Acórdão nº 35/21.0GBMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelALICE SANTOS
Data da Resolução08 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.

… Após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu: I – Condenar o arguido AA, como autor material do crime de condução de condução perigosa, na forma dolosa, p.p. no artigo 291.º, n.º 1, al. a) do CP, por factos práticos no dia 16 de Junho de 2021, em pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €6,00, a que corresponde ao valor global €1.200,00 (mil e duzentos euros); II – Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de condução pelo período de 6 (seis) meses; … *** Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, AA, sendo que na respectiva motivação conclui: … c) Face à prova produzida, ou frise-se à falta da mesma, em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente tendo em conta os depoimentos das testemunhas aduzidas pelo douto Ministério Público, e prova documental verifica-se a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.º 410, n.º 2 a) do CPP).

  1. Os factos constantes na douta sentença nos parágrafos 3, 6, 7 e 8 deverão ser considerados não provados, atenta a inexistência de prova testemunhal, pericial e médico-legal, para e nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3 a) do CP.P. por configurar um verdadeiro erro de julgamento.

  2. Atenta a falta de prova, estamos perante um erro notório da prova por insuficiência da prova para matéria de facto dada como provada nos parágrafos 3, 6, 7 e 8 da douta sentença, para e nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2 C) do CPP.

  3. Da sentença recorrida, falta apurar a concreta dimensão do valor e influência da substância estupefaciente apresentada pelo arguido, nos termos sobreditos (dimensão esta que implicará sempre um juízo pericial a partir do resultado do relatório que ora consta a fls. 10) e que é totalmente omisso quanto a esse facto.

  4. falta na sentença do tribunal a quo no elenco dos factos provados a concretização do elemento subjectivo (dolo), visto que não existe qualquer referência factual ao elemento cognitivo e volitivo do Arguido sobre o dolo de ação e o dolo de perigo.

… * … Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se no sentido da improcedência do recurso.

Nesta instância o Ministério Público emitiu douto parecer no qual se manifesta, pela improcedência do recurso.

… Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida: 1. No dia 12 de Junho de 2021, pelas 19H45, o arguido que antes ingerira canabinóides, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-..-MZ, pela Rua ..., ..., no sentido ... – ...; 2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, mas em sentido inverso, circulava pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, o veículo ligeiro de passageiros, matrícula SH-..-.., que era conduzido por BB e que levava como passageira CC; 3. O arguido circulava sob a influência dos produtos estupefacientes e a uma velocidade que não lhe permitia controlar de forma rápida o seu veículo, ao aproximar-se de uma curva à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, próxima do entroncamento com a Rua ..., perdeu o controle do veículo, invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem e foi embater na parte esquerda da frente do veículo conduzido por BB, que nada pode fazer para evitar o embate, atenta a forma repentina, como o arguido invadiu a faixa por onde aquele seguia; 4. O condutor e a passageira do veículo ligeiro de passageiros, matrícula SH-..-.., em consequência do embate sofreram ferimentos ligeiros e o veículo em que seguiam, sofreu danos, no valor aproximado de €7.000; 5. O arguido sofreu ferimentos graves e foi conduzido ao Centro Hospitalar ..., onde veio a ser efectuada recolha de sangue para realização de exame químico toxicológico; 6. Na sequência do exame realizado foram apurados os seguintes resultados: - 11-nor-9-carboxi-delta9-tetrahidrocanabinol (THC-COOH) – 14ng/ml registado, correspondente a 11ng/ml, após deduzida margem de erro máxima admissível.

- delta 9-tetrahidrocanabinol (THC) – 1,7ng/ml registado, correspondente a 1,1ng/ml, após deduzida margem de erro máxima admissível.

- etanol no sangue por GC/FID – 0,29g/l, correspondente a 0,25g/l, após dedução da margem de erro máxima admissível.

7. Ao agir da forma descrita, fê-lo o arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que o consumo daquele tipo de produtos, alterava os reflexos necessária à realização da condução em segurança e também que a acrescer a esse facto, imprimia ao veículo por si conduzido, uma velocidade que não lhe permitia controlá-lo de forma rápida e a respeitar as regras de circulação rodoviária e que poderia assim vir a provocar perigo para a vida ou integridade física dos outros utentes da via, actuou no entanto, conformando-se com essa possibilidade; 8. Sabia, além do mais, que tal conduta é proibida e punida por lei.

… * – Matéria de Facto Não Provada: a) Que o arguido circulasse a 60km/h no momento em que o carro entrou em despiste.

* – Motivação da Matéria de Facto Foram relevados os seguintes meios de prova … - A documentação junta aos autos, nomeadamente o auto de notícia de fls. 2-3, participação de acidente, de fls. 4-6, com aditamento de fls. 7-8v, exame toxicológico – relatório final de fls. 10-10v, relatório complementar de urgência de fls. 37-40.

No mais, teve-se em consideração o teor do depoimento das testemunhas, condutor (BB) e acompanhante (CC), do carro acidentado, as quais descreveram de forma essencialmente uniforme a grande rapidez com que tudo ocorreu.

… ambas referem ter visto o carro do arguido, depois de descrever a curva apertada situada no local (ver croquis de fls. 6), ter invadido de forma desgovernada a faixa de rodagem onde circulava o veículo automóvel onde circulava, cujo condutor apenas teve tempo de – para tentar evitar o embate – guinar o veículo para a berma da estrada – com a consequente destruição do pneu direito contra a berma da estrada.

Ambas relatam uma sucessão de eventos muito rápida e descrevem o comportamento do veículo automóvel conduzido pelo arguido como “vinha em duas rodas” (sic), relatando a descrição da curva pelo veículo de forma descontrolada, indiciando velocidade excessiva em face do comportamento descrito pelo veículo, em situação de quase capotamento, “em duas rodas”.

… O exame toxicológico prova a condução sob influência de substâncias proibidas, designadamente canabinóides (THC e THC COOH, misturado com etanol e ainda quantidade quase imperceptível de morfina).

No que respeita à prova da influência das substâncias consumidas para o despiste do veículo conduzido pelo arguido, salienta-se o efeito potenciador da mistura de consumo de canabinóides com álcool, sendo indiscutível, por reconhecida a alteração de percepção que as referidas substâncias provocam, não só no entendimento – capacidade para perceber a realidade e tomar decisões de acordo com essa percepção; na aptidão para compreender a realidade na sua globalidade: medir as distâncias, focar a atenção, diminuição da capacidade de coordenação e reflexos.

O arguido não prestou declarações, inexistindo qualquer elemento probatório para além dos supra mencionados que permita colocar em questão a conduta do arguido. Da descrição do comportamento do veículo automóvel do arguido resulta que, mesmo que o arguido circulasse a 90km/h, velocidade permitida na zona, impõe-se concluir que o arguido não só conduzia a velocidade a que o arguido, à data e por causa das substâncias que tinha consumido, não se encontrava em condições de circular, por não dominar o exercício da condução com a segurança e rapidez de reflexos exigida, como também essa percepção diminuída poderá ter condicionado a decisão sobre a velocidade a adoptar numa via estreita, com uma curva muito apertada para a esquerda, numa tarde em que foi reconhecido pelo pai do arguido (DD) ter chovido, encontrando-se o piso molhado, razão pela qual foram julgados provados os factos descritos em 3., 7. e 8..

… o velocímetro de um veículo automóvel não é um relógio cuja pancada no visor fixa a hora da pancada. O velocímetro, por móvel, ao receber uma pancada, tanto pode fixar o mostrador no zero, como no estremo oposto, demonstrando apenas que se encontra estragado, razão pela qual foram os factos julgados não provados em a).

… * Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

… Questões a decidir: - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; -Erro notório na apreciação da prova; - Impugnação dos factos dados como provados nos pontos 3, 6, 7 ao abrigo do disposto no artº 412º nº 3 do CPP; Sustenta o recorrente que no caso vertente conclui-se que não estão verificados os elementos típicos do crime de que o Arguido vem acusado. De facto, atentos os elementos carreados ao processo impunham uma decisão diversa daquela que foi proferida. Face à prova produzida, ou frise-se à falta da mesma, em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente tendo em conta os depoimentos das testemunhas aduzidas pelo douto Ministério Público, e prova documental verifica-se a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.º 410, n.º 2 a) do CPP). Os factos constantes na douta sentença nos parágrafos 3, 6, 7 e 8 deverão ser considerados não provados, atenta a inexistência de prova testemunhal, pericial e médico-legal, para e nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3 a) do CP.P. por configurar um verdadeiro erro de julgamento. Atenta a falta de prova, estamos perante um erro notório da prova por insuficiência da prova para matéria de facto dada como provada nos parágrafos 3, 6, 7 e 8 da douta sentença, para e nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2 C) do CPP. Da sentença recorrida, falta apurar a concreta dimensão do valor e influência da substância estupefaciente apresentada pelo arguido, nos termos sobreditos (dimensão esta que implicará sempre um juízo pericial a partir do resultado do relatório que ora consta a fls. 10) e...

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