Acórdão nº 2010/21.5T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Fevereiro de 2023

Data28 Fevereiro 2023
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Proc. Nº 2010/21.5T8LRA-C1-Apelação Recorrente: AA Recorridos: Fundo de Garantia Automóvel BB CC Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Teresa Albuquerque Falcão de Magalhães * Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra * RELATÓRIO AA intentou acção declarativa de condenação contra o Fundo de Garantia Automóvel, peticionando a condenação deste Fundo a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 167.816,86€ pelos danos patrimoniais sofridos e no montante de € 43.985,24€ pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência de acidente de viação, ocorrido em 5 de Outubro de 2014, causado por veículo sem seguro de matrícula ..-..-JL * Citado, veio o R. FGA, invocar a sua ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário com os responsáveis civis, o condutor BB e o proprietário CC.

* Deduzido incidente de intervenção principal dos acima referidos, admitida esta intervenção e citados para a causa, vieram os RR. intervenientes deduzir, entre outras, a excepção peremptória de prescrição pelo decurso do prazo previsto no artº 498 do C.C.

* Notificado para responder, querendo, a esta excepção, veio o A. alegar que o FGA sempre reconheceu a sua responsabilidade e que a “relação do Autor é com a Ré, FGA, sendo solidariamente responsáveis com esta, o condutor e proprietário do veículo, apenas, para efeitos de reembolso”, razão pela qual considera não estar prescrito o seu direito.

* Após, foi proferido despacho no qual se julgou a excepção peremptória invocada procedente e se absolveu todos os RR. do pedido.

* Inconformado com esta decisão, dela apelou o A., concluindo da seguinte forma: “CONCLUSÕES a. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida que julgou procedente a exceção de prescrição e absolveu “os réus FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e BB e CC dos pedidos formulados por AA.” b. Em síntese, concluiu o douto Tribunal que, “A interrupção da prescrição quanto ao FGA não pode aproveitar aos restantes réus uma vez que, como já referimos, não são demandados para mero efeito de reembolso, mas sim como devedores principais e as causas de interrupção da prescrição são sempre pessoais.” c. E que, “Estando em causa um litisconsórcio necessário, como neste caso, a prescrição do direito quanto a um dos devedores – no caso do devedor principal – aproveita ao FGA ainda que não a tenha invocado na contestação” d. A douta sentença constitui fundamento e dá azo a situações de injustiça, contrárias aos fins do Direito.

e. Desde logo, pela própria função de garante que é atribuída ao Fundo de Garantia Automóvel (FGA), por força do DL n.º 291/2007 de 21 de agosto; f. O artigo 47º prescreve que, “A reparação dos danos causados por responsável desconhecido ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, é garantida pelo Fundo de Garantia Automóvel (…)”; g. Cabe, portanto, ao FGA garantir a satisfação de indemnizações por lesões quando o responsável não beneficie de seguro válido ou eficaz e uma vez satisfeita a indemnização – pelo FGA – fica este sub-rogado nos direitos do lesado; h. Efetivamente, os restantes réus são demandados para mero efeito de reembolso, i. Considerar o contrário, como a douta sentença fez, desvirtua a gênese do DL supra referido, torna incongruente a presença do FGA em ações judiciais, e, para os lesados, indiferente a existência, ou não, de seguro automóvel – quando o mesmo é obrigatório! j. A intervenção dos responsáveis civis ao lado do FGA tem em vista razões de economia e celeridade processual, mais concretamente, entre elas, facilitar ao lesado a satisfação do seu direito, permitindo-lhe optar entre o património do lesante faltoso e a indemnização meramente substitutiva do fundo e definir, logo na medida do possível e sem mais dispêndio processual, os pressupostos fácticos e jurídicos em que se há-de basear o direito de sub-rogação – neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no Processo n.º 10/07.7TBMAI.P1, de 12-10-2010, disponível em www.dgsi.pt.

k. Isto porque, a solidariedade que existe é imprópria ou imperfeita, atendendo a que no plano das relações externas – entre os responsáveis, neste caso, entre o FGA e os restantes devedores civis – a responsabilidade dos obrigados é solidária, uma vez que o lesado pode exigir a qualquer dos responsáveis (lesante ou Fundo) a satisfação do seu crédito.

l. O que não pode ser discutido nos presentes autos é tão-só a relação interna dessa solidariedade, isto é, a questão da sub-rogação do Fundo dada a sua função de garante, relação que não se encontra prejudicada, estando o FGA em tempo de exercer o seu direito de regresso contra os responsáveis civis, numa outra ação.

m. Além disso, dispõe o artigo 303º CPC a necessidade de invocação da prescrição.

n. Do artigo 573º CPC epigrafado “Oportunidade de dedução da defesa” resulta que toda a defesa deve ser deduzida na contestação e que depois desta só podem ser deduzidas as exceções que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que deva conhecer oficiosamente. o. Sucede que, na sua contestação o FGA não invocou a prescrição.

p. Admitir que a invocação da prescrição por aqueles aproveita o FGA – quando este não a invocou, como reconhece a douta sentença – seria desvirtuar a exigência dessa invocação plasmada no Código Civil, deixando ao FGA a possibilidade, até, de não apresentar defesa, tornando inútil a sua citação para efeitos de contestação.

q. Aliás, colocaria em causa o próprio artigo 574º CPC, porque de acordo com a douta sentença, só sobre o condutor e proprietário é que recai o ónus de impugnação.

r. De acordo com a decisão o FGA não precisa de contestar, porque a contestação do proprietário e condutor vai sempre aproveitar-lhe.

s. Existem, portanto, regras processuais e consequências diferentes para as partes que estão em juízo, em litisconsórcio.

t. No caso sub judice, o A. foi vítima de um acidente de viação, em 2014, contra um veículo ligeiro de mercadorias que não possuía seguro automóvel válido e o FGA, assume, desde logo, a responsabilidade pelo sinistro em causa.

u. Não falamos, apenas, numa assunção meramente formal, mas numa assunção verdadeiramente material, caracterizada pela prática de atos confessórios do reconhecimento da obrigação de indemnizar – como escreve na sua contestação e como resulta da sentença – através do pagamento de adiantamentos ao aqui Recorrente, por conta da indemnização final, e ao acompanhamento clínico que lhe presta.

v. Além disso, foi junta aos autos a notificação judicial avulsa contra o FGA que sempre interromperia a sua prescrição.

w. Em suma, falamos da renúncia, do FGA, à prescrição, em face da prática de factos positivos que demonstram inequivocamente que assume a responsabilidade perante o A., não podendo vir “dar o dito pelo não dito”, pois se assumiu a responsabilidade não pode agora a sentença impor-lhe uma negação desse facto e a interrupção dessa conduta.

x. Que a interrupção e a renúncia da prescrição não possam aproveitar aos restantes réus, é algo que aceitamos e acolhemos, mas as consequências dessa situação são apenas as do direito de regresso do FGA contra o condutor e proprietário.

y. E tal relação não está em causa, porquanto o último adiantamento é datado de março de 2020, conforme documento junto pela R. FGA, em 28-07-2021, através de requerimento com a referência n.º 39563076, e, z. Como ensinava Vaz Serra (RLJ, 99, 360): “A sub-rogação supõe o pagamento... e, portanto, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento”. Porquanto encontra-se em tempo o FGA de exercer o seu direito sobre o condutor e proprietário.

aa. Aliás, de outro modo, cremos que o FGA não procederia a adiantamentos sem, antes, se salvaguardar.

bb. Não podemos considerar que os presentes autos terminem, quanto ao FGA, porquanto este assumiu uma obrigação para com o ora Recorrente.

cc. Considerar a prescrição quanto ao FGA – que não há prescrição quanto a este - contradiz o princípio da verdade material, da segurança e certeza jurídica e põe em contradição os vários diplomas legais dd. Mas, por mera cautela, sempre se dirá que, a considerar-se a prescrição, os seus efeitos operam para o efeito e os adiantamentos liquidados foram prestados voluntariamente pelo FGA, com as consequências previstas no nr.º 2 do artigo 304º do CC.

ee. Decorre da leitura da contestação do FGA, uma confissão expressa e irrevogável.

ff. Pese embora a confissão no âmbito do litisconsórcio necessário alcance meramente o efeito previsto no n.º 2 do artigo 288º CPC, tal reconhecimento sempre valerá como elemento probatório que o tribunal deverá apreciar livremente, ficando sujeito à regra da livre apreciação da prova, nos termos do artigo 361º do CC. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - Processo: 07B4125 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – PROC...

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