Acórdão nº 039/21.2BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução08 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“B..., S.A.”, notificada para proceder ao pagamento da factura n.º FT RN1908/02959, relativa ao mês de Junho de 2019, que inclui, a título de Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS), o valor de € 9.553,92, intentou, ao abrigo dos artigos 87.º, n.º 8 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 99.º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), contra a “A..., S.A. – SUCURSAL PORTUGAL”, a presente Impugnação Judicial.

1.2.

Como fundamente dos pedidos que formula - de anulação da repercussão da TOS incluída na factura ou, subsidiariamente, de reconhecimento da inconstitucionalidade dessa repercussão, e, bem assim, em qualquer dessas situações, de reembolso do valor àquele título pago acrescido de juros contados desde o pagamento até efectivo reembolso – alegou a Impugnante, em síntese, que a referida repercussão é ilegal uma vez que, com a entrada em vigor da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, atento o disposto no seu artigo 85.º, n.º 3, o pagamento da TOS passou a ser da exclusiva responsabilidade das empresas operadoras das infraestruturas que ficaram proibidas de repercutir os valores a esse título pagos na factura dos consumidores, ou, mesmo que assim se não entenda, que a repercussão da TOS é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, porquanto procura atingir uma manifestação de capacidade contributiva específica (o consumo de gás natural), que não assenta nem na prestação concreta de um serviço público, nem utilização de um bem do domínio público nem na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.

1.3.

A..., S.A. – SUCURSAL PORTUGAL (doravante Recorrente), contestou, defendendo a improcedência total das pretensões, aduzindo, em resumo, quanto à legalidade do acto de repercussão, que a norma que estabelece a sua inadmissibilidade ficou dependente da alteração do quadro legal em vigor, como resulta do artigo 70.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3-3, sendo que, até à presente data, esse quadro não foi alterado, encontrando-se, assim, legitimado o acto de repercussão materializado na factura apresentada a pagamento à Recorrente; 1.4.

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a Impugnação Judicial foi julgada parcialmente procedente.

1.5.

Inconformada, a Entidade Demandada interpôs recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, finalizando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões: «1) O Tribunal recorrido julgou procedente a impugnação judicial por entender que a repercussão da Taxa de Ocupação do Subsolo ao cliente final, por desrespeito à alteração que decorreu da Lei n.º 42/2016 de 28.12 (LOE de 2017) é ilegal, não podendo ser repercutida.

2) Na óptica da Apelante, tal norma, não obstante de fazer parte do Orçamento de Estado que entrou em vigor no dia 1/Janeiro/2017, nunca chegou a ser eficaz.

3) Aliás, a norma contida no OE de 2017 serve apenas como ponto de partida para uma alteração de um quadro legal.

4) E é isto que decorre do artigo 70.º da Lei de Execução Orçamental para 2017 (Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de Março) que deve ser considerado como um acto de interpretação autêntica do art. 85.º, n.º 3 da LOE de 2017, já que, provindo ambas as normas de fontes equivalentes (lei e decreto-lei têm igual valor, nos termos do disposto no art. 112.º, n.º 2 da CRP), uma (a mais recente) permite perceber o alcance que a outra (a mais antiga) é suposto ter.

5) A norma da Lei de Execução Orçamental define as condições em que o art. 85.º poderá vir a ser executado (cumprindo, dessa forma, a função de uma lei de execução orçamental).

6) Impõe um cumprimento do dever de comunicação das empresas titulares das infraestruturas do cadastro das suas redes até ao final do mês de abril de 2017 à DGAL e decorrido esse prazo as entidades reguladoras sectoriais avaliariam a informação recolhida e as consequências económico-financeiro das empresas operadoras, para que, posteriormente, tendo em conta essa avaliação o Governo proceda à alteração do quadro legal em vigor.

7) Só assim se cumprirá a proibição da repercussão da TOS prevista na LOE para 2017.

8) Sendo claro que este artigo vem dar aplicação ao que se previa na LOE 2017.

9) Pelo que sem a aprovação deste regime jurídico por parte do Governo não se pode considerar que tenha existido uma alteração normativa eficaz, nomeadamente, não se pode dizer que está em vigor a proibição da repercussão da TOS no consumidor final.

10) Tal entendimento tem sido consensual em várias instituições.

11) Em especial, o Governo que volta a inscrever tal compromisso, para alterar o quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, no art. 246.º, n.º 1 da LOE de 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro), obrigação que deveria ser cumprida até ao final do 1º semestre de 2019 e, ainda, no art. 133.º da LOE de 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro).

12) Admitindo por isso que não está em vigor a proibição da repercussão da TOS.

13) Acompanhando-se na íntegra a conclusão dos estudos da ERSE: “Concluímos, em suma, que a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 é parcialmente ineficaz, seja porque não reúne as condições necessárias para projectar os seus efeitos na realidade, seja porque o legislador expressamente explicitou o condicionamento da produção de efeitos até ao momento da entrada em vigor do novo regime jurídico sobre a repercussão da TOS.” 14) Pelo que não se percebe o entendimento do Tribunal recorrido ao julgar procedente a impugnação da Recorrida.

1.3.

B..., S.A., notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações que encerrou com o seguinte quadro conclusivo: «A.

A TOS é liquidada pelo Município da Maia ao distribuidor de gás natural (a C..., S.A.), tendo vindo a ser, a final, suportada através do mecanismo da repercussão legal pela Impugnante, ora Recorrida, através da fatura n.º FT RN1908/02959, da A..., S.A. – Sucursal Portugal, emitida a 12 de julho de 2019.

B.

No entanto, o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 determina que a "taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores” (negritos nossos).

C.

Assim, sem prejuízo de — mesmo após a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 — a TOS ter continuado a ser repercutida à ora Recorrida, sendo esta consumidora de gás natural, a repercussão da TOS, nomeadamente a efetuada através da fatura acima identificada é ilegal, por violação do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

D.

O quadro normativo em que se baseava a possibilidade de repercussão legal foi profundamente alterado com o artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

E.

Assim, desde o dia 1 de janeiro de 2017 que as taxas municipais de ocupação do subsolo não podem ser suportadas pelos consumidores.

F.

Por outras palavras, sendo a ora Recorrida consumidora final de Gás, esta não poderá suportar a TOS por repercussão legal.

G.

A TOS é uma taxa municipal criada e liquidada pelos respetivos municípios pela “utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal”.

H.

Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 que aprovou as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as distribuidoras, existe a possibilidade de repercussão das TOS nos consumidores de gás natural de cada Município.

I.

Perante este contexto, a relação jurídico-tributária aqui em discussão processa-se nos seguintes moldes: a Câmara Municipal da Maia liquida uma taxa ao distribuidor de gás natural (a D..., S.A.), que é repercutida ao comercializador (a A..., S.A. – Sucursal Portugal) que, por sua vez, a repercute no consumidor final de gás natural, a ora Recorrida.

J.

Do quadro descrito tal como estava estabelecido resultava a existência de um mecanismo de repercussão legal da TOS nos consumidores finais pelas concessionárias.

K.

Todavia, desde 1 de janeiro de 2017 que foi expressamente consagrada a proibição de fazer repercutir no consumidor final as taxas municipais de ocupação do subsolo (cfr. artigos 85.º, n.º 3, e 276.º, da LOE 2017).

L.

Não obstante a sua ilegalidade, a repercussão que tem vindo a ser efetuada à ora Recorrida encontra a sua razão de ser no facto de o Repercutente fazer uma interpretação errada do quadro jurídico em vigor, nomeadamente do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

M.

Ou seja, reitera-se, o que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, que a Impugnante considera ser ilegal – e cuja ilegalidade foi confirmada pelo Tribunal a quo, mas que lhe continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

N.

Saliente-se, aliás, que a matéria ora em discussão já foi objeto de apreciação por parte deste douto Tribunal em várias ações intentadas contra os respetivos Municípios, tendo o Tribunal decidido pela ilegitimidade passiva dos mesmos. Assim, é na sequência destas decisões que a Impugnante, ora Recorrida, intentou novas ações, desta feita, contra a comercializadora, vindo, deste modo, acompanhar o entendimento do STA a propósito desta questão.

O.

Entendimento este que tem suporte na norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 o qual impede que a TOS seja repercutida na Recorrida. Ora, não sendo o Município parte legítima na ação, sempre teria a Recorrente que intentar a mesma contra a entidade que lhe repercutiu indevidamente o tributo, sob pena de se considerar que a norma acima referida não produz qualquer efeito prático.

P.

Conforme defende o Conselheiro Gustavo Courinha no voto de vencido apresentado no Acórdão proferido no processo n.º 506/17.2BEALM (em ação com o mesmo enquadramento...

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