Acórdão nº 0525/13.8BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução08 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a Impugnação Judicial que A... SGPS S.A. deduziu aos actos de liquidações adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos juros compensatórios, relativos aos exercícios fiscais de 2008, 2009 e 2010, interpôs o presente recurso jurisdicional.

1.2.

Tendo alegado, formulou, a final, as seguintes conclusões: «I. Constitui jurisprudência reiterada e uniforme que, estando em causa normas de cariz processual, as mesmas são de aplicação imediata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 12.º da LGT.

  1. À luz da mencionada jurisprudência, o n.º 3 do artigo 63.º do CPPT deverá considerar-se revogado, com efeitos a partir de 01.01.2012, por força da Lei do Orçamento de 2012 e é de aplicação imediata às situações em curso.

  2. Tal como vem expressamente reconhecido na douta sentença recorrida, a instauração do procedimento de aplicação da disposição antiabuso ocorreu após a entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, pelo que o artigo 63. ° do CPPT, na sua nova redação que suprime o prazo de 3 anos, tendo natureza procedimental, é imediatamente aplicável, mesmo no caso de visar factos tributários ocorridos nos anos de 2008, 2009 e 2010.

  3. A fixação do prazo de 3 anos agora eliminado na nova redação do artigo 63.º do CPPT, não implica a constituição de um direito na esfera jurídica do sujeito passivo, mas tão só a extinção de um direito potestativo - de abertura do procedimento de aplicação de norma antiabuso - na esfera jurídica do sujeito ativo.

  4. Destarte, da consagração do novo texto legal do artigo 63.º do CPPT não resulta qualquer contração quanto às garantias, direitos ou interesses dos administrados, porquanto se mantiveram incólumes todas as prerrogativas que a lei original entendeu consagrar, como sejam a participação do contribuinte através do exercício do direito de audição prévia (com um prazo bem mais alargado do que o prazo geral previsto no artigo 60.º da LGT), a decisão de aplicação da norma e os especiais requisitos de fundamentação da mesma, a necessidade de uma decisão de autorização prévia para aplicação das disposições antiabuso (o que implica que tal decisão não seja tomada de modo perfunctório, obrigando-se a Administração Tributária a um crivo preliminar por parte do dirigente máximo do serviço), bem como a impossibilidade de aplicação de tais normas em caso de ter sido solicitada informação vinculativa por parte do contribuinte.

  5. Consequentemente, não podem os contribuintes, nesta sede, alegar que lhe foram coartados direitos ou garantias, na medida em que lhes não assiste o direito ou a garantia de não serem tributados, mas sim o direito e a garantia de que essa tributação se compagine e observe os ditames legalmente previstos, quer na lei ordinária, quer na Lei Fundamental.

  6. Não existe qualquer restrição à aplicação imediata da nova redação do artigo 63.º do CPPT, pelo que: - O prazo de três anos consagrado nas primitivas versões do mesmo dispositivo legal, à data em que foi instaurado o procedimento de aplicação da Cláusula Geral Antiabuso, não goza da relevância jurídica que lhe é atribuída na douta sentença recorrida, por via da aplicação conjugada dos artigos 12.º da LGT e 297.º do Código Civil; - A legalidade dos atos tributários deverá ser avaliada à luz do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT, pois não existem especiais razões de segurança jurídica que justifiquem a sua exclusão.

  7. Por outro lado, quanto ao termo inicial do prazo para a abertura do procedimento de aplicação da cláusula antiabuso, afigura-se-nos, ressalvado o devido respeito, que o mesmo não poderá corresponder ao facto complexo aludido na douta sentença recorrida, iniciado com a constituição da agora Recorrida (01.06.2006 – facto 5) e que culmina com a alienação das participações sociais (02.10.2006 – facto 7).

  8. Não basta, para se iniciar a contagem do prazo de caducidade, tomar como pontos de referência as datas em que foi constituída a agora Recorrida e em que ocorreu alienação das participações sociais já que estas operações não consubstanciam em si mesmo um meio artificioso ou fraudulento ou um abuso de formas jurídicas.

  9. O que justifica a aplicação da cláusula geral antiabuso é o retorno das verbas devidamente identificadas nos autos que dissimularam uma distribuição de lucros que não foi objeto de tributação.

  10. A AT não podia extrapolar de um facto complexo inicial (constituição da Recorrida enquanto SGPS e alienação de participações sociais) a ocorrência de factos futuros abusivos, ao que acresce o facto da tributação em sede de IRS, a título de rendimentos de capitais, apenas poder ser considerada em relação ao ano fiscal em que os rendimentos são obtidos.

  11. Por isso mesmo, o esquema negocial que é objeto da cláusula geral antiabuso apenas se completa com o acréscimo patrimonial que é obtido indevidamente por esse meio, ou seja, com os pagamentos ocorridos em 2008, 2009 e 2010, a título de reembolso do crédito, gerado com a operação de alienação das participações sociais descrita no ponto 7 do probatório.

  12. Caso estes montantes fossem pagos aos acionistas sob a forma de lucros, sem a intermediação da construção jurídica urdida pela agora Recorrida, estariam sujeitos a tributação, nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.

  13. Com efeito, estes rendimentos tipificados como de “Capitais – Categoria E” estavam sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória de 20%, nos exercícios de 2008, 2009 e 2010, tal como resultava da alínea c) do n.º 3 do artigo 71.º do mesmo diploma legal (na redação então em vigor), por remissão do artigo 88.º, n.º 4 do CIRC (atual n.º 4 do artigo 94.º), a partir do momento em que fossem colocados à disposição do respetivo titular, conforme previa a alínea 2) do n.º 3 do artigo 7.º do CIRS, por remissão do artigo 88.º, n.º 6 do CIRC (atual artigo 94.º, n.º 6).

  14. O facto tributário a ter em consideração para efeito da contagem do prazo de caducidade, no caso de aplicação da cláusula geral antiabuso, é inquestionavelmente um facto complexo, mas que não ser reduzido à constituição da Recorrida enquanto SGPS (facto 5) e à alienação das participações sociais (facto 7), pois ele culmina com o rendimento auferido e o modo como foi auferido (facto 11).

  15. Os primeiros reembolsos parciais das dívidas ocorreram no ano de 2008, pelo que será esse o momento determinante do termo inicial do prazo de caducidade.

  16. Assim sendo, o prazo de quatro anos para instaurar o procedimento teve o seu termo inicial em 01.01.2009 e, portanto, o seu termo final em 31.12.2012.

  17. Daqui se infere que em 07.11.2012, data da abertura do procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso pela Administração Tributária (facto 18), não se encontrava extinto, por caducidade, o direito de instaurar tal procedimento.

  18. A fortiori, o mesmo se pode inferir em relação aos reembolsos ocorridos em 2009 e 2010.

  19. Por conseguinte, contrariamente ao sustentado pelo douto Tribunal a quo, afigura-se-nos que da aplicação conjugada dos artigos 12.º da LGT e 297.º do Código Civil, não resulta que a nova redação do artigo 63.º do CPPT, conferida pela Lei n.º 64-B/2011, só é aplicável aos procedimentos em relação aos quais, à data da sua entrada em vigor (01.01.2012), ainda não tenha decorrido o prazo de caducidade de três anos.

  20. E no que concerne ao termo inicial do prazo para a abertura do procedimento de aplicação da cláusula antiabuso, também em sentido oposto ao decidido pelo douto Tribunal a quo, afigura-se-nos que ele não poderá corresponder à ocorrência de um facto complexo temporalmente delimitado entre a constituição da Recorrida (01.06.2006 – facto 5) e a alienação das participações sociais (02.10.2006 – facto 7).

  21. Em conformidade com exposto, e ressalvado o devido e merecido respeito, afigura-se-nos que o Tribunal a quo, ao julgar procedente a invocada caducidade da decisão de aplicação da cláusula geral antiabuso, incorreu em erro de julgamento, consubstanciado numa errónea interpretação e aplicação dos dispositivos legais contidos nos artigos 63.º do CPPT, 12.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 297.º do Código Civil.

1.3.

Notificada da admissão do recurso veio a Impugnante (doravante Recorrente), apresentar contra-alegações que encerrou com o seguinte quadro conclusivo: «1. Insurge-se a recorrente contra a douta sentença de fls…, dos autos que decidiu pela procedência da impugnação judicial e anulou os atos tributários de liquidação adicional de retenções na fonte de IRS e respetivos juros compensatórios, com referência aos anos de 2008, 2009 e 2010.

2.

Invoca, a recorrente, padecer a sentença em crise de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 63.º, do CPPT, 12.º, da Lei Geral Tributária e 297.º do Código Civil, pugnando pela sua revogação! 3.

Crê a Recorrida não assistir qualquer razão à Recorrente, já que nenhuma censura merece a sentença em crise, pois julgou conforme ao Direito, à Lei e à Justiça! Senão vejamos: (A) ENQUADRAMENTO 4.

A recorrida foi, em abril de 2013, notificada das liquidações de retenções na fonte de IRS e respetivos juros compensatórios n.ºs 2013 6410000360, 2013 6410000361 e 2013 6410000362, relativas aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, no âmbito das quais foi peticionado o pagamento de € 167.487,11, € 432.253,13 e € 97.894,57, respetivamente.

5. Às referidas liquidações encontra-se subjacente ação inspetiva que incidiu sobre a, ora recorrida, no seguimento das ordens de serviço OI201202132 e OI201202133, cujos atos inspetivos iniciaram-se à data de 29.10.2012.

6.

As referidas liquidações têm por base a decisão de aplicação da CGAA, nos termos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT e artigo 63.º do CPPT, que determinou a qualificação e, consequente tributação dos pagamentos efetuados pela recorrida aos seus...

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