Acórdão nº 721/17.9T8GMR-H.G2.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelLUÍS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 721/17.9T8GMR-H.G2.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

Unilec, S.A.

, sociedade de direito francês, instaurou, com fundamento no disposto no artigo 146º, nº 1, do CIRE e por apenso à insolvência de AA, decretada em 9 de Fevereiro de 2017 (transitada em julgado), a presente acção para restituição de bens contra a Massa Insolvente de AA, representada pela administradora da insolvência, os credores do insolvente e o devedor/insolvente, AA.

Essencialmente alegou: Em 16 de Abril de 2013, celebrou com o devedor/insolvente AA um acordo, nos termos do qual este cedeu-lhe 25.500 acções nominativas da categoria B, de valor nominal de € 1,00 (um euro) cada, do capital social da sociedade L..., S.A., mediante o preço de € 127.500,00 (cento e vinte e sete mil euros), que pagou.

Aquando da celebração do contrato, a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) detinha um penhor sobre as referidas acções, como garantia de todas as responsabilidades assumidas pela L..., S.A., em dois contratos de abertura de crédito em conta corrente, com um valor global de € 5.300.000,00 (cinco milhões e trezentos mil euros).

Apesar da validade e da eficácia do referido contrato de cessão das acções não ficarem dependentes de qualquer autorização por parte da CEMG, a A. informou-a desse negócio por e-mails de 16 de Abril de 2013 e 17 de Abril de 2013 e, nessa sequência, a CEMG emitiu, em 30 de Maio de 2017, declaração em como teve conhecimento atempado do contrato de cessão de acções, celebrado em 16 de Abril de 2013, e nada ter a opor à referida cessão das acções.

A transmissão das acções em causa foi devidamente registada, por via informática, no livro de registo de acções da L....

Acontece que, aquando da declaração da insolvência de AA, em 9 de Fevereiro de 2017, as acções encontravam-se depositadas numa carteira de títulos em nome do identificado AA (ora insolvente), facto esse que era do total desconhecimento da Autora e que apenas se deveu à falta de diligência por parte da CEMG, que não encetou os procedimentos necessários para a correcção de tal situação, após lhe ter sido comunicada a cessão das ações para a Autora.

Em 18 de Abril de 2017, a administradora da insolvência remeteu carta registada à L... e à Autora, onde deu nota de ter tido conhecimento da celebração do contrato de cessão de acções, ocorrido em 16 de Abril de 2013, mas alegando desconhecer se esse negócio foi ou não ratificado pela CEMG e solicitando que lhe fosse remetida cópia do contrato definitivo celebrado.

Por carta registada datada de 26 de Abril de 2017, a Autora prestou à administradora da insolvência todas as informações solicitadas e concretizou os termos em que havia ocorrido o negócio de cessão das acções.

Seguiram-se outras cartas entre a Autora e a administradora da insolvência, até que, por carta de 29 de Novembro de 2018, a administradora da insolvência informou a Autora que, como era do conhecimento desta, aquela tinha procedido à apreensão das acções a favor da massa insolvente.

Acontece que essa afirmação da administradora da insolvência é falsa, dado que a Autora apenas teve conhecimento da apreensão das acções em 3 de Janeiro de 2019, na sequência dos documentos que lhe foram remetidos pela própria administradora da insolvência.

Sucede que, mesmo ciente de que as acções não eram propriedade do devedor/insolvente AA, mas antes da Autora, tantas foram as insistências da administradora da insolvência que a CEMG acabou por transferir as acções para a Massa Insolvente, sendo que esta recusa-se a devolvê-las à Autora.

Conclui pedindo que se declare a Autora como legítima proprietária das acções apreendidas e se condene os requeridos a restituírem-lhe as acções, que se encontram incorrectamente apreendidas.

A Ré Massa Insolvente de AA contestou defendendo-se por excepção e por impugnação.

Invocou a excepção dilatória da litispendência, sustentando que, no âmbito do apenso G, a Autora instaurou incidente em que deduziu os mesmos pedidos, com fundamento na mesma causa de pedir que formula nos presentes autos.

Invocou a exceção peremptória da caducidade do direito de acção da Autora, alegando que esta tomou conhecimento, pelo menos, em Agosto de 2017, do pedido efectuado pela administradora da insolvência junto da CEMG para que procedesse à transferência das acções a favor da massa insolvente de AA; acresce que a transferência das acções pela CEMG para a conta da massa insolvente veio a ser judicialmente ordenada já no decurso do ano de 2018.

Assim, tendo em conta que a Autora só em 7 de Dezembro de 2018 lançou mão do incidente do art. 144º do CIRE; que só em 21 de Março de 2019, lançou mão da presente acção; que as acções foram efectivamente transferidas/apreendidas para a massa insolvente em 12 de Setembro de 2018 e o prazo de 30 dias fixado para a reclamação de créditos na sentença declaratória da insolvência, na sua perspectiva, o prazo de cinco dias, posteriores à data da apreensão de acções previsto no art. 144º, n.º 1 do CIRE, para a Autora exercer o direito de restituição das ações, já se encontrava precludido, por caducidade, quando aquela instaurou o incidente que corre termos pelo apenso G.

Excepcionou alegando que o registo das acções em suporte informático invocado pela Autora não cumpre os pressupostos da al. e), do n.º 2 do art. 2º da Portaria n.º 290/2000, na medida em que esse pretenso registo não se encontra certificado electronicamente, nomeadamente, por entidade credenciada e certificadora, não possui qualquer menção à chave, nem certificado ou oposição de qualquer assinatura digital.

Excepcionou sustentando que, nos termos da cláusula 5ª, n.º 4 do termo de penhor, este só se extinguirá pela extinção das responsabilidades da sociedade mutuária, o que não é o caso e, bem assim, que a alegada transmissão das acções para a Autora por via do pretenso contrato de cessão de ações nominativas, não se mostra perfectibilizado, porquanto, à data da insolvência e aquando das diligências tendentes à apreensão das ditas acções a favor da massa, aquelas não se mostravam acompanhadas da declaração de transmissão escrita no título, além de que, para que se opere a transmissão das acções para a Autora, não basta a existência do negócio de cessão, mas é preciso o endosso das ações e o registo da transmissão das mesmas para a Autora, o que não sucedeu.

Impugnou parte da facticidade alegada pela Autora, expendendo que esta e a CEMG sempre tiveram conhecimento que as acções foram apreendidas a favor da massa insolvente; que tal apreensão só foi possível devido ao facto de, após a declaração de insolvência de AA, em 9 de Fevereiro de 2017, as acções encontrarem-se na posse e na titularidade do insolvente; que a administradora da insolvência só teve conhecimento da existência do alegado contrato de cessão das ditas acções após a declaração da insolvência de AA; que nenhum facto confirma essa pretensa cessão das ações a favor da Autora; que estando as referidas ações empenhadas junto da CEMG desde 21 de Maio de 2008, a cessão daquelas sempre estaria sujeita a autorização/ratificação pelo credor pignoratício, a CEMG, a qual, à data da alegada cessão das ações, não deu a sua autorização à celebração do negócio de cessão destas invocado pela Autora, nem dele teve conhecimento, e só já no decurso do processo de insolvência e aquando do pedido de transferência das acções para a conta de títulos da massa insolvente, tomou conhecimento desse pretenso contrato de cessão de acções; a CEMG, em março de 2017, reclamou os seus créditos na parte garantida pelo penhor das acções nos autos de insolvência e apenas em 30/05/2017, já após a declaração da insolvência de AA, ratificou o alegado negócio, datado de 16 de Abril de 2013, o que consubstancia má fé e abuso do direito por parte da CEMG que, ao reclamar os seus créditos em março de 2017, deduziu uma pretensão de pagamento e graduação de créditos ilegal, pretendendo receber da insolvência um crédito que sabe não lhe ser devido pelo insolvente e/ou pela massa insolvente, mas pela Autora, caso se entenda que esta é a legítima proprietária das acções sobre as quais a CEMG pode exercer os seus direitos de penhor.

Terminou pedindo, a título principal, que se julgassem procedentes as excepções da litispendência e da caducidade e, em todo o caso, se julgasse a acção improcedente.

O devedor/insolvente AA contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Invocou a exceção dilatória da litispendência e, bem assim, a exceção peremptória da caducidade basicamente com os mesmos fundamentos que foram deduzidos pela Ré massa insolvente.

Excepcionou invocando a anulabilidade do contrato de cessão de ações celebrado com a Autora, alegando que apenas assinou esse contrato por ter sido pressionado e coagido pelos representantes da Autora e com medo desses representantes, que o agarraram pelo braço, forçaram-no a sentar-se numa das cadeiras e a assinar o contrato de cessão das ações, o que fez, sem nunca ter a intenção de o assinar e sem que o teor deste correspondesse à sua vontade real.

Mais excepcionou alegando que, a partir do momento da assinatura do contrato de cessão de quotas, ficou plenamente convencido que a Autora assumiria todas as responsabilidades daquele perante terceiros, na qualidade de fiador e/ou de avalista da L..., entendimento esse que retirou, e se retira, do teor da cláusula 3ª, n.ºs 3 e 4 do aludido contrato, pelo que o negócio de cessão das ações está condicionado à assunção por parte da Autora das obrigações decorrentes dos avais e fianças que prestou à L... perante terceiros e à correspetiva exoneração do devedor/insolvente de tais responsabilidades, o que nunca aconteceu.

Impugnou parte da facticidade alegada pela Autora, invocando essencialmente a mesma defesa apresentada pela massa insolvente e sustentou que o invocado contrato de cessão de acções não traduz qualquer contrato definitivo de cessão de acções, mas antes um contrato promessa em que se...

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