Acórdão nº 194/20.9T8RMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório.

(…), portador do NIF (…), com domicílio na Quinta do (…), Rua do (…), (…), instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra (…) e (…), casados no regime da comunhão de adquiridos, com domicílio na Rua (…), Condomínio (…), fração (…), Rio Maior, alegando que, assim como os Réus, é proprietário de fração em prédio urbano constituído em propriedade horizontal, tendo estes, na sua fração, procedido à construção de uma estrutura coberta em alumínio e vidro, com cerca de 15 metros de comprimento por 3 metros de largura, servente de anexo à cozinha e churrasqueira, que prejudica a linha arquitetónica e o arranjo estético do condomínio, alterando o estilo e características visuais do próprio edifício, destoando da sua traça geral, não tendo sido objeto de autorização prévia da assembleia de condóminos, de comunicação prévia à Câmara Municipal de Rio Maior ou de autorização do autor do projeto de arquitetura, pelo que deverá ser destruída.

Termina peticionando: a) que os Réus sejam condenados na demolição da obra/construção que erigiram na parte posterior da fracção repondo-a no estado anterior ao que se encontrava antes da construção daquela, no prazo de 30 dias a contar da data do trânsito da sentença; b) Serem os Réus condenados a pagar a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de 100 euros por dia a título de sanção pecuniária compulsória, caso não procedam à referida demolição no prazo referido na alínea anterior.

Contestaram os Réus, defendendo-se por exceção invocando a ilegitimidade processual do Autor, por entender que a legitimidade para a presente ação cabe ao condomínio e por impugnação, e a sua atuação em abuso de direito, por ter realizado obras similares, tacitamente ter aceitado a estrutura por si erigida e se opor a esta, apenas como retaliação, pela oposição dos Réus à manutenção de escritório na sua fração e negando que a estrutura por si construída afete a linha arquitetónica do prédio e o seu arranjo estético.

O presente processo foi apensado aos autos do processo n.º 194/20.9T8RMR, passando a correr termos sob o apenso B daqueles.

Realizou-se a audiência prévia e foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade processual ativa.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

Veio então a ser proferida sentença que julgou totalmente improcedente a presente ação e, consequentemente, absolveu os Réus (…) e (…) de todos os pedidos formulados pelo Autor (…).

Inconformado com a sentença, o Autor interpôs recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões (transcrição): «1. Vem o presente recurso interposto da Douta sentença notificada às partes por ofício eletrónico de 27/06/2022, e que decidiu julgar totalmente improcedente a presente ação e consequentemente, absolver os Réus de todos os pedidos formulados pelo Autor.

  1. A sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia, atenta a impossibilidade de o Tribunal conhecer da exceção de abuso de direito não deduzida pelos RR.

  2. A mesma sentença claudicou quanto à solução de Direito que adotou, designadamente pela não verificação dos pressupostos do abuso de direito assentido.

  3. O Tribunal recorrido violou ainda normas processuais imperativas relativas à apensação de ações, assim como desrespeito normas da mesma natureza tocantes à produção de prova, e mais concretamente à inquirição de testemunhas. Que inquinam o julgamento da presente causa, ferindo-o de nulidade que se arguiu.

  4. Caso não se reconheça tal nulidade, sempre a violação das mesmas normas tem de ter-se como irregularidades que afetaram, com gravidade a descoberta da verdade obstando à boa decisão da causa.

  5. A sentença recorrida encerra ainda errada apreciação da prova carreada para os autos, pelo que, tomou errada decisão sobre a matéria de facto que teve como provada., devendo ter tido como não assente o facto que elencou naquela matéria sob o Ponto 12, e ter dado como provados os factos alegados pelo A. em sede de réplica por não terem tido oposição/impugnação pelos RR. e por vir a mesma sobejamente provada por suporte nas declarações de parte do A. e do depoimento da testemunha (…), indevidamente desvalorizado pelo Tribunal.

  6. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do Código do Processo Civil, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

  7. Os RR. não deduziram na sua contestação exceção de abuso de direito por parte do A. com fundamento na violação por este, ao exercer o seu direito previsto no artigo 829.º/2, do Código Civil, violar o fim social e económico daquele seu direito.

  8. Assim como não alegaram, em qualquer momento processual, factos tendentes a conduzir à verificação dos respetivos pressupostos, daí que em audiência prévia, não tenha sido elencado tema de prova, destinado à verificação da aludida exceção com aquele fundamento.

  9. Ora, como bem ensina o Prof. Menezes Cordeiro, “a aplicação do abuso do direito depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos – salva a hipótese de se tratar de posições indisponíveis. Além disso, as consequências que se retirem do abuso devem estar compreendidas no pedido feito ao Tribunal, em virtude do princípio dispositivo. Verificados tais pressupostos, o abuso do direito é constatado pelo juiz, mesmo quando o interessado não o tenha expressamente mencionado: é, nesse sentido, de conhecimento oficioso (cfr. estudo com o título “Do abuso do direito: estado das questões e perspetivas“, disponível em www.oa.pt).

    ”11. Não se verificando alegação e prova dos competentes pressupostos, não podia o Tribunal recorrido ter conhecido do abuso de direito nos termos em que o fez, constituindo a sentença recorrida quanto a esta matéria a decisão surpresa.

  10. Há excesso de pronúncia se o tribunal conheceu de pedidos, causas de pedir ou exceções de que não podia tomar conhecimento.

  11. No caso em apreço o tribunal recorrido ultrapassou os seus limites de pronúncia a que está vinculado, acarretando a nulidade da sentença recorrida, prevista na línea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código do Processo Civil, que se deixa arguida para os devidos efeitos.

  12. Quanto ao erro na decisão de direito contida na sentença recorrida, corresponde o mesmo, desde logo, à não verificação, dos pressupostos do abuso de direito acolhido pela mesma., designadamente a violação pelo A. do fim social e económico do seu direito.

  13. O pedido de demolição pelo A., das obras realizadas pelos RR. por constituir sanção legalmente estatuída para a reação contra as obras ilícitas no condomínio (artigo 829.º/1, do CC) , não pode nunca constituir abuso de direito.

  14. O exercício pelo Autor do seu direito a ver demolidas as estruturas sub judice, não acarreta para os RR. consequência alguma, diferente ou adicional, da prescrita na lei, como sanção para a ilegalidade da sua conduta, pelo que não extravasa ou viola o fim social e económico daquele seu direito.

  15. O exercício do seu direito pelo aqui Autor não se traduz na não – realização dos interesses de que é instrumento, mas antes na realização efetiva desses interesses.

  16. O seu exercício é feito dentro dos limites estabelecidos na lei, não é suscetível de clamorosa censura pela consciência social dominante, não colide com os bons costumes que aqui relevam, e não defraudou as legítimas expectativas dos RR., que por sua própria vontade, quiseram violar a linha arquitetónica do condomínio.

  17. Violador da consciência social seria a manutenção e proliferação de construções no condomínio onde se insere a fração do A., realizadas numa clara violação da lei, e coartar-se o direito do A. de obter a sua demolição, dando acolhimento à manutenção e proliferação da ilegalidade.

  18. Deve ser julgada improcedente a exceção perentória do abuso de direito acolhida pela sentença recorrida.

  19. Caso assim não se entenda, o só por mero dever de patrocínio se equaciona, a mesma conclusão se impõe porque circunstâncias supervenientes motivaram o exercício pelo Autor do seu direito, designadamente a proliferação de construções e verificação da desvalorização do seu imóvel em 2020, tendo suplantado qualquer “desejo de vingança” do Autor querido retirar data de condomínio de Fevereiro de 2019..

  20. Veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (RL199303250048616) disponível em www.dgsi.pt, de onde resulta que (numa situação de abuso de Direito pela aceitação tácita, mas aqui aplicável “mutatis mutandis”) uma ocorrência superveniente prejudicial aos ali Autores justificaria o facto de recorrer a juízo e exigir a demolição da obra.

  21. A ocorrência superveniente prejudicial ao aqui Autor (verificação da desvalorização do seu imóvel e proliferação de obras ilegais no condomínio) justifica, o seu recurso a juízo com a presente ação, à data da interposição da mesma.

  22. Não podendo proceder a exceção perentória do abuso de direito com o fundamento aduzido pela sentença sindicada.

  23. O Tribunal recorrido cometeu violação das regras processuais relativas à apensação de ações.

  24. Apos ter decidido a apensação das ações (estes autos e aquele a que é apensa), o Tribunal a quo procedeu a duas audiências prévias, duas audiências, com produção de prova distinta e subsequente, proferiu .duas sentenças, em vez de tratar as ações apensadas como uma única, apesar da salvaguarda das suas especificidades.

  25. O Tribunal a quo violou, assim, regras da tramitação processual imperativas aplicáveis às ações apensadas, a cujo cumprimento se mostrava adstrito, que acarretam a nulidade da audiência de discussão e julgamento e da prova produzida no âmbito da mesma que se deixa arguida.

  26. O Tribunal recorrido violou normas legais imperativas relativas à...

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