Acórdão nº 00633/15.0BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO AA propôs ação administrativa contra a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), pedindo a sua condenação no pagamento de EUR 25.766,25 a título de danos patrimoniais e de EUR 4.000,00 a título de danos não patrimoniais por si sofridos, com base em responsabilidade civil por ato ilícito.

Por sentença proferida pelo TAF de Mirandela foi julgada parcialmente procedente a acção e a) condenado o Réu a pagar à Autora a quantia de EUR 25.766,25 (vinte e cinco mil setecentos e sessenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais; b) condenado o Réu a pagar à Autora a quantia de EUR 2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais; c) Absolvido o Réu do demais peticionado.

Desta vem interposto recurso pelo Réu.

Alegando, formulou as seguintes conclusões: Vem o presente recurso interposto: a) do Despacho Saneador de 22-12-2016, por incorrer no vício de omissão de pronúncia como resulta do disposto na alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC (regime aplicável aos despachos por força do n° 3, do artigo 613° do mesmo diploma legal), o que conduz à nulidade do mesmo; b) bem como, da Sentença proferida em 19-08-2022, pois como ato subsequente, encontra-se ferida dos mesmos vícios já apontados ao Despacho recorrido, devendo a mesma ser anulada.

B. O Tribunal "a quo" no Despacho Saneador, de que agora se recorre, fez tábua rasa quanto às questões prévias de que cumpria conhecer oficiosamente e que obstam ao conhecimento da causa, ao ter ignorado a natureza jurídica da relação material controvertida, a qual conduz, necessariamente, à falta de personalidade judiciária do Réu DGAV/Ministério para os presentes autos, pelo que, e como consequência da falta deste pressuposto processual, deveria ter sido o Réu DGAV/Ministério absolvido da instância.

C. Pois resulta, quer a doutrina, quer a jurisprudência, são unânimes no sentido de que as ações administrativas comuns que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual devem ser interpostas contra o Estado, representado pelo Ministério Público, e não contra os ministérios.

D. Por tudo quanto se disse, verifica-se, no presente caso, a falta de personalidade judiciária do Réu DGAV/Ministério, pelo que estamos perante uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, e assim sendo, mesmo não tendo tal exceção sido invocada por nenhuma das partes, não podia o Tribunal "a quo", face aos elementos constantes dos autos, deixar de apreciar oficiosamente a falta de personalidade judiciária de alguma das partes.

E. E assim sendo, verifica-se que o Despacho Saneador recorrido incorre no vício de omissão de pronúncia, como resulta do disposto na alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC (regime aplicável aos despachos por força do n° 3, do artigo 613° do mesmo diploma legal), o que conduz à nulidade do mesmo, devendo ser substituído por outra decisão que declare a falta de personalidade judiciária do Réu DGAV/Ministério para os presentes autos, e em consequência ser o mesmo absolvido da instância.

F. Do anteriormente exposto, resulta evidente, por si só, a razão pela qual se assume forçosa a conclusão de que a Sentença recorrida, como ato subsequente, se encontra ferida dos mesmos vícios já apontados ao Despacho recorrido.

G. Desde logo porque, conforme dispõe o artigo 195° n° 2 do CPC, "Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente...", e padecendo o Despacho Saneador, como se demonstrou, do vício de omissão de pronúncia que conduz à sua nulidade, a Sentença, como ato subsequente e dando cobertura àquele vício, também ela própria, por esse efeito, acaba por ficar contaminada pelo referido vício.

H. Resultando assim, que em consequência da procedência dos vícios de que padece o Despacho saneador, todo o processado subsequente àquele despacho deverá ser anulado, inclusive a Sentença final.

Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e fundado e, em consequência, ser, i) Declarada a nulidade do Despacho Saneador, devendo o mesmo ser substituído por outra decisão que declare a falta de personalidade judiciária do Réu DGAV/Ministério para os presentes autos, e em consequência ser o mesmo absolvido da instância.

ii) Em consequência da procedência dos vícios de que padece o Despacho saneador, todo o processado subsequente àquele despacho deverá ser anulado, inclusive a Sentença final.

Assim se fará Justiça.

Não foram juntas contra-alegações.

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1. A Autora teve como profissão viveirista – produtor/fornecedor de materiais de propagação vitícola -, licenciada pela Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural - DGADR, com o nº de registo ...85, entre os anos de 2010 e 2014, tendo cessado a sua atividade em 2014-07-01.

  1. Para o exercício da sua atividade, a Autora instalou um viveiro de propagação de plantas-mãe de videiras “vinha brava” para a obtenção de varas.

  2. Para cumprir a sua atividade, a Autora procedia ao corte das varas, em pequenas estacas para posteriormente serem enraizadas, cujo tamanho podia variar entre 40 cm e/ou 1,20 m.

  3. Estas estacas teriam como destino a venda a um único viveirista alemão, BB, que pretendia adquirir toda a produção de estacas.

  4. A Autora emitiu ao referido viveirista as seguintes faturas: - Fatura n.º 4, de 18.01.2013, no valor global de 17.212,50; - Fatura n.°..., de 23.01.2014, no valor de 16.907,10 €; - Fatura n.°..., de 23.01.2014, no valor de 5.560,65 €.

  5. De acordo com o “Manual de Procedimentos para a Certificação de Material de Propagação de Videira” datado de 2014 e emitido pelo Ministério da Agricultura e do Mar, a época de emissão das etiquetas para “estacas para enxertar ou enraizar e garfos” ocorre entre os o dia 01 de novembro e 30 de abril.

  6. O corte das varas tem de ser efetuado no momento em que as mesmas já estão prontas a ser cortadas e de acordo com a pretensão estipulada pelo fornecedor.

  7. Nos anos de 2012 e 2013, a Autora trabalhou o seu viveiro para poder proceder ao corte das estacas, embalá-las e exportar as mesmas para o seu comprador alemão em meados de dezembro.

  8. A Autora requereu no ano de 2012 e no ano de 2013 a emissão das etiquetas de certificação no início do mês de novembro.

  9. Quando à colheira de 2012, a decisão favorável de aprovação por parte da DGAV ocorreu em 08.01.2013.

  10. Quanto à colheita de 2013, a decisão favorável de aprovação por parte da DGAV ocorreu em 14.01.2014.

  11. Após o pedido, por parte da Autora, de etiquetas à VITICERT, estas foram disponibilizadas a 12.01.2013 e a 17.01.2014.

  12. O tempo decorrido entre o tempo de colheita e o armazenamento das estacas à espera da emissão das etiquetas originou uma infeção fúngica nas estacas colhidas para enxertar ou enraizar.

  13. As varas ficaram inutilizadas para exportação.

  14. A Autora emitiu as seguintes Notas de Crédito ao fornecedor: - Nota de Crédito n.° 1, emitida em 10.01.2014, no valor de 3.298,50 €, relativa à Fatura n.° 4, de 18.01.2013, no valor de 17.212,50 €; - Nota de Crédito n.º 2, emitida em 24.04.2014, no valor de 16.907,10 €, relativa à Fatura n.º..., de 23.01.2014, no valor de 16.907,10 €; - Nota de Crédito n.° 3, emitida em 24.04.2014, no valor de 5.560,65 €, relativa à Fatura n.º..., de 23.01.2014, no valor de 5.560,65 €.

  15. As atividades e as circunstâncias do viveiro da propriedade da Autora eram do conhecimento da Direção Regional da Agricultura e Pescas do Norte e da DGAV, entidades que foram instadas para a urgência na emissão dos certificados e acompanharam o desenvolvimento da atividade da Autora.

  16. No 2014, os serviços da Ré comunicaram todas as decisões relativas a estacaria (porta enxertos) à Viticert apenas em meados de janeiro, com vista a garantir a equidade de acesso ao pedido de etiquetas por parte de todos os viveiristas.

  17. A Autora viu-se obrigada a cessar a atividade profissional em virtude das dificuldades de certificação que vêm descritas, com os inerentes prejuízos para a sua vida pessoal e profissional.

  18. As vinhas-mãe da Autora não foram inspecionadas pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAPN) desde 2010, tendo-se mantido nessa situação até 2013.

  19. Por ofício de 28.12.2012, a Ré deu conhecimento à Viticert de que na região de Trás-os-Montes, do total das parcelas inscritas (163 parcelas de vinhas mãe de garfos e 30 parcelas de vinha mãe de porta enxertos), 105 não foram inspecionadas nos últimos 3 anos, dada a escassez de recursos humanos da DRAPN.

  20. Por ofício de 28.12.2012, entre outros, a Ré deu conhecimento à DRAPN de que na região de Trás-os-Montes, do total das parcelas inscritas (163 parcelas de vinhas mãe de garfos e 30 parcelas de vinha mãe de porta enxertos), 105 não foram inspecionadas nos últimos 3 anos, alertando, entre outros, para o potencial risco de dispersão de doenças da videira, em particular da Flavescência Dourada.

    DE DIREITO Atente-se no discurso fundamentador da sentença: Como vimos, a Autora pretende responsabilizar o Réu pelos danos resultantes da aprovação tardia das etiquetas de certificação de que necessitava para a concretização do negócio em que havia investido, no âmbito do desenvolvimento da atividade de viveirista.

    Segundo a Autora, a ilicitude traduz-se na violação dos princípios gerais aplicáveis, traduzida no desrespeito dos prazos razoáveis para a emissão de decisão. Por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT