Acórdão nº 097/22.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 654/2021-T Recorrente: “Banco 1..., S.A.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida, em 3 de Junho de 2022, no processo n.º 654/2021-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=6428.

) pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por oposição com a decisão proferida, em 24 de Março de 2022, no processo n.º 615/2021-T do mesmo CAAD (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=6233.

), transitada em julgado, tendo apresentado alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «A. O presente Recurso tem como objecto a Decisão Arbitral proferida, em 3 de Junho de 2022, no âmbito do processo n.º 654/2021-T, por Tribunal Arbitral constituído no âmbito do CAAD, a qual julgou improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo ora Recorrente com vista à declaração de ilegalidade do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa por aquele apresentado e subjacente liquidação de IMI, no montante de € 129.489,78.

  1. Visou aquele Pedido de Pronúncia Arbitral, consequentemente, a declaração da ilegalidade do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pelo Recorrente e, bem assim, a declaração da ilegalidade parcial do acto de liquidação de IMI sindicado naquela reclamação graciosa, acto esse referente ao ano de 2019.

  2. A este respeito, analisando o pedido quanto ao ano 2019, mais concretamente, debruçando-se sobre a questão da possibilidade de se impugnar liquidações de IMI com fundamento em vícios de actos de fixação de valores patrimoniais, o Tribunal concluiu que «o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT».

  3. Pelo que, «os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pelo Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação da liquidação de IMI, pelo que improcede necessariamente pedido de pronúncia arbitral quanto ao ano de 2019».

  4. O presente recurso baseia-se na contradição, sobre a mesma questão fundamental de direito, entre a Decisão Recorrida e a Decisão arbitral, de 24 de Março de 2022, proferida no processo n.º 615/2021-T.

    A identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto e a identidade substancial das situações fácticas F. Em ambos os arestos aqui em confronto, a questão decidenda ou a questão colocada foi a de saber se, deixando um contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, poderá ainda assim arguir a ilegalidade das liquidações de IMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo dos VPT que serviram de base às liquidações sindicadas.

  5. Contudo, os Tribunais Arbitrais chamados a pronunciar-se sobre aquela questão – assente em factos iguais e num quadro normativo que não sofreu qualquer modificação relevante – alcançaram soluções totalmente antagónicas que não podem coexistir na ordem jurídica.

    A identidade das situações fácticas em causa nos autos H. Na Decisão Arbitral Recorrida o tribunal foi chamado a apreciar a (i)legalidade do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pelo Recorrente e, bem assim, sobre a ilegalidade parcial do acto de liquidação de IMI sindicado naquela reclamação graciosa, acto esse referente ao ano de 2019.

    I. Por sua vez, na Decisão Arbitral Fundamento foi apreciada a (i)legalidade dos actos de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pelos Recorrentes e, bem assim, sobre a ilegalidade parcial dos actos de liquidação de IMI sindicados naqueles pedidos de revisão oficiosa, actos esses referentes aos anos de 2016 a 2019.

  6. Atentando à factologia dada como provada e, por conseguinte, tomada em consideração pelos Tribunais Arbitrais nas suas decisões, resulta que, em ambos os processos, foi apreciada a seguinte matéria de facto: K. Na Decisão Arbitral Recorrida “o Requerente apresentou, no dia 25 de Maio de 2021 (cf. Documento 1 e 3), a correspondente Reclamação Graciosa destes actos tributários. A referida Reclamação Graciosa veio a presumir-se tacitamente indeferida, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT”13.

    L. Na Decisão Arbitral Fundamento “[o]s Requerentes em 14-05-2021, apresentaram pedidos de revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação de IMI, identificados em B) (cf. documento n.º 1, junto com o requerimento de 08-03-2022); A AT, até ao momento não proferiu decisão quanto aos pedidos de revisão oficiosa identificados no ponto anterior. Em 26-09-2021, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (cf. Sistema informático de gestão processual do CAAD)”.

  7. Assim, em ambos os arestos em confronto, foram apresentados pedido de revisão oficiosa e reclamação graciosa dos actos tributários (de IMI), nos quais sustentaram a ilegalidade que lhes subjazia, na errónea fixação da matéria colectável, porquanto os VPT dos imóveis em apreço, consideravam os coeficientes de afectação, localização e qualidade e conforto, coeficientes estes que não se encontravam previstos no artigo 45.º do Código do IMI, na redacção em vigor à data dos factos.

  8. Em face do exposto, resulta evidente que a factologia relevante é totalmente coincidente nas Decisões Arbitrais aqui em confronto. Ambos os processos tinham por objecto liquidações de IMI ilegais por assentarem em VPT calculados contra legem. Em ambos os processos foi peticionada a constituição de tribunal arbitral a fim de ser apreciada a (i)legalidade subjacente aos actos de indeferimento tácito e, consequentemente, a (i)legalidade parcial dos actos de liquidação àqueles subjacentes.

  9. Acontece que, mesmo perante uma factologia idêntica, os Tribunais Arbitrais alcançaram soluções totalmente antagónicas.

    Identidade da regulamentação jurídica aplicável P. A admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, depende ainda da consideração, nos arestos em confronto, do mesmo normativo legal, sendo essencial que tal normativo não tenha sofrido alterações substanciais.

  10. Em ambos os arestos os Tribunais Arbitrais constituídos percorrem a legislação e jurisprudência aplicáveis à inimpugnabilidade dos actos de liquidação com fundamento em vícios próprios do acto de fixação do VPT (cf. página 27 e seguintes da Decisão Arbitral Recorrida e página 17 e seguintes da Decisão Arbitral Fundamento).

    Das soluções jurídicas (expressas) totalmente opostas R. Não obstante as Decisões Arbitrais aqui em confronto terem-se debruçado sobre a mesma questão fundamental de direito, assentando em iguais pressupostos de facto e aplicando os mesmos normativos legais, delas resultaram soluções jurídicas totalmente opostas.

  11. De facto, estão em causa soluções antagónicas entre si, as quais não podem, de todo, coexistir na ordem jurídica, impondo-se aqui a intervenção deste Supremo Tribunal ao abrigo dos poderes que lhe são concedidos no âmbito deste Recurso.

  12. Ora, a respeito da inimpugnabilidade dos actos de liquidação com fundamentos em vícios próprios dos actos de fixação de VPT, o Tribunal Arbitral na Decisão Arbitral Recorrida começa por mencionar que “[a] AT defende globalmente o seguinte: «O procedimento avaliativo constitui um acto autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, Que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. […] Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente.

    »”, tendo considerado “[a]figura-se correto este entendimento da AT”.

  13. Acrescenta que “seguindo de perto o Processo 540/2020-T, deste Centro, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT)”.

    V. Nesta linha de raciocínio entende que “[c]omo decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação”.

  14. Destarte, considera que “[n]o âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI)” pelo que “[s]ó do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial, nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI)”.

    X. Concluindo que “[i]sto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT