Acórdão nº 01362/09.0BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução01 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela FAZENDA PÚBLICA, visando a revogação da sentença de 12-07-2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação deduzida por A..., S.A., melhor sinalizado nos autos, referente à liquidação adicional n.º 01141617 de Imposto sobre o Valor Acrescentado, no valor de 885.536,40 EUROS, e à liquidação n.º 01141616 de juros compensatórios, no valor de 77.272,15 EUROS, relativa ao exercício de 1997.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

  1. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença recorrida, que julgou a ação procedente, contra a liquidação adicional n.º 01141617 de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante, IVA), no valor de 885.536,40 EUROS, e liquidação n.º 01141616 de juros compensatórios, no valor de 77.272,15 EUROS, relativa ao exercício de 1997.

    B) Ainda que ao locador que não liquida o valor da operação não lhe assista o direito de deduzir, nada há a deduzir se nada foi liquidado. A circunstância do sujeito passivo se ter transformado num autêntico cliente final suportando o valor de uma fatura que se foi permitindo fazer acrescer o IVA a cada operação a montante realizada não significa que se tenha produzido uma desvantagem na esfera patrimonial do sujeito passivo, in casu, da Impugnante, pois que todo o montante da fatura não liquidada entre em regra de gastos em termos de IRC.

    C) Esta ideia que procura dar relevância ontológica apenas à parte do imposto ocultamente suportado na ótica do IVA, menosprezando os efeitos que o mesmo pode produzir no seio do apuramento dos outros impostos (IRC ou IMT), não permite, só por si, chegar à conclusão que ocorreu uma lesão na esfera patrimonial da sociedade e aborda o fenómeno de forma limitada.

    D) Ainda que não nos custe aceitar a natureza constitutiva do direito de renúncia à isenção, de resto, já sufragada pela jurisprudência deste Colendo STA nesta situação em particular, não nos parece que esteja em causa um rigoroso exercício do direito à dedução. Não se pode aceitar que se confunda o exercício do direito à dedução do direito ao reembolso do imposto decorrente o exercício do direito de renúncia à isenção.

    E) Deduzir o imposto que foi sendo liquidado, de forma sucessiva e transversal aos vários períodos e exercícios, ou, beneficiar de uma isenção e depois renunciar a ela, permitindo-se que o sujeito passivo possa em uma única declaração periódica contemporânea da declaração de renúncia ser reembolsado do IVA – não assume o mesmo efeito fiscal. E provoca, também ela, ao longo dos sucessivos exercícios distorções a nível fiscal que influenciam o apuramento do imposto ao arrepio do próprio princípio da neutralidade fiscal.

    F) Um rigoroso exercício do direito à dedução, nestas situações, haveria de incutir, em nome da tão propagada neutralidade fiscal, no sujeito passivo, a obrigação de reconstituir a sua situação tributária, através da dedução do IVA nos vários momentos em que o mesmo se foi tornando exigível. E, não, vir, passados 4 anos dos factos tributários, pedir o reembolso de IVA não deduzido, mas que, sublinhe-se pode até ter sido usado como gasto fiscal em termos de IRC nos anos transatos.

    G) Ainda que se concorde com a posição de PATRÍCIA NOIRET CUNHA, quando afirma que o art. 91.º do CIVA não indica qualquer prazo para efeitos de dedução do imposto suportado pelos sujeitos passivos, relacionado com a data de emissão das faturas, e, concordando que o que está em causa é a fixação de um termo final do prazo até ao qual se pode exercer o direito à dedução contado do nascimento do direito à dedução, discordamos que essa circunstância pudesse ou devesse suscitar na esfera do legislador a necessidade de introduzir um normativo legal que previsse a dedução o IVA mencionado em faturas emitidas até 4 anos antes da data do nascimento do direito à dedução.

    H) Desde logo porque ontologicamente o direito à dedução assenta umbilicalmente na própria liquidação do imposto, pelo que, qualquer prazo que estendesse esse direito para além do próprio prazo de caducidade do direito à liquidação, ainda que contado da declaração de renúncia do direito à isenção, sempre se teria de se considerar tacitamente revogado pelo próprio prazo de caducidade da liquidação, obviando ao próprio pedido de reembolso do IVA não liquidável.

    I) De resto, o que impede um sujeito passivo, em termos de IRC, andar a considerar o IVA gasto fiscal dos 4 anos anteriores à declaração de renúncia à isenção e quatro anos depois ser reembolsado do próprio IVA? Isso não deveria obrigar o sujeito passivo a corrigir esses exercícios, em sede de IRC uma vez que o IVA suportado nas faturas foi subsequentemente reembolsado dissipando a existência de um custo? E como é que seria possível corrigir a situação tributária do sujeito passivo para além do prazo de caducidade neste particular? J) A Fazenda Pública, tem, pois, fundadas razões, para divergir do entendimento sufragado, entendendo que o mesmo deveria ser revisto em nome da prevalência da neutralidade fiscal que foi violada e da prossecução do interesse público de que depende a correta observação e apuramento das realidades tributárias, considerando que inexiste ilegalidade relativamente ao indeferimento do pedido de reembolso no montante de 177.534.109$00 (€ 885.536,40) ultrapassado que estava o prazo para o pedido de reembolso em face do próprio prazo do direito à liquidação.

    L) Estamos, pois, perante erro de julgamento decorrente de incorreta subsunção jurídica, mostrando-se violado o disposto nos arts. 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86, 12.º e 91º do CIVA pelo que não pode a sentença, deixar de ser revogada e substituída por acórdão que julgue improcedente a presente Impugnação Judicial.

    Termos em que, deverá ser considerado totalmente procedente o recurso e revogada a douta sentença julgando-se a ação improcedente.

    V/Exas, porém, decidindo, não deixarão de fazer habitual e sã justiça.

    A recorrida A..., S.A.

    produziu contra-alegações que finalizou com as seguintes conclusões: 1. O Recurso interposto pela Fazenda Pública tem como objecto a mui douta Sentença prolatada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 12.07.2022, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida contra a liquidação adicional no 01141617 de IVA (montante de €885.536,40), e contra a correspectiva liquidação no 01141616 de juros compensatórios (montante de €77.272,15), referentes ao ano de 1999 e datadas de 30.07.2001.

    2. A questão decidenda suscitada por via do Recurso consiste, grosso modo, em saber em que momento se inicia o prazo para o exercício do direito à dedução do IVA pelos sujeitos passivos que optem pela renúncia à isenção de IVA na locação de imóveis.

    3. No caso concreto, a Autoridade Tributária recusou a dedução do IVA contido em facturas emitidas há mais de quatro anos, reiterando a Fazenda Pública, em sede de Recurso, a manutenção do indeferimento do pedido de reembolso, ultrapassado que estava o prazo de caducidade do direito à liquidação, imputando assim à Sentença a quo erro de julgamento por violação dos artigos 1º e 4º do Decreto-Lei no 241/86, de 20 de Agosto, e dos artigos 12º e 91º do Código do IVA, por aquela ter concluído que o termo inicial do prazo para o exercício do direito à dedução é a data em que nasceu o direito à dedução, que não pode ser senão aquele em que foi emitido o certificado de renúncia (1999), e não a data de emissão da factura (1994).

    4. A Recorrida reitera o seu posicionamento vertido na Petição Inicial, rectius, que a liquidação impugnada padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito quer se entenda que o direito à dedução do IVA nasceu em 1999, quer se entenda que nasceu em 1994, por força dos artigos 22º, nº 1 e 91º, nº 2 do Código do IVA, artigos 4º, nºs 1 e 2 e 9º do Decreto-Lei nº 241 /86, de 20 de Agosto, e artigos 13º C e 17º da Sexta Directiva (tendo tais normas por referência a redacção em vigor à data dos factos, porque tempus regit actum).

    5. Quanto ao nascimento do direito à dedução do IVA em 1999: entendeu a Autoridade Tributária que em 06.12.1999, data da emissão do certificado de renúncia (cfr. ponto M) do probatório) havia já caducado o direito à dedução do IVA relativo às despesas incorridas em 1994 com a construção dos imóveis objecto de renúncia à isenção, embora confesse que o direito à dedução nasceu com a emissão do certificado (cfr. Informação da Direcção de Serviços do IVA de fls. 103 do PA nº 09).

    6. Tanto quanto se consegue alcançar das conclusões do Recurso, embora reconhecendo que o certificado de renúncia reveste natureza constitutiva do direito de renúncia à isenção (conclusão D) do Recurso) e que inexiste, no artigo 91º do Código do IVA, prazo para a dedução do imposto contado da data da emissão das facturas, mas sim contado do nascimento do direito à dedução (conclusão G) do Recurso), alega a Fazenda Pública, paradoxalmente, que o prazo para o exercício de tal direito à dedução teria de confinar-se, sempre, ao prazo de caducidade do direito à liquidação (conclusão H) do Recurso.

    7. A Fazenda Pública faz, assim, uma equiparação do direito à dedução do imposto ao direito à liquidação do imposto, o que não encontra acolhimento legal, sendo tal interpretação errónea e violando frontalmente o então artigo 91º, nº 2 do Código do IVA, que determinava que, "sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só poderá ser exercido até ao decurso de cinco anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente." (realce nosso).

    8. Daqui resulta que o nascimento do direito à dedução é condição sine quo non para o início do prazo de caducidade do direito à dedução do IVA suportado na construção: enquanto não nascer...

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