Acórdão nº 01372/22.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução10 de Março de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIO AA, devidamente identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga providência cautelar contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, peticionando o provimento do referido meio processual por forma a ser suspensa a eficácia do Despacho proferido pela Diretora Regional do Centro Regional de ... do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [SEF], datado de 12.08.2022, que ordenou o indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência por si formulado e a notificação de abandono deste voluntário de território português.

O T.A.F. de Braga, em antecipação do juízo sobre a causa principal, julgou procedente a ação principal instaurada nos autos e, em consequência, (i) determinou a anulação do despacho proferido pela Diretora Regional do Centro do SEF de 12.08.2022 e, bem assim, (ii) condenou o Réu na prática do acto administrativo devido consubstanciado na concessão da autorização de residência do Autor, nos termos e para os efeitos do art. 88.° [e/ou do art. 123.°] da Lei n.° 23/2007, deferindo a pretensão requerida pelo Autor.

É desta sentença que o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [SEF] vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL, para o que alegou, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso: ”(…) 1. A ora recorrente não se pode conformar com o doutamente decidido, que considera padecer de erro de julgamento, devendo a douta sentença recorrida ser revogada.

  1. No caso presente, o requerente não dá pelo menos cumprimento à alínea i) do nº. 1 do art. 77º. da lei n.2 23/2007, por ter pendente sobre si uma Medida cautelar NSIS de interdição de entrada nos Estados Schengen, inserida pelos Países Baixos em 26.01.2021, válida até 23.01.2023, facto que, só por si, constitui óbice à concessão de um título de residência, pelo que nem sequer se afere necessário sopesar o cumprimento dos restantes requisitos com maior acuidade, porquanto, e como resulta dos citados preceitos, ainda que se mostrem cumpridos, de nada lhe servirá, atenta a cumulatividade dos mesmos.

  2. No mesmo sentido, também o preceituado no art. 25º. da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen (CAAS), de 14 de junho de 1985, estriba desde logo no seu n.º. 1, que, nestas circunstancias "... O título de residência só pode ser emitido por motivos graves, nomeadamente de natureza humanitária ou decorrentes de obrigações internacionais 4.

    Ora, à partida, não se verifica a existência de "motivos graves, nomeadamente de natureza humanitária ou decorrentes de obrigações internacionais" passíveis de acato para a eventual retirada da referida medida, implicando a improcedência do desiderato em causa.

  3. Reitere-se, que os requisitos do regime excecional de autorização de residência para exercício de uma atividade profissional subordinada, assumem carácter cumulativo, pelo que a inobservância de qualquer um deles, determina a impossibilidade de concessão de título de residência.

  4. Não faz pois qualquer sentido, solicitar-se a suspensão da eficácia de um acto administrativo que não pode ser objeto de qualquer execução.

  5. Com efeito, não advém do seu "incumprimento", e diretamente, qualquer consequência para o cidadão estrangeiro.

  6. Ao contrário do acolhido pela douta sentença, nunca poderia o Tribunal impor a concessão de uma autorização de residência, a menos que esteja em causa um manifesto desrespeito por princípios constitucionais, pois a apreciação e enquadramento do pedido formulado ao abrigo do art.º 88º da Lei de Estrangeiros é matéria de discricionariedade administrativa pelo que, atendendo ao princípio da separação e interdependência dos poderes constitucionalmente consagrado e também vertido no artº. 3º. do CPTA, não poderia o Tribunal a quo impor a “condenação à prática de acto devido consubstanciado em a Entidade Demandada conceder ao Autor o título de residência." 9."2.- O sentido do artigo 3º é, claramente, de abrangência dos poderes dos tribunais administrativos. Mas precisamente por isso, o legislador tem o cuidado de abrir, no n? 1, com um preceito que coloca o acento tónico nos limites que se impõem ao exercício desses poderes. 0 Código confere aos tribunais administrativos todos os poderes que são próprios e naturais do exercício da função jurisdicional, fazendo com que estes tribunais sejam, como todos os outros, tribunais dotados de poderes de plena jurisdição. Mas, tal como nas restantes ordens jurisdicionais, também o campo de atuação dos tribunais administrativos se restringe à aplicação da lei e do Direito. Isto significa que os tribunais administrativos não se podem substituir aos particulares na formulação de valorações que pertencem à respetiva autonomia privada, como também não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem caráter jurídico, mas envolverem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua atuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa.

  7. São vários os preceitos que, ao longo do Código, concretizam o princípio do artigo 3º, nº. 1, preservando dos poderes de condenação dos tribunais administrativos os "espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa": vejam-se, em particular, o artigo 71º, nºs. 2 e 3, de importância nuclear no que se refere aos poderes de pronúncia no domínio da condenação à prática de atos administrativos, o artigo 95 n? 5, para a hipótese em que tenha sido deduzido um pedido de condenação da Administração à adoção de atos jurídicos ou comportamentos, e o artigo 179º, nº. 1, quando se trate de proceder a essa mesma determinação no âmbito do processo de execução das sentenças de anulação de atos administrativos." (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, pág. 50e51).

  8. Neste contexto, e uma vez que a concessão de autorização de residência se situa no âmbito discricionário da atividade administrativa, não competia ao Tribunal substituir-se à Entidade Demandada na análise da situação, uma vez que tal apreciação poderá envolver a produção de valorações próprias do exercício da atividade administrativa, bem como, a produção, pela entidade administrativa competente, de atividade instrutória adicional, no que diz respeito à análise da factualidade subjacente ao pedido do requerente.

  9. Ou seja, ao não permitir a apreciação do caso concreto identificar apenas uma solução como legalmente possível, nos termos e para os efeitos previstos nos nºs. 2 e 3 do art.º 71º do CPTA, o tribunal não poderia determinar o conteúdo do ato a praticar, mas sim explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.

  10. Evidencia-se, assim, existir uma reserva de discricionariedade da Administração. Portanto, ou existem "vínculos jurídicos a condicionar, de qualquer modo, a atuação da Administração no caso em apreço, e pede-se a tribunal que averigue da sua existência e (em caso afirmativo) que os torne efetivos, ou não há vínculos desses e o tribunal só pode abster-se de julgar a conduta administrativa. Naqueles aspetos em que as decisões concretas da Administração releva de uma qualquer opção discricionária ou de uma margem de apreciação ou valoração autónoma , os tribunais administrativos - não conseguindo formular sobre essa opção um juízo de desconformidade com o bloco legal que lhe é aplicável - ficam, por lei, proibidos de exercer um controlo sobre elas" (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos anotados, Almedina, 2004, vol. I, pág. 123), 14. Desta forma, o nº. 1 do artigo 3º do CPTA evidencia a necessidade de salvaguardar o princípio da separação de poderes (cfr. artº. 111º. nº. 1 da CRP, nos termos do qual "os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição").

  11. Daí decorre a fixação de limites funcionais aos poderes de controlo tribunais administrativos, independentemente dos meios de que se possam socorrer.

  12. Em igual sentido, também o Ministério Público junto do Tribunal se pronunciou (Proc. nº. 1.75... – ... juízo – ... Secção), em defesa do presente entendimento, "Esse poder da Administração não pode ser sindicado pelo A. nos termos constantes desta instância, pois há uma clara amplitude da decisão que o legislador entendeu por à disposição da Administração para melhor exercer, em cada caso, os seus poderes".

  13. Não estamos, pois, como estriba o douto Parecer, perante um ato vinculado por parte da Administração, pelo que, com todo o respeito, não se compreende como pôde Mmo. Juiz a quo decidir, intimando o requerido "à prática da decisão de autorização de residência e consequente emissão do título de residência 18. Inequivocamente, e mais uma vez citando o douto Parecer do Ministério Público, a decisão a quo "viola o princípio da separação de poderes consignado no artigo 2.5 da Constituição (...) tanto mais que, como se alcança dos autos, quando foi proferida a sentença sobre o recurso ainda decorria a análise do processo do A. pelo SEF." 19.

    Não é, pois, compreensível, e muito menos aceitável, que o poder judicial, ao arrepio da lei, se imiscua no poder que esta mesmo ditou como exclusivo da esfera da Administração.

  14. Em suma, impõe-se sobre o assunto dizer, que a execução da presente Sentença implica tout court que o ora réu preterisse outras manifestações de interesse que estão nas mesmas circunstâncias (a aguardar a conclusão da análise) e que deram entrada em data anterior à do recorrido, com inequívoca violação das expectativas dos cidadãos interessados entretanto preteridos sem qualquer justificação aceitável e, sobretudo, que a discricionariedade da administração na prolação da decisão...

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