Acórdão nº 3848/18.6T8SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ MOURO
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. 3838-18.6T8SNT.L1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): * I – Em 23-2-2018 AA intentou a presente acção declarativa com processo comum (acção de preferência) contra BB e mulher, CC, bem como contra DD.

Alegou o A., em resumo: No dia 31 de Janeiro de 2018 foi celebrado, por escritura pública, contrato de compra e venda em que os RR. BB e CC, na qualidade de proprietários, venderam à R. EE, na qualidade de compradora, o prédio composto de casa de rés-do-chão para habitação e sótão, com 67 metros quadrados, sito em ..., concelho ..., pelo preço de 86.000,00 €.

Ao A. não foi dado conhecimento, pelos RR. BB e CC, da sua intenção de vender o prédio, nem das condições da venda, havendo o A. tido conhecimento de tal quando deparou com as mudanças a decorrer no prédio.

Em 1996 o A. adquirira o seu prédio, casa de habitação com respectivo logradouro, onde vive; porém, por força de decisão judicial, não pode usufruir do seu direito de propriedade na plenitude por sobre o mesmo recair servidão de passagem e de estacionamento dos prédios dominantes, seus vizinhos, sendo um dos prédios dominantes o prédio supra referido.

Tanto vendedores como compradora sabiam da existência da servidão por haver referência à mesma na escritura.

Concluiu o A. que, na sua qualidade de proprietário com prédio onerado com servidão de passagem e estacionamento, tem direito de preferência na venda daquele prédio dominante, assistindo-lhe o direito de o haver para si pelo preço de 86 000,00 €.

Formulou o seguinte pedido: - que se reconheça que o A. é dono e possuidor do prédio descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob o n.° ...23; - que se declare que tal prédio se encontra onerado com uma servidão de passagem e estacionamento a favor do prédio dos RR. no seu pátio/logradouro; - que se declare o direito de preferência do A. na aquisição do prédio vendido pelos 1.°s RR. à 3.ª Ré, tendo direito a havê-lo para si pelo preço da venda, ou quando se entenda que as despesas integram o preço da venda, mas que não estão provadas ou indicadas; - que se ordene o cancelamento do registo de aquisição do prédio pela 2ª R. ou de qualquer outro registo que a ela respeite.

Na sequência, comprovou o A. o depósito dos 86.000,00 € correspondentes ao preço da venda.

Citados os 1.° e 2.° RR., por cartas registadas com a/r recepcionadas em 1-3-2018, apresentaram contestação em que se defenderam por excepção e impugnação.

Assim, invocaram a caducidade do direito de preferência, dizendo que ao contrário do referido na escritura de compra e venda o preço do imóvel foi de 125.000,00 € e não de 86.000,00 €, tendo posteriormente os RR. rectificado o valor da escritura para o valor real. Deste modo, a existir o direito de preferência, o mesmo seria pelo valor real da venda e não pelo valor inicialmente declarado; não tendo o A. depositado o valor real da compra e venda, o montante depositado é insuficiente, razão pela qual se deve declarar extinto, por caducidade, o direito de preferência.

Alegaram que o prédio do A. se encontra onerado com uma servidão de passagem e de estacionamento do seu pátio/logradouro a favor não só do prédio vendido pelos 1.°s RR. à 2.ª Ré, mas também dos prédios descritos sob os n.°s ...78, ...22, ...52 e ...90 e que, tendo o direito de preferência por fundamento o proprietário do prédio serviente terminar com o encargo que incide sob o seu prédio, tal não se verificaria caso o A. exercesse o direito de preferência no caso dos autos, uma vez que o seu prédio continuaria onerado com a servidão de passagem a favor dos outros prédios dominantes.

Concluíram pela procedência das excepções peremptórias e, caso assim se não entenda, pela improcedência da acção, em qualquer caso com a sua absolvição dos pedidos.

Citada a R. DD, por intermédio de solicitador da execução, em 18-4-2018, igualmente apresentou contestação excepcionando – em termos similares aos dos co-RR. – e impugnando mas, também, deduzindo pedido reconvencional. No que concerne à reconvenção, referiu, em resumo, que o imóvel se encontrava extremamente degradado, tornando-se necessário a realização de obras de restauro e melhoramento, tendo sido executados para o efeito os trabalhos que discrimina e em que gastou 30.197,00 €, acrescidos de IVA e tendo despendido em materiais de construção o montante global de 4.262,98 €.

Terminou pugnando pela procedência das excepções peremptórias deduzidas, com absolvição dos RR. dos pedidos e, caso assim não suceda, pela improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos; bem como, ainda, pedindo a condenação do A. no «pagamento da quantia ora reconvencionada de 34.459,98 EUR (trinta e quatro mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e noventa e oito cêntimos), devida a título de benfeitorias realizadas no imóvel (mão de obra e materiais de construção), aplicados nas obras de restauro e melhoramento do supra identificado prédio urbano», acrescendo a condenação do A. no pagamento juros à taxa legal até integral e efectivo pagamento.

O A. apresentou réplica, pronunciando-se sobre a matéria de excepção e da reconvenção. Designadamente, impugnou o valor do preço da venda, referiu que o aditamento à escritura de compra e venda (escritura rectificativa) foi feito em 26-3-2018, depois da citação dos dois primeiros RR., e pôs em causa factualidade referente à reconvenção.

O processo prosseguiu.

No saneador foi admitida a reconvenção deduzida e julgada improcedente a excepção da caducidade invocada pelos RR..

No que respeita à excepção da caducidade foi, então, consignado: «Na acção de preferência, conforme decorre do n.º 1 do artigo 1410º do Código Civil, são dois os ónus que recaem sobre o preferente: por um lado tem de interpor a acção no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e, por outro lado, tem de depositar o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.

É um facto que o prazo de 15 dias para depósito do preço é um prazo de caducidade e também um prazo de natureza substantiva, ao qual se aplicam as regras de contagem dos prazos previstas nos artigos 279º e 296º, ambos do Código Civil.

Dizem os Réus que o Autor não procedeu ao depósito correcto do preço porque o preço real foi de € 125 000 e não de € 86 000.

Não obstante não pode proceder este argumento dos Réus, desde logo pela questão óbvia de que à data da propositura da acção os Réus não haviam ainda rectificado o valor constante da escritura. Posto isto, ou o Autor tinha dons de fazer “futurologia” sobre o que se iria passar quase um mês depois…ou não lhe restava outra alternativa que não depositar o valor declarado na escritura pública de compra e venda.

Não se quer com isto dizer que se a acção for procedente não recai sobre o Autor a obrigação de proceder ao depósito do valor real da venda que se venha a apurar – pois não podemos esquecer que este valor rectificado foi impugnado pelo Autor – , mas tão somente que à data em que o mesmo interpôs a acção nada mais lhe era exigível que o depósito do preço declarado na escritura.

Em face do exposto, julgo improcedente a excepção de caducidade invocada pelos Réus».

Após julgamento foi proferida sentença que decidiu: «I - Julgar a presente acção não procedente, por não provada, e em consequência absolvo os Réus dos pedidos contra eles formulados nas als. c) a d) da petição inicial; II- Julgar prejudicada, pela improcedência da acção, a apreciação do pedido reconvencional».

O A. interpôs recurso de apelação.

Pela Relatora, no Tribunal Relação de Lisboa foi proferido despacho do qual consta: «… estamos perante uma ação de preferência em que o valor do depósito por parte de quem exerce a preferência deve corresponder ao valor da compra e venda do bem em apreciação.

Constando da primeira escritura de compra e venda junta aos autos o valor de venda do imóvel como sendo de € 86.000,00 temos que o A. procedeu atempadamente ao seu depósito na ação.

Encontrando-se junta aos autos uma nova escritura de compra e venda deste mesmo imóvel, retificada, em que consta como valor deste negócio a quantia de € 125.000,00 o A./Apelante foi convidado para esclarecer se, caso venha a ser considerado como o valor real da venda este último montante, continuava interessado em exercer a preferência. Por requerimento de 04 de Fevereiro de 2019 o A. respondeu afirmativamente a esta questão – fls. 194/196 dos autos.

Porém, e contrariamente ao que entendemos, não foi o mesmo notificado para, em prazo a fixar, proceder ao depósito da diferença existente entre estes valores sendo que o mesmo não pode ser penalizado por acto/convite que não foi praticado pelo Tribunal.

Assim sendo, e independentemente da apreciação da questão de fundo e das ilações a retirar da mesma, por força a dar correto cumprimento ao artigo 1410.º , n.º 1 do Código Civil, notifique-se o A./Apelante para, no prazo de quinze dias, proceder ao depósito da diferença entre os montantes acima referidos, correspondentes ao valor de venda do imóvel, sob pena de o recurso não poder ser apreciado».

O A. deu cumprimento ao determinado pela Relatora, procedendo ao correspondente depósito.

Na sequência veio o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 10-5-2022, a proferir a seguinte decisão: «… julga-se parcialmente procedente a Apelação e revoga-se a decisão proferida pelo Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, nos seguintes termos:

  1. Reconhecer o A./Apelante como proprietário do prédio inscrito na matriz da freguesia ... (..., ..., ... e ...) sob o artigo 4600; b) Reconhecer que o A./Apelante tem direito de preferência na venda que os 1.º e 2.º RR. fizeram à 3.ª Ré, respeitante ao prédio urbano composto de rés-do-chão para habitação e sótão para arrumos, com 67 m2, sito em ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...77, da freguesia ..., sobre o qual está registada uma servidão pela apresentação 3133 de 21-04-2016, prédio este inscrito na matriz da...

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