Acórdão nº 03022/19.4BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Março de 2023
Magistrado Responsável | JOSÉ GOMES CORREIA |
Data da Resolução | 08 de Março de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 06-02-2022, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida por A... S.A.
, com os demais sinais nos autos, em que peticionara a anulação do acto tributário de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, no montante de € 684.855,00, relativa a dividendos do exercício de 2016 e pagos em 31/05/2017 pela entidade B..., SGPS, S.A., bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa daquele acto.
Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões: a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, consequentemente, anulou: i) o ato de retenção na fonte ora impugnado; e, ii) a decisão de indeferimento da reclamação graciosa 3085201904006933. Condenou ainda a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante, sobre o montante de imposto pago indevidamente, contados desde o pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, com as legais consequências.
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Salvo o devido respeito, a douta sentença enferma de erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e aplicação do direito, tendo, assim, violado as normas previstas no artigo 51.º do Código do IRC e artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal (CDT) c. A sentença proferida pelo tribunal a quo considerou que as liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas nos autos são ilegais, por manifestamente afrontarem o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, o disposto no artigo 8º, n.º 4 da CRP, devendo, por isso, ser anuladas.
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Como será demonstrado de seguida, em rigor, é a douta decisão que incorre em erro judicativo por não ter procedido a uma valoração correta da prova produzida e a interpretação da norma prevista no artigo 51.º do Código do IRC e artigo 51.º do Código do IRC e artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da CDT e. Refere o tribunal a quo que relativamente a uma Impugnante sediada em Espanha, em situação semelhante à da ora Impugnante, sobre a CDT celebrada entre Portugal e Espanha e a potencialidade da mesma quanto à neutralização dos efeitos da diferença de tratamento entre entidades residentes e entidades não residentes em território nacional, já se pronunciou este Tribunal em vários processos, nomeadamente, nos processos n.ºs 1970/09.9BELRS e 1041/07.2BELRS.
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Contrariamente ao entendimento do tribunal a quo as situações dos processos referidos não são semelhantes à situação dos presentes autos, porque enquanto naqueles se encontravam verificados os pressupostos do artigo 46.º n.º1 do CIRC (atual 51.º, do CIRC) – a participação de que resultam os dividendos não for inferior a 10% do capital social da detida ou seja adquirida por um valor não inferior a EUR 20.000.000,00 e tenha sido mantida por o período de um ano, ou se for detida há menos tempo, e esse período se venha posteriormente a completar – nestes, os requisitos do artigo 51.º, n.º 1, do CIRC não se verificam pois a ora Recorrida detém apenas uma participação de 5%.
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Para que pudesse beneficiar do mesmo tratamento fiscal de um residente, importa trazer à colação o disposto no artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, com a epígrafe “Eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos” na redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.
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Ora, como se infere do artigo supra, a Impugnante, para poder beneficiar do regime da eliminação da dupla tributação, tinha de, cumulativamente, preencher todos os requisitos enunciados no referido artigo, porém, analisados os autos, verifica-se que, a Impugnante, apenas, detém uma participação de 5%.
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Assim, como a lei é imperativa e, refere que os requisitos têm de se verificar cumulativamente e, exige uma participação não inferior a 10%, independentemente de ser ou não residente em território Português, a ora Recorrida não preenche os requisitos exigidos por lei, pelo que, não lhe poderia ser aplicado o regime da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos constante do artigo 51.º do Código do IRC.
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Conforme salienta o tribunal a quo, se fosse residente no território nacional, a retenção na fonte teria a natureza de imposto por conta (artigo 94.º, do CIRC), no entanto importa salientar que os lucros distribuídos concorreriam para a determinação do lucro tributável, isto é, sobre aquele rendimento ia incidir o imposto, sendo, assim, tributado.
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Salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que a decisão tomada pelo Tribunal a quo consubstancia uma discriminação positiva para os não residentes pois leva à não tributação destes rendimentos, isto é, um regime mais favorável do que o aplicável aos dividendos recebidos por residentes.
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Se os requisitos cumulativos previstos no artigo 51.º, do CIRC não se encontrarem preenchidos não é aplicado o regime da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos constante do artigo 51.º do Código do IRC e, não sendo aplicável este regime, os dividendos concorrem para a determinação do lucro tributável, sendo assim tributados pelas regras gerais do IRC.
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Tendo presente o antedito e, consultados os autos em apreço, constatamos que a ora Recorrida, independentemente, de ser residente ou não residente em território Português, não preenche, cumulativamente, os requisitos exigidos por lei, pelo que, não lhe poderia ter sido aplicado o regime de eliminação de dupla tributação de tributação ali consagrado.
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Assim, entende a Fazenda Pública que o ato de retenção na fonte não é ilegal. Por um lado porque face aos requisitos previstos, à data dos factos, no artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, não lhe poderia ter sido aplicado o regime de eliminação de dupla tributação e por outro, se fosse residente no território nacional, a retenção na fonte teria a natureza de imposto por conta (artigo 94.º, do CIRC), é certo, no entanto importa salientar que os lucros distribuídos concorreriam para a determinação do lucro tributável e na decisão proferida pelo Tribunal a quo estes rendimentos não são tributados gerando uma discriminação positiva para os não residentes.
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Deveria o Tribunal a quo ter decidido que a retenção na fonte aqui em crise decorre da correta aplicação das regras de liquidação de tributação de rendimento de dividendos distribuídos a entidades não residentes, nomeadamente o (à data dos factos) artigo 94.º do Código do IRC e artigo 10.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha.
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Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da liquidação de retenção da fonte de IRC, aqui em causa.
Caso assim não se entenda, subsidiariamente, sempre se dirá q. Entendeu ainda o tribunal a quo que são devidos juros indemnizatórios contados nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, ou seja, desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, no entanto não pode a AT concordar com tal entendimento, pois como demonstraremos infra, não ocorreu erro imputável aos serviços no momento em que foram praticados os atos de retenção na fonte que determinaram a quantia a pagar.
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O ato de retenção na fonte não foi praticado pela Administração Tributária, mas antes pelo substituto tributário, estando assim afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços até ao eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos.
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O Tribunal a quo determinou que sejam pagos juros indemnizatórios desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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Ora, só quando a Administração Tributária se pronuncia sobre a reclamação graciosa deduzida pelo contribuinte (indeferimento), é que o erro lhe pode ser imputável.
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Só em 18/09/2019 é que foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Recorrida.
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Assim, antes dessa data – 18/09/2019 – não poderia ser imputado à Administração Tributária qualquer erro imputável aos serviços, pois o ato de retenção na fonte não foi praticado pela Administração Tributária, mas antes pelo substituto tributário.
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Assim, entende a Fazenda Pública que a tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só pode ser reconhecida a partir do momento em que a Administração Tributária se pronunciou, ou seja, com a decisão da reclamação graciosa.
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Isto é, a Administração Tributária não podia ter sido condenada ao pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante, nos termos do artigo 43.º da LGT conjugado com o n.º 5, do artigo 61.º, do CPPT, contados desde o pagamento indevido do imposto (31-05-2017) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, uma vez que a reclamação graciosa só foi apresentada em 22-05-2019 e decidida em 18-09-2019 e, por conseguinte, só a partir do indeferimento da reclamação graciosa em 18-09-2019 é que poderia ser imputado erro aos serviços.
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Face ao exposto, conclui-se que o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação da lei, pois ao decidir pelo pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante contados desde o pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito violou as...
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