Acórdão nº 60/23 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 60/2023

Processo n.º 109/2023

Plenário

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I - RELATÓRIO

1. O Presidente da República vem, ao abrigo do artigo 278.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 51.º e 57.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC), submeter à apreciação deste Tribunal, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, as seguintes “normas constantes do Decreto n.º 30/XV da Assembleia da República, que reforça a salvaguarda do interesse público, a autonomia e a independência da regulação e promoção do acesso a atividades profissionais, recebido e registado na Presidência da República, no dia 27 de janeiro de 2023, para ser promulgado como lei:

- a norma constante do artigo 2.º na parte em que altera o n.º 9 do artigo 8.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro;

- a norma constante do artigo 2.º na parte em que altera a alínea e) do n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro;

- a norma constante do artigo 2.º na parte em que altera a alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro;

- as normas constantes do artigo 2.º na parte em que alteram o artigo 20.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro;

- as normas constantes do artigo 3.º, na parte em que aditam o artigo 15.º-A à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.”

2. Os preceitos ora questionados do Decreto n.º 30/XV da Assembleia da República têm o seguinte teor:

«Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro

«Artigo 8.º

Estatutos

(…)

9 -A avaliação final do estágio é da responsabilidade de um júri independente, que deve integrar personalidades de reconhecido mérito, que não sejam membros da associação pública profissional.

Artigo 15.º

Órgãos

(…)

2. (…)

e) Um órgão disciplinar, que deve integrar personalidades de reconhecido mérito com conhecimentos e experiência relevantes para a respetiva atividade, que não sejam membros da associação pública profissional;

Artigo 19.º

Incompatibilidades no exercício de funções

2 - O exercício de funções pelos inscritos nas associações públicas profissionais nos seus órgãos é incompatível com:

a) O exercício de quaisquer funções dirigentes na função pública;

Artigo 20.º

Provedor dos destinatários de serviços

1- Sem prejuízo do estatuto do Provedor de Justiça, as associações públicas profissionais designam uma personalidade independente, não inscrita na associação pública profissional, com a função de defender os interesses dos destinatários dos serviços profissionais prestados pelos membros daquelas.

2 - O provedor dos destinatários dos serviços é designado pelo bastonário ou presidente da associação pública profissional, sob proposta do órgão de supervisão, e não pode ser destituído, salvo por falta grave no exercício das suas funções.

3 - Sem prejuízo das demais competências previstas na lei ou nos estatutos, compete ao provedor analisar as queixas apresentadas pelos destinatários dos serviços e fazer recomendações para a sua resolução, bem como em geral para o aperfeiçoamento do desempenho da associação.

4 - As funções de provedor são remuneradas nos termos regulados no estatuto ou em regulamento da associação pública profissional».

Artigo 3.º

Aditamento à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro

«Artigo 15.º-A

Órgão de Supervisão

1 - O órgão de supervisão é independente no exercício das suas funções, zela pela legalidade da atividade exercida pelos órgãos da associação e exerce poderes de controlo, nomeadamente em matéria de regulação do exercício da profissão.

2 - Sem prejuízo de outras competências estabelecidas por lei, compete ao órgão de supervisão:

a) O exercício das atribuições previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º sob proposta do órgão colegial executivo, em especial a determinação das regras de estágio, incluindo a avaliação final, bem como afixação de qualquer taxa referente às condições de acesso à inscrição na associação profissional;

b) A verificação da não sobreposição das matérias a lecionar no período formativo e, eventualmente, a avaliar em exame final com as matérias ou unidades curriculares que integram o curso conferente da necessária habilitação académica, nos termos da primeira parte do n.º 5 do artigo 8.º após parecer vinculativo da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, a emitir no prazo de 120 dias a contar do pedido;

c) Acompanhar regularmente a atividade do órgão disciplinar, designadamente através da apreciação anual do respetivo relatório de atividades e da emissão de recomendações genéricas sobre os seus procedimentos;

d) Acompanhar regularmente a atividade formativa da associação pública profissional, em especial a realização dos estágios de acesso à profissão, e a atividade de reconhecimento de competências obtidas no estrangeiro, designadamente, através da apreciação anual do respetivo relatório de atividades e da emissão de recomendações genéricas sobre os seus procedimentos;

e) A supervisão da legalidade e conformidade estatutária e regulamentar da atividade exercida pelos órgãos da associação;

f) A proposta de designação do provedor dos destinatários dos serviços, nos termos do n.º 2 do artigo 20.º;

g) A destituição do provedor dos destinatários dos serviços por falta grave no exercício das suas funções, ouvido o órgão colegial executivo.

3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o órgão de supervisão é composto por um número ímpar de membros a definir nos respetivos estatutos, incluindo:

a) 40% representantes da profissão, inscritos na associação pública profissional;

b) 40% oriundos dos estabelecimentos de ensino superior que habilitem academicamente o acesso à profissão organizada em associação pública profissional, não inscritos na associação profissional;

c) 20% cooptados pelos membros referidos nas alíneas anteriores, por maioria absoluta, que sejam personalidades de reconhecido mérito, com conhecimentos e experiência relevantes para a atividade da associação pública profissional, não inscritos na associação profissional.

4 - Os membros previstos nas alíneas a) e b) do número anterior são eleitos pelos inscritos na associação pública profissional, nos termos a definir nos respetivos estatutos.

5 - O provedor dos destinatários dos serviços é, por inerência, membro do órgão de supervisão, sem direito de voto.

6 - Os membros do órgão de supervisão elegem o presidente de entre os membros não inscritos na associação pública profissional.»

Segundo o requerente, as normas questionadas poderão padecer de vício de inconstitucionalidade material, «por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade, previstos nos artigos 13.º e 18.º, da garantia de exercício de direitos políticos, prevista nos artigos 50.º e 269.º, do princípio da autorregulação das ordens Profissionais, dos artigos 47.º, n.º 1 e 267.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa».

3. Os fundamentos apresentados no pedido para sustentar a inconstitucionalidade dos preceitos impugnados são os seguintes:

«[…]

As associações profissionais são consideradas Associações Públicas, gozando de um estatuto com o seguinte assento constitucional:

- Artigo 47º, n.º 1: Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade;

- Artigo 165º, n.º 1, al. s): Reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de Associações Públicas;

- Artigo 267º n.º 4: As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos.

Das normas constitucionais citadas resulta um regime constitucional próprio das Associações Públicas, em particular das Associações Profissionais, que deve ser respeitado pelo legislador.

Com efeito, da conjugação do disposto no n.º 1 do artigo 47º com o n.º 4 do artigo 267º, resulta o princípio da autorregulação das Associações Profissionais, as quais devem reger-se por princípios democráticos internos, dotadas de órgãos próprios, eleitos pelos membros seus associados.

Ora, as normas agora sindicadas estabelecem um conjunto de restrições relevantes ao princípio da autorregulação das Associações Profissionais e à demais proteção constitucional destas entidades.

Desde logo, é o que sucede com a conjugação da competência com a composição do Conselho de Supervisão.

Ao assumir funções que são de verdadeira autorregulação genérica - envolvendo o controlo da legalidade no exercício dessa regulação - tendo titulares que, na sua maioria, não pertencem à respetiva Associação Profissional, e não são democraticamente eleitos pelos associados da mesma, as normas que definem tal composição parecem enfermar de inconstitucionalidade, por violação do referido princípio e correspondentes normas constitucionais.

Note-se, para mais evidente compreensão da incongruência do regime em causa, que, no caso dos Conselhos Gerais das Universidades, que são entidades públicas integradas na administração autónoma do Estado, os membros que não pertençam ao corpo da universidade são cooptados pelos membros eleitos para os ditos Conselhos, e têm, portanto, sempre na sua escolha uma base democrática representativa dos membros da universidade. Acresce que, para assegurar a autonomia universitária, os membros eleitos diretamente encontram-se sempre em maioria no órgão, o que também não sucede na solução consagrada pelo presente diploma.

Ou seja...

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