Acórdão nº 00830/22.2BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução10 de Março de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: IHRU – Instituto da Habilitação e da Reabilitação Urbana (Av.ª ..., ... ...), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, o qual absolveu da instância a demandada AA (Bairro ..., Rua ..., ..., ..., ... ...

), por falta de interesse em agir.

Conclui:

  1. Ainda que se considerasse ter existido a sustentada autotutela administrativa, a mesma deixou de ter consagração legal, por força da alteração do artigo 28º da Lei n.º 81/2014, operada pela Lei n.º 32/2016 de 24/8, cuja atual redação do nº 1 do artigo 28º determina que cabe ao aqui recorrente “levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.”, afastando expressamente o despejo administrativo, até por falta de meios humanos e materiais para que as entidades administrativas levem a cabo tais procedimentos de despejo; B) O nº 2 do artigo 28º, ao determinar que “são da competência exercida pelos dirigentes máximos, dos concelhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do art.2º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo de delegação”, apenas expressa que, qualquer despejo que seja instaurado, carece de autorização superior, no caso, do Conselho Diretivo do Autor, nada se extraindo no que respeita à propugnada autotutela declarativa e / ou executiva administrativa; C) Também o nº 4 do citado artigo 28º que dispunha “4 - Quando o senhorio for uma entidade diversa das referidas no n.º 1 do artigo 2.º, o despejo é efetuado através da ação ou do procedimento especial de despejo previstos no NRAU, e na respetiva regulamentação.”, foi revogado pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto, donde, todas as entidades aí referidas podem levar a cabos os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, artigo 28º/1 (in fine).

  2. Também os números 7 e 8 do artigo 34º da Lei 81/2014 de 19 de dezembro foram revogados pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto. Ao serem revogadas tais comunicações, deixou o senhorio de poder obter título bastante para desocupação de habitação e proceder ao despejo administrativo.

  3. A única forma que presentemente a Lei admite como despejo administrativo é a prevista no artigo 26º da citada Lei “Cessação do contrato por renúncia” e elencando aí os procedimentos que as entidades administrativas devem tomar para concretizar a posse do imóvel, sendo as demais por via judicial prevista no nº 1 do artigo 28º da citada Lei.

    Mas ainda que não se concorde inteiramente com o alegado, sempre se terá como claro e inequívoco que: F) Os Acórdãos citados pelo Tribunal assentam numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/ via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa; G) Na verdade, o diploma em causa – Lei nº 81/2014 de 19/12 – salvo melhor opinião, veio apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição, isto é, veio acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de uma lógica de celeridade de procedimentos.

  4. Assim sendo, o princípio geral estatuído na referida lei apenas poderá ser o seguinte: o senhorio pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, lançando mão da ação judicial e pode, ainda, utilizar em alternativa a resolução extrajudicial prevista na lei se verificar que essa possibilidade é mais expedita.

  5. Existindo situações em que só através da via judicial se obtém a resolução contratual (e, mais do que isso o despejo coercivo, atentas as limitações constitucionais), não é possível sustentar, com coerência, a exclusividade e imperatividade da via extrajudicial prevista no artigo 25º a 28º do citado diploma legal, sendo certo que conclusão contrária implicaria uma limitação injustificada do direito de ação do aqui Recorrente previsto no artigo 20º da CRP.

  6. Ademais, como bem refere a Doutrina mais avisada, para que haja interesse em agir exige-se apenas uma necessidade de recorrer aos tribunais justificada, razoável e fundada.

    Não tem de se traduzir numa necessidade absoluta e/ou única para a realização da pretensão deduzida pelo senhorio (vide A. Varela in Manual de Processo Civil, pg. 179).

  7. Está-se assim perante uma errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, e, consequentemente, preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20º da C.R.P.

    Sem contra-alegações.

    * A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de não provimento do recurso.

    * Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.

    * Os factos, que o tribunal “a quo” fixou como provados: A. O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP é proprietário do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...02, e na matriz predial da freguesia ... sob o artigo n.º ...59 (cf. documentos juntos aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

  8. A 21.02.2013, entre o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP e AA foi celebrado, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 166/93, de 07 de Maio, contrato de arrendamento para fim habitacional, em regime de renda apoiada...

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