Acórdão nº 1936/15.0T8VFX-R.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Data da Resolução15 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo: 1936/15.0T8VFX-R.L1.S1 ACORDAM, NA 6ª SECÇÃO, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – Relatório Massa Insolvente de Distrialmada – Supermercados, Ld.ª instaurou ação declarativa, com processo comum, contra Sodisobreda – Supermercados, Ld.ª pedindo seja declarada a nulidade do contrato de trespasse do estabelecimento comercial celebrado entre esta e a insolvente.

Alegou, em síntese, que, em 29/02/2012, a insolvente, para o retirar da esfera dos seus credores, vendeu simuladamente à R. (com quem partilhava os mesmos órgãos sociais) o seu estabelecimento comercial, venda para cujo pagamento a R. emitiu cheque que revogou por furto/roubo e que foi encontrado nos cofres da insolvente e apreendido pela polícia judiciária; e que a vontade declarada pela insolvente e pela R. não corresponde à vontade representada e querida por ambas, porque o que pretenderam com a realização do trespasse foi defraudar os credores da insolvente e não realizar negócio jurídico algum.

A R. contestou, impugnando as divergências negociais alegadas na PI e a correspondente simulação negocial; e referindo que todas as relações comerciais e financeiras entre a R. e a insolvente estavam refletidas na contabilidade de ambas e que o cheque da R. dado como extraviado/furtado não era a única forma de pagar o preço do trespasse acordado entre as partes.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que declarou a ação procedente e, em consequência, “declarou a invalidade, por nulidade, do negócio vertido no escrito datado de 29 de fevereiro de 2012, intitulado “contrato de trespasse”, e condenou a R. na restituição à A. do prestado estabelecimento.

” Inconformada com tal decisão, interpôs a R. recurso de apelação, o qual, por Acórdão da Relação de Lisboa de 08/11/2022, foi julgado procedente, “com a consequente revogação da sentença recorrida, que se substitui por outra, da improcedência da ação e consequente absolvição da R. do pedido contra ela deduzido”.

Inconformada agora a A., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine o sentenciado na 1.ª Instância.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) A. A Massa Insolvente de Distrialmada – Supermercados, Ldª instaurou ação declarativa contra Sodisobreda –Supermercados, Ldª pedindoadeclaraçãode nulidade docontrato de trespasse do estabelecimento comercial celebrado entre esta e a insolvente, com fundamento em simulação negocial.

  1. Isto porque a Insolvente declarou querer vender quando na realidade nenhuma venda pretendia fazer, e por sua vez a Ré declarou comprar quando a sua vontade também não era essa, C. Ambas fingindo um negócio de compra e venda para “blindar” o património da devedora, na eminência do processo de insolvência e da expectável venda judicial de bens em sede de liquidação do ativo.

  2. Tendo ficado evidenciado que o que se pretendeu de facto foi desviar o património para sociedade propositadamente constituída pela “Família AA” para o efeito, e assim consumar-se o desmantelamento da anterior Sociedade Distrialmada - Insolvente.

  3. Foi assim no exercício das suas funções, e após denúncia veiculada no processo de Insolvência, que o Senhor Administradortomouconhecimento do contrato de trespasse de um estabelecimento comercial “I...”, no valor de 455.634,82€, pagamento feito com base num cheque emitido pela sociedade SODISOBREDA, que veio a ser encontrado nos cofres da Insolvente DISTRIALMADA, e apreendido pela PJ.

  4. Cheque, esse, que se veio a confirmar que a referida sociedade revogou por Furto/Roubo.

  5. Ora, para o doutro Tribunalda Relação de Lisboa, face à matéria data como provada não existe na operação em causa qualquer fingimento no negócio, mas sim apenas a intenção de prejudicar os credores.

  6. No entanto, face à prova produzida e dada como assente não se pode aceitar tal entendimento, pois de facto as declarações emitidas pelas partes foram totalmente falsas e enganadoras com o propósito claro está de prejudicar os credores e defraudar as suas expetativas de verem os seus créditos em parte ressarcidos, permanecendo os bens de fortuna na sua espera patrimonial, evidenciando assim que a real intenção nunca foi efetuar qualquer venda a respeito do referido estabelecimento comercial.

    I. Nestes termos, os simuladores fingiram realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade, não queriam realizar negócio jurídico algum, pelo que não pode deixar de se considerar que o contrato de trespasse do estabelecimento comercial se encontra ferido de nulidade nos termos do Artigo 240.º n.º 2 do C.Civil.

  7. O estabelecimento continuou na esfera das mesmas pessoas, mudou apenas a sociedade detentora, os sócios/gerentes continuam os mesmos.

  8. Andou bem o douto Tribunal a quo quando decidiu que face a toda a matéria de facto provada Evidenciam-se: - O indício necessitas, a ausência de motivo para o negócio; - O indício affectio; -O indíciointerpositio, ainterposição de uma terceirapessoa, aR. sociedade, constituída para o fim visado, a dissipação; - O indício disparitesis, o esvaziamento da Devedora. Acresce a ausência do pagamento do preço (…).

    L. Nestes termos e ao invés do que a Ré/Recorrida veio fazer crer em juízo, o que pretendeu com a realização deste trespasse foi efetivamente defraudar as expectativas dos credores da Massa Insolvente de poderem ver partes dos seus créditos ressarcidos, considerando-se tal negócio claramente prejudicial à Massa, na medida em que se pretende a todo o custo frustrar a satisfação dos credores da Insolvente.

  9. Assim sendo, e tendo em consideração toda a matéria de facto provada, verificamos que a mesma consubstancia na íntegra todos os requisitos necessários à verificação da simulação negocial, estando-se perante uma simulação absoluta, na medida em que os simuladores fingiram realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade, não queriam realizar negócio jurídico algum, pelo que o contrato de trespasse do estabelecimento comercial se encontra efetivamente ferido de nulidade nos termos do Artigo 240.º n.º 2 do C.Civil.

  10. Também o douto Tribunal da primeira instância concluiu que, da matéria de facto provada, resulta a existência de divergência entre as vontades e as declarações emitidas.

  11. Pois de toda a prova produzida, quer testemunhal quer documental verificou-se que de facto não se pretendia transmitir o estabelecimento (a vontade declarada), mas sim esvaziar a Devedora de património, enganando e defraudando os seus credores.

  12. Nestes termos, a transmissão padece do vício da simulação absoluta, que conduz à sua nulidade, tendo assim o Tribunal a Quo feito uma acertada interpretação e aplicação do direito aos factos concretos.

  13. Por sua vez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa vem-se defender que “A intenção de enganar não se confunde com a intenção de prejudicar,” e que por esse motivo considera que não se verificam os pressupostos da nulidade do contrato por simulação.

  14. Vem o Tribunal da Relação alegar assim que falta o requisito subjetivo da simulação – a divergência entre a vontade declarada e a vontade real dos declarantes, S. Ora, com o devido respeito, que é muito, não se pode aceitar tal entendimento! T. Nas operações desencadeadas pelas partes temos clara a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (pactum simulationis) e o intuito de enganar terceiros, neste caso os credores.

  15. Pai e filho celebraram em 29/02/2012 um negócio de trespasse de um estabelecimento, onde declaram o pagamento do preço, através de cheque que depois revogam por Furto/Roubo.

    V. À data, BB (Pai) era gerente e sócio da Devedora Insolvente, e CC (filho) era sócio maioritário da Devedora Insolvente.

  16. De ressalvar que em24-02-2012, havia sido declarada a insolvência pessoal de BB e cônjuge.

    X. No próprio dia da celebração do negócio de trespasse CC (o filho) é nomeado gerente da Ré/Recorrida, tendo ambos renunciado à gerência e transmitido as quotas da insolvente a um terceiro (“testa de ferro”).

  17. Assim assinando o escrito intitulado “Trespasse”, os intervenientes visaram retirar património da esfera jurídica da Devedora, a fim de defraudar as expectativas dos credores de poderem ver parte dos seus créditos ressarcidos.

  18. Mas garantiam que o mesmo permanecia na sua esfera patrimonial através de sociedade criada no mesmo dia para o efeito.

    AA. Ora, com todo o respeito, a intenção, não era de todo a concretização de um real e sério contrato de trespasse, com verdadeira vontade de transmitir e de adquirir, as partes apenas atuaram com o intento de enganar os credores tendo emitido as declarações negociais exclusivamente com esse intuito.

    BB. Visaram “desmantelar” a Devedora, assim ocorrendo, ficando esta sem ativos imprescindíveis ao exercício do seu objeto social, mas claramente que tal bem permaneceu na “esfera” patrimonial dos intervenientes.

    CC. Também alega o douto Tribunal da Relação que da petição inicial não consta expressamente alegada a falta de vontade de alienação/venda da insolvente e falta de vontade de aquisição/compra da Recorrente.

    DD. Quando a Autora, aqui recorrente no seu Art. 28º e 34.º da PI o alega expressamente.

    EE. Ademais o próprio Tribunal a Relação recorre a exemplos de simulações absolutas claramente subsumíveis aos factos assentes - como exemplo de simulação absoluta a “chamada venda fantástica (…), da qual lança mão principalmente para lesar os credores do simulado alienante.

    1. Nestes termos, face a todo o exposto, e aos factos carreados e provados, verifica-se que as partes concretizaram, o que o Tribunal da Relação persistiu em afastar (…) a vontade real das partes correspondeu à vontade de manter o estabelecimento em questão no património e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT