Acórdão nº 0638/15.1BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução02 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – AA, com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, contra a Ordem dos Advogados, igualmente com os sinais dos autos, acção administrativa, na qual formulou o seguinte pedido: “[…] ser anulado ou declarado nula (…) a deliberação do Conselho de Deontologia do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados que puniu o autor com multa no valor de €7.500,00 […]».

2 – Por sentença de 04.05.2021, o TAF do Porto julgou a acção procedente e anulou o acto impugnado.

3 – Inconformada, a Ordem dos Advogados, recorreu daquela decisão para o TCA Norte, que, por acórdão de 25.03.2022, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e julgou a acção totalmente improcedente, mantendo o acto impugnado na ordem jurídica.

4 – É desta decisão que o A. interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 20.10.2022, a admitiu.

5 – O Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] *** VI. O Tribunal a quo decidiu não se ver que outra solução se possa adoptar -reportando-se, aqui, às regras de prescrição de penas - porque ficou encapsulado numa interpretação restritiva e formal da norma que remete a aplicação subsidiária para normas procedimentais.

VII. Da circunstância de a norma ter sido aprovada como foi, não é legítimo tirar a conclusão que o coletivo retirou, ou seja, que se apenas se reporta a mesma às normas procedimentais é porque relativamente às substantivas se pretendeu solução diversa, portanto, aproximada das regras do direito penal.

VIII. Quando se percebe o que foi proposto e o que foi aprovado pela A.R e, consequentemente, vertido no Estatuto em questão, a conclusão mais acertada a retirar em termos interpretativos e de integração não é aquela que consta da decisão recorrida mas, antes, a de o legislador não ter querido tomar posição sobre este assunto, deixando-o, portanto - por falta de consenso para outra solução absolutamente remetente para a LGTFP ou para a lei penal - para os operadores administrativos ou judiciários que a qualquer momento pudessem ser confrontados com esta concreta questão substantiva disciplinar.

IX. Por outro lado, as associações profissionais são pessoas coletivas de direito público no que se refere à sua atividade e função reguladora a qual lhe foi delegada pelo Estado, pelo que em certa medida são uma extensão do Estado e desempenham uma função de regulação administrativa de uma profissão o que levam a efeito, de modo particular, mediante a ação disciplinar.

X. É compreensível que a prescrição de uma multa aplicada pela prática de um crime seja 4 anos, mas já não é aceitável e proporcional que havendo norma que estabelece que a prescrição da sanção disciplinar de multa é de 3 meses se aplique o prazo penal de 4 anos.

XI. Não existe nada, mas mesmo nada que permita, justifique ou legitime recorrer a um prazo de 4 anos para considerar uma multa disciplinar prescrita, quando, a generalidade das multas desta índole, prescrevem em meses ou em prazos manifestamente inferiores do que 4 anos.

XII. Recorrer ao direito penal como analogia quando se poderia recorrer a solução prevista em outro distrito sancionatório disciplinar é manifestamente desproporcional e arbitrária, pondo em causa, no caso concreto, o direito de liberdade de acesso à profissão de advogado que é um direito, liberdade e garantia, pelo que é uma forma de integração que viola o artigo 47º da CRP, bem como os artigos 17.º e 18.º da CRP.

XIII. A própria demandada aprovou parecer concluindo pelo distanciamento na aplicação do direito penal e do processo penal às situações disciplinares.

XIV. A sanção administrativa, incluindo a disciplinar, não se confunde em gravidade jurídica com a sanção criminal, pois esta envolve, pela sua natureza, um desvalor acrescido em face da primeira, que por isso mesmo, requer maior proteção da pessoa do arguido.

XV. A pena criminal e a sanção administrativa regem-se por coordenadas teleológicas em boa medida distintas, pois a última destina-se, sobretudo, a satisfazer um imperativo de justiça, infligindo ao culpado um desvalor que restabeleça um equilíbrio entre a sua situação e a daqueles que ele ofendeu, incluindo entre estes a própria comunidade, enquanto que a sanção administrativa (da qual a disciplinar constitui uma categoria) inflige um desvalor não apenas, ou mesmo principalmente, por razões de justiça individual, mas à luz da finalidade de assegurar a boa realização administrativa dos interesses públicos postos por lei a cargo da pessoa coletiva cujo órgão age repressivamente.

XVI. Perante esta dicotomia entre pena e sanção disciplinar diremos que o mais apropriado e acertado – o mais proporcional - em função das finalidades de cada situação teria sido aplicar às sanções disciplinares aplicadas pela demandada recorrida o regime de prescrição de outras sanções disciplinares vigentes no regime comum disciplina público, afastando a possibilidade de aplicação da prescrição das penas criminais.

XVII. Ao não ter decidido deste modo, e sem que sequer o tenha conseguido fundamentar de modo cabal, o Tribunal a quo aplicou ao caso concreto regime desproporcional e desajustado, atendendo os interesses e finalidades em presença e, mais particularmente, optando por aplicar ao arguido regime menos favorável o que contraria uma das regras mais elementares (diríamos, até, que de ordem pública) de qualquer direito sancionatório quer este seja de natureza criminal ou não.

XVIII. A integração levada a cabo pelo Tribunal a quo é manifestamente desproporcional e põe em causa no caso concreto o direito de liberdade de acesso à profissão de advogado que é um direito, liberdade e garantia vertido no artigo 47º da CRP, bem como os artigos 17º e 18º da CRP, bem como o princípio da aplicação do direito mais favorável a arguido, o qual também tem representação não apenas na sucessão de leis no tempo, mas na escolha de soluções de integração perante lacunas legais.

NESTE TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO E, APÓS ESSE MOMENTO, SER JULGADO PRECEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA.

[…]».

6 – A Ordem dos Advogados contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões: «[…] A. Tendo sido notificado do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte de 28.03.2022 que, conhecendo da motivação recursiva do recurso de apelação interposto pela Ré, revogou o sentido decisório da Sentença proferida pelo TAF do Porto e substitui-a por decisão que considerou improcedente o pedido de verificação da prescrição da pena disciplinar de multa aplicada ao Autor, B. Não se conformou o Autor nos presentes autos, tendo apresentado recurso de revista em 06.05.2022, recurso este que foi notificado à Ré em 09.06.2022.

C. Sempre se diga que, para todos os efeitos, sempre se deverá ter o referido recurso de revista interposto pelo Autor como votado ao insucesso, atento o facto de, por um lado, não se mostrar de molde a ver a sua motivação apreciada, nos termos em que in casu não se verifica o preenchimento de qualquer um dos requisitos substanciais do recurso excepcional de revista, cfr. o disposto no n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, D. Por outro lado, não se discerne qualquer argumento que tenha sido aduzido com a motivação recursiva que se mostre capaz de implicar entendimento diverso do propugnado pelo Tribunal a quo, o qual, em qualquer caso, deverá prevalecer.

Previamente, (…) II – Da correcção do Acórdão prolatado pelo TCA – Norte S. Sempre se diga que, salvo melhor entendimento que não se conjectura, o Tribunal Central decidiu, no Acórdão ora colocado em crise, com correcção inabalável, ao pronunciar-se pela improcedência do peticionado pelo ora Recorrente e pela legalidade e insusceptibilidade de censura da conduta da Ré O.A., conforme, aliás, resulta do teor do decisório, «Ou seja, foi clara intenção do legislador aplicar subsidiariamente ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados as normas procedimentais previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada e apenas estas.

Não as normas substantivas, como são as relativas ao instituto da prescrição. Também na própria decisão recorrida se reconhece que se procede, ao aplicar subsidiariamente todas as normas, procedimentais e substantivas, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, ao poder disciplinar da Ordem dos Advogados, a uma interpretação correctiva.

Ora esta interpretação só tem lugar quando claramente o legislador disse o contrário ou coisa diferente do que queria dizer. Não pode significar alteração da vontade, sobretudo se é clara, do legislador.

Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2015, de 24.03.2015, publicado no Diário da República, I Série, de 24.03.2015: “A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida.

Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, 2 (do Código Civil): não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso". Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto "falhado" se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador. Não significa isto que se não possa verificar a eventualidade de aparecerem...

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