suspensão da eficácia de ato administrativo prejudica, por definição, o interesse público que ele prossegue já que a paralisação provisória dos efeitos do ato afeta inevitavelmente, ao menos ratione temporais, os resultados a que ele se inclina; todavia, a emissão da resolução fundamentada por parte da Administração constitui o exercício duma prerrogativa que apenas faz sentido ser utilizada na medida em que seja indispensável para dar resposta a situações de especial urgência [cf., a título de exemplo, o já citado Acórdão do STA de 06-11-2014, proferido no âmbito do processo nº 0858/14].

Revertendo ao caso dos autos, e atentando no teor dos requerimentos apresentados pelo Requerente, constata-se, sem mais, que o mesmo pretende obter a declaração de ineficácia do despacho de 11-07-2022 «e dos correspetivos despachos materiais instrumentais de tal despacho visando a respetiva execução efetiva»; e, ainda, «dos atos de execução indevida de 2204-2022, bem como os demais despachos e atos instrumentais que conduziram à inativação do Requerente desde 03-05-2022 até 28-06-2022» [cf. fls. 1682 e 1791 do sitaf].

Cumpre, pois, e desde logo, referir que se revela destituída de qualquer fundamento a alegação da Requerida no sentido de que o Requerente não peticionara a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida [cf. fls. 1748/1757 e 1804/1819 do sitaf] [não sendo, por isso, de determinar, tal como por si requerido, que os requerimentos apresentados pelo Requerente sejam dados como não escritos e os documentos por si apresentados devolvidos].

No entanto, constata-se que o Requerente peticiona, nomeadamente, a declaração de ineficácia «dos atos de execução indevida de 22-04-2022, bem como os demais despachos e atos instrumentais que conduziram à inativação do Requerente desde 03-05-2022 até 28-06-2022», atos esses que se mostram anteriores ao recebimento pela Requerida do duplicado do requerimento inicial do processo cautelar [cf. alínea D) dos factos provados].

Ora, como se disse supra, apenas a edição de atos de execução posteriores à apresentação da resolução fundamentada permite lançar mão do vertente incidente de declaração de ineficácia de tais atos, não podendo ter-se por indevida a execução se os atos de execução, cuja declaração de ineficácia é pretendida, forem praticados antes do recebimento pela entidade requerida do duplicado do requerimento inicial do processo cautelar.

De facto, a entidade requerida só fica impedida de iniciar ou prosseguir na execução após a citação, não se podendo declarar a ineficácia de atos de execução praticados antes desse momento.

Tal não é, todavia, o que sucede em relação ao pedido de declaração de ineficácia do despacho de 11-07-2022 «e dos correspetivos despachos materiais instrumentais de tal despacho visando a respetiva execução efetiva».

Independentemente da questão de saber se o bloqueio às plataformas Citius e Sitaf, bem como ao certificado digital Multicert [e, eventualmente, aos pagamentos para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores] se tratam de atos materiais ou de atos consequentes, o que é certo é que, na decorrência do despacho de 11-07-2022 foi ao Requerente suspensa sua inscrição na Requerida, com as demais consequências daí, para si, advenientes [cf. alíneas H) e I) dos factos assentes].

Ora, tal suspensão configura, sem margem para dúvidas, um ato de execução do ato suspendendo [ato que determinou a suspensão administrativa do Requerente – cf. alínea a) dos factos assentes].

Impõe-se, pois, dar resposta, neste momento, à questão de saber se tal ato, como alegado pelo Requerente, configura um ato de execução indevida.

Devendo, para tanto, e nesse sentido, o tribunal verificar se aquela resolução existe e se está fundamentada no sentido de demonstrar que o diferimento da execução, que é a regra geral, seria gravemente prejudicial, e não apenas maçador, inconveniente ou até simplesmente prejudicial para o interesse público, tendo sempre presente que a utilização da resolução fundamentada constitui um mecanismo, por natureza, excecional, devendo o juiz administrativo usar de especial exigência na fiscalização dos fundamentos em que se sustenta a resolução emitida.

No caso, a resolução fundamentada existe. Resta, por isso, averiguar se está fundamentada no sentido de demonstrar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial, e não apenas maçador, inconveniente ou até simplesmente prejudicial para o interesse público.

Na fundamentação da sua resolução alegou, em síntese, a Requerida que: (i) a materialidade que se apurou no processo disciplinar revela infrações que são consideradas graves e muito graves, situando-se a ilicitude em nível de grande intensidade e a culpa em patamar elevado; (ii) estar-se-ia a abrir um precedente que seria gravemente prejudicial para o interesse público, designadamente por se permitir o diferimento do cumprimento das regras legais referentes ao cumprimento de sanções disciplinares; (iii) constitui sua obrigação a salvaguarda do seu prestígio e bom nome, assim como da dignidade e prestígio profissional de todos os advogados que condignamente exercem a profissão; (iv) conduta do Requerente afeta de forma grave e manifesta os interesses públicos que a ordem visa atingir, nomeadamente que todos os advogados inscritos na Ordem dos Advogados pautem as suas condutas por referência a comportamentos éticos e nobres para com clientes, colegas, a própria Ordem dos Advogados e a sociedade em geral.

Ora, atentando nos fundamentos elencados na resolução apresentada pela Requerida, não se consegue, de modo algum, vislumbrar em que medida é que diferimento da execução do ato suspendendo prejudica gravemente o...

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