Acórdão nº 1227/22.0T8STS.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelANA RESENDE
Data da Resolução01 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

REVISTA n.º 1227/22.0T8STS.S1 ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Relatório 1.

AA, A..., Lda, e BB, vieram interpor contra CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA E MÚTUO DA PÓVOA DE ...

, CRL, junto do Juízo de Comércio de ..., Comarca do Porto, a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo que seja anulada a deliberação que aprovou a proposta de nomeação dos membros da lista única para os órgãos da R, levada à discussão em Assembleia Geral da R. de 31 de março de 2022, porquanto assente em instrução ilegal (exclusão dos AA das listas candidatas àqueles órgãos) e processo de formação da Assembleia Geral desconforme, também ele, com as prescrições legais.

1.1. Alegam para tanto que são cooperantes da R. e integravam as listas de candidatos às eleições realizadas a 31 de Março de 2022, o 1.º A e o 3.º A, de modo próprio como candidatos aos cargos de Presidente do Conselho de Administração e Presidente da Mesa de Assembleia Geral, respetivamente, e a 2.ª A, representada por CC, como candidata ao cargo de Presidente do Conselho Fiscal.

Estas listas foram excluídas pela Comissão de Avaliação, apesar das invalidades, formal e material, desse processo de decisão, oportunamente reclamadas junto do Presidente da Mesa, nos termos estatutários.

O Presidente da Mesa da Assembleia-Geral em exercício de funções declarou aprovados os órgãos para o Conselho Fiscal e Conselho de Administração da R., integrantes da única lista que subsistiu.

Todo o processo eleitoral e consequente deliberação se encontram viciados em termos insanáveis.

Desde logo no processo de instrução das listas candidatas, no que respeita à seleção e avaliação da adequação dos membros dos órgãos da administração e de fiscalização na observação do Regulamento Eleitoral e Política de Seleção, com a intervenção da Comissão de Avaliação, relativamente à qual houve composição e recomposição em pleno processo eleitoral e conclusão do processo de avaliação, carecendo da necessária idoneidade e qualificação ou experiência profissional, não observando os ditames estatutários e legais, indevidamente avaliando os elementos da lista excluída, apoiando-se em critérios parciais e desconsiderando a organização societária proposta.

Por sua vez o procedimento de deliberação subjacente à Deliberação de 31 de março de 2022 foi ilegal, e nessa medida anulável.

Com efeito, a exclusão ilegítima da lista integrada pelos AA, foi sujeita a deliberação da Assembleia-Geral a eleição da única proposta de listas daqueles órgãos, pelo que a vontade daquela, para ser válida e eficaz, tinha de manifestar-se por maioria dos votos emitidos, para o que não relevavam as abstenções, e para tanto os cooperantes tinham de ter tido a oportunidade de escolha do seu sentido de voto, o que não aconteceu, apenas havendo no boletim de voto um quadrado para votar na lista única, inexistindo assim a possibilidade de os votantes recusarem a deliberação posta à votação.

Assim, quer pela instrução do processo em si, quer pelo modo da discussão e votação da proposta apresentada à Assembleia-geral, a nomeação dos membros dos órgãos da R. está inquinada de vícios que determinam a sua anulabilidade 2. Ouvidos os AA., vieram os mesmos pronunciar-se no sentido de não prevalecer a interpretação restritiva do art.º 128, n.º1, da LOSJ, não existindo fundamento para a prolação de despacho de indeferimento liminar.

  1. Foi proferido despacho liminar, que julgou o Juízo de Comércio incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido deduzido, indeferindo liminarmente a ação.

  2. Inconformados, vieram os AA interpor recurso diretamente para este Tribunal, processado como revista, formulando nas suas alegações, as seguintes conclusões: (transcritas) Os Recorrentes não se conformam com o sentido e conteúdo da decisão, entendendo que a mesma padece de violação da lei por erro de determinação e de interpretação das normas aplicáveis. Com efeito, DA COMPETÊNCIA MATERIAL i. Resulta do art. 128.º/1, als. c) e d) da LOSJ que “Compete aos juízos de comércio preparar e julgar as ações relativas ao exercício de direitos sociais e (…) de anulação de deliberações sociais”.

    ii. O pedido dos autos é a “anulação da deliberação que aprovou a proposta de nomeação dos membros da lista única para os órgãos da ré”, com fundamento nas irregularidades do processo de instrução e exclusão dos AA., aqui Recorrentes, das listas candidatas àqueles órgãos que estes integravam de modo próprio ou através de representantes indicados.

    iii. Nos termos do art. 9.º/3 do Cód. Civil, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

    ”.

    iv. A previsão do art. 128.º /1 da LOSJ é em tudo igual à do art. 89.º/1 da LOFTJ, i.e., o legislador manteve ipsis verbis a redação da legislação anterior, não tendo acolhido, portanto, a interpretação restritiva do pretérito art. 89.º/1 da LOFTJ.

    1. Mais: o enquadramento legislativo que servia de fundamento a essa interpretação restritiva não se encontra já em vigor, sendo, por isso, inaplicável aos presentes autos.

      vi. De facto, a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, foi expressamente revogada pelo art. 187.º/ al. b) da LOSJ, e bem assim os trabalhos preparatórios da proposta de Lei 182/VII, DR de 12 de Junho de 1998, II série, n.º 59, pág. 1279.

      vii. E, tendo o legislador tido oportunidade para esclarecer a sua vontade quanto a uma eventual restrição do âmbito de aplicação da norma através da nova legislação que produziu que se encontra em vigor desde 2013, não o fez, mantendo a alusão, de forma indiferenciada, a “ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais”.

      viii. Introduziu, também, nesta norma a alínea i) nos termos da qual “compete às secções de comércio preparar e julgar as ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.”.

      ix. Ora, ao encontro do que resulta dos arts. 1.º e 3.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo (RJCAM), a Ré é uma instituição de crédito sob a forma de cooperativa de responsabilidade limitada, portanto, uma cooperativa de crédito especial.

    2. Também nos termos dos seus Estatutos se dedica “1. (…) ao exercício de funções de crédito agrícola a favor dos seus Associados e a prática dos demais atos inerentes à atividade bancária (…). / 2. (…) podendo a Caixa Agrícola, cumpridas as regras prudenciais, efetuar operações de crédito com finalidades distintas até ao limite de 35% do valor do seu ativo líquido, podendo este limite ser elevado até 50% com autorização do Banco de Portugal, mediante proposta da Caixa Central.

      1”.

      xi. Do mesmo modo, dispõe o art. 3.º, al. c) do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) que são instituições de crédito, entre outras, as caixas de crédito agrícola mútuo.

      xii. Segundo o Ac. do Tribunal de Contas, 2043/2018 “As caixas de crédito agrícola mútuo têm por objeto principal “o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais atos inerentes à atividade bancária” (…), bem como, a realização de operações de crédito com os seus associados e não associados, (…); / Tais entidades são instituições de crédito, ainda que de regime cooperativo, recebem depósitos ou outros fundos dos seus clientes, integram o sistema financeiro português, sob supervisão do Banco de Portugal, e encontram-se submetidas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, na sua atual versão”.

      xiii. Daqui decorre que nem todas estas instituições de crédito são constituídas sob a forma de sociedade comercial, como é o caso da Ré, constituída sob a forma de cooperativa de responsabilidade limitada, e não é por isso que os Juízos de Comércio deixam de ser competentes para julgar das ações de liquidação respetivas.

      xiv. Pelo contrário: do art. 128.º/. al. i) decorre expressamente que o são para preparar e julgar as ações relativas a sujeitos que não revistam a forma de sociedade comercial.

      xv. Em consequência da lei atualmente em vigor, as Secções de competência especializada de Comércio têm competência mais vasta do que a dos pretéritos Tribunais de Comércio.

      xvi. Acresce que a Ré pratica continuamente atos substancialmente de comércio, o que não pode deixar de repercutir-se na sua natureza material.

      xvii. Com efeito, “Para atribuição da qualidade de comerciante, o elemento fundamental não é o lucro, em sentido restrito, mas o exercício de uma empresa comercial, a economicidade da atividade exercida.

      / Uma sociedade cooperativa de habitação e construção, que tem por objeto principal a construção ou a sua promoção e aquisição de fogos para habitação dos seus membros e a gestão, reparação, manutenção ou remodelação dos mesmos, deve ser considerada comerciante (…).”2.

      xviii. A Ré dedica-se à concessão de crédito e à prática dos demais atos inerentes à atividade bancária, não apenas em benefícios dos sócios, mas também terceiros, não associados.

      xix. E, nos termos do art. 43º do RJCAM, “os resultados obtidos pelas caixas agrícolas, após cobertura de eventuais perdas de exercícios anteriores e após as reversões para as diversas reservas, podem retornar aos associados sob a forma de remuneração dos títulos de capital ou outras formas de distribuição, nos termos do Código Cooperativo.”, tendo “As associadas da Caixa Central (…) direito a partilhar dos lucros de cada exercício, tal como resultem das contas aprovadas, excetuada a parte destinada às reservas legais ou estatutárias.

      ” – art. 54º/1 do RJCAM.

      xx. Os atos praticados pela Ré são, pois, atos comerciais, quer em sentido objetivo, quer em sentido subjetivo3 .

      xxi. É que, “(…) para além das sociedades comerciais, outras pessoas coletivas podem ser comerciantes. É o caso das (…) cooperativas – quando tais pessoas coletivas tenham objeto comercial (tenham por objeto a prática de...

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