Acórdão nº 0351/22.3BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Março de 2023

Data09 Março 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

AA - identificado nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 28 de setembro de 2022, que negou provimento ao recurso havia interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Aveiro, de 26 de julho de 2022, que julgou totalmente improcedente o presente processo cautelar proposto contra a UNIVERSIDADE DO PORTO, em que pede a suspensão da eficácia de despacho do respetivo reitor, de 22 de março de 2022, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.

  1. Nas suas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: «1ª O presente recurso de revista foi interposto contra o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28 de Outubro de 2022 p.p, que negou provimento ao recurso interposto contra a sentença que indeferira o pedido de suspensão da eficácia da decisão disciplinar que aplicara ao requerente a pena de demissão por entender não ter sido comprovado o fumus boni iuris.

    2ª A controvérsia da questão subjacente ao aresto em recurso começa desde logo por ser bem visível face às declarações de voto feitas por dois dos três juízes subscritores do acórdão, para além de ser verdadeiramente incrível que no século XXI, mais de quarenta anos decorridos sobre a consagração de um direito à tutela judicial efectiva e mais de 15 anos após a consagração de um princípio da igualdade das partes, um Tribunal de segunda instância continue a afirmar que não tem de “…fazer nova prova em Tribunal da verificação ou não dos pressupostos de facto da decisão punitiva” ou que continue a sustentar que “… o Tribunal não tinha de dar por como provados factos à margem da prova produzida no processo administrativo por que não é uma segunda instância administrativa nem pode decidir como se o fosse”.

    Em qualquer dos casos, 3ª Salvo o devido respeito, a decisão alcançada pelo Tribunal a quo é manifestamente errada, suscitando um conjunto de questões que, seja pela sua capacidade expansiva, seja pela sua relevância jurídica e social, seja pela necessidade de assegurar uma melhor aplicação do direito, justifica uma apreciação e uma pronúncia definitiva por parte do Venerando Supremo Tribunal Administrativo sobre as seguintes quatro questões: a) – É compatível com o princípio constitucional da presunção da inocência que quem se presume inocente tenha de comprovar a aparência da sua inocência para evitar o início da produção de efeitos de uma pena disciplinar cuja execução imediata só e possível se houver uma presunção de culpabilidade? b) – É compatível com o direito fundamental à tutela judicial efectiva e com o princípio da igualdade das partes (v. artº 6º do CPTA) que o Tribunal não permita a uma das partes provar os factos que alegara para fundamentar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos – designadamente que não praticara os comportamentos que lhe haviam sido imputados – que havia sido alegado para comprovar a aparência do bom direito e depois julgue não verificada a aparência desse direito com o argumento de que o processo instrutor aponta para que o arguido tenha praticado os comportamentos que lhe foram imputados? c) - Qual a força probatória do processo instrutor, designadamente se é um documento que faz prova plena dos factos nele relatados ao ponto de tornar desnecessária a realização de qualquer outra prova legalmente admissível que tenha sido requerida e permita comprovar a aparência do bom direito? d) – É compatível com o direito fundamental à tutela judicial efectiva ,com o princípio da presunção da inocência e com o disposto nos nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, que o Tribunal considere que o arguido não logrou demonstrar a aparência da sua inocência quando esse mesmo Tribunal não especificou nem deu por provado qualquer facto ou comportamento que que tivesse sido praticado pelo arguido e que pudesse indiciar a prática de um ilícito disciplinar? Na verdade, 4ª Julga-se que todas as questões sujeitas possuem uma inegável capacidade expansiva, justamente por em todos os processos cautelares de suspensão da eficácia de uma decisão punitiva se poder colocar a questão de se saber se em sede cautelar quem se presume inocente tem de demonstrar a aparência da sua inocência, se pode o Tribunal considerar não provada a aparência do bom direito quando nem sequer dá por provado qualquer facto que considere ter sido praticado pelo arguido ou qual o valor processual do processo disciplinar instrutor, designadamente se prevalece mesmo quando o arguido imputa ao acto punitivo o vício de violação de lei por erro nos pressupostos ou se, pelo contrário, nessa hipótese o Tribunal está vinculado a proceder à prova requerida para só depois, em função da mesma, poder aferir se há ou não a probabilidade elevada daquele vício ser julgado procedente.

    5ª Para além disso, todas as questões suscitadas possuem uma importância jurídica e social de enorme relevo, desde logo por contenderem com princípios e direitos constitucionalmente consagrados e que se assumem como estruturantes de um Estado de Direito democrático - como sejam os princípios da presunção da inocência e o direito à tutela judicial efectiva, consagrados os artºs 32º/10 e 268º/4 da Constituição -, pelo que importa que este Venerando Supremo Tribunal forneça um quadro referencial sobre a amplitude do princípio da presunção da inocência e a sua compatibilidade com a obrigação de o presumível inocente ter de ir demonstrar aquilo que já se presume para poder lograr obter tutela cautelar, assim como sobre o valor do processo administrativo e sobre a obrigatoriedade, à face do direito à tutela judicial efectiva, de se se apurarem em sede cautelar os factos que integram o vício de violação de lei por erro nos pressupostos que é alegado para fundamentar a aparência do bom direito.

    6ª Por fim, julga-se ainda que a presente revista é essencial para se proceder a uma melhor aplicação do direito, desde logo por a tese agora sufragada pelo Tribunal a quo estar em manifesta oposição quer com o decidido pelo STA como quer pelo próprio TCANORTE (v. Acº do STA de 29/10/2020, Proc. nº 0301/14.0BEBRG, Acº do TCANORTE de 15/7/2022, Proc. nº 653/21.6BEAVR e o Acº do TCASUL de 10/12/2019, Proc. nº 185/07.5BEBJA), razão pela qual a intervenção deste venerando Supremo Tribunal é absolutamente necessária para que sejam respeitados os mais elementares princípios e direitos constitucionalmente consagrados, particularmente os princípios da presunção da inocência, da igualdade das partes e o direito à tutela judicial efectiva.

    7ª Refira-se, aliás, que no sentido da admissibilidade das questões colocadas na revista já se pronunciou a formação preliminar desde Venerando Supremo Tribunal, a qual, por acórdão de 18 de Novembro de 2021, entendeu que se justificava a admissão da revista a propósito das segunda e terceira questões agora suscitadas (v. Proc. nº 228/13.3BECBR).

    Consequentemente, 8ª Estão preenchidos os pressupostos tipificados na lei para a admissão do recurso excepcional de revista, uma vez que a decisão consubstanciada no Acórdão em recurso suscita um conjunto de questões que possuem uma capacidade expansiva e uma importância social e jurídica que justifica a sua apreciação e resolução por parte deste STA, incluindo para uma melhor aplicação do direito.

    9ª Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, deverá dizer-se que o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento e flagrante violação de lei processual e substantiva, particularmente dos princípios constitucionais da presunção da inocência, igualdade das pares e tutela judicial efectiva.

    Com efeito, 10ª O aresto em recurso não só violou o disposto no nº 3 do artº 607º do CPC – que lhe impõe especificar os factos que considera provados e os que entende não terem sido provados -, como seguramente enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPC, uma vez que não tendo especificado como provados os factos que eventualmente considerava terem sido praticados pelo arguido não podia afastar a presunção de inocência e considerar que o arguido que se presumia inocente não logrou provar a sua inocência e o consequente fumus boni iuris.

    Para além disso, 11ª O aresto em recurso violou frontalmente o princípio constitucional da presunção da inocência, uma vez que o juiz cautelar só pode deixar de presumir o arguido inocente se na sentença cautelar der por provados quais os concretos comportamentos praticados pelo arguido, tendo na ausência da especificação de tais factos de continuar a presumir o arguido inocente e, como tal de considerar demonstrado o fumus boni iuris.

    12ª Aliás, o nº 1 do artº 120º do CPTA tem de ser interpretado, sob pena de inconstitucionalidade por violação do princípio da presunção da inocência, no sentido de que sempre que em causa esteja a suspensão da eficácia de uma pena disciplinar o juiz tenha de considerar provável a procedência da pretensão a formular no processo principal, excepto se der por provados na sentença os factos que considera terem sido praticados pelo arguido.

    Consequentemente, 13ª Não tendo o aresto em recurso especificado na factologia assente quais os concretos comportamentos que considerava estar provado terem sido praticados pelo arguido – o que é substancialmente diferente de se dizer quais eram os factos pelos quais foi acusado e punido -, muito naturalmente que não poderia deixar de funcionar o princípio da presunção da inocência e de julgar, em consequência, que estava sumariamente demonstrada a aparência do bom direito.

    Por fim, 14ª Ao julgar não demonstrado o fumus boni iuris quando não permitiu ao arguido efectuar a prova dos factos integrantes do vício de violação de lei por erro nos pressupostos em que alicerçava a comprovação desse mesmo fumus boni iuris, o aresto em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT