Acórdão nº 10376/18.8T8SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 10376/18.8T8SNT-L1.S1 ACORDAM, NA 6ª SECÇÃO, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – Relatório FHC Farmacêutica, S.A.

, com sede no Parque Industrial ..., intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma comum contra Decomed Farmacêutica, S.A., com sede na Rua ..., ..., ..., pedindo que a R. seja condenada no “pagamento à A. da quantia de € 31.119,45, acrescida de juros de mora vencidos desde 26 de Fevereiro de 2016 e dos que entretanto se vencerem até integral e efetivo pagamento”.

Alegou que, no ano de 2014, adquiriu à R. – dedicando-se ambas ao comércio de produtos farmacêuticos – as quantidades do medicamento “Lepicortinolo”, nas datas, unidades, lotes e preços que constam das faturas que indicou (e juntou), medicamento esse que nas datas, unidades e preços que constam das faturas que também indicou (e juntou) vendeu à E..., SARL, com sede em C....

Sucedendo que, em 24 de Fevereiro de 2016, o INFARMED determinou a suspensão de comercialização e recolha imediata de todos os lotes de medicamentos fabricados pela empresa espanhola “F..., SL” nos anos de 2014, 2015 e 2016, situando-se entre os medicamentos abrangidos por tal suspensão de comercialização e recolha imediata os lotes de “Lepicortinolo” que haviam sido comprados à R e depois vendidos à E....

Assim, tendo-lhe sido comunicada pela R. a referida determinação do INFARMED, informou a R. da existência de stock de “Lepicortinolo” em C..., acabando os Diretores Técnicos de A. e R. por acordar que os lotes em causa seriam destruídos em C... e emitido o correspondente certificado de destruição, que seria depois enviado pela A. à R. para efeitos de emissão da respetiva nota de crédito por parte da R..

Veio pois a A. a remeter à R. o comprovativo de destruição (por email datado de 31 de Dezembro de 2016), solicitando a emissão da respetiva nota de crédito, tendo-lhe a R. respondido que “inexistem quaisquer fundamentos para que seja emitida nota de crédito” por a A. não haver cumprido os prazos do procedimento, razão pela qual, não assumindo a R. as suas responsabilidades financeiras (como, segundo a A., se encontra disposto no art. 178.º/7 do DL 176/2006, diploma que estabelece o regime jurídico dos medicamentos de uso humano), deduz a presente ação.

A R. contestou, alegando que das faturas emitidas pela A. (para a empresa de C...) não consta o lote do “Lepicortinolo” exportado e que a A. apenas informou da “existência de stock de medicamento em C...

”, não cumprindo os procedimentos impostos pela “Circular” (enviada pelo Diretor Técnico da R. à A.), designadamente, não tendo informado as quantidades e lotes que tinha em armazém, não os bloqueando e não cumprindo o prazo de dez dias que tinha para o efeito.

Alegou também que era à R. que cabia a inutilização dos medicamentos devolvidos, dando previamente baixa dos mesmos e cumprindo as determinações do INFARMED, cabendo à A. apenas recolher e devolver os medicamentos à R., para que esta procedesse à respetiva compensação mediante entrega de produto igual ou semelhante, nas mesmas quantidades devolvidas.

Alegou ainda que os “certificados” de destruição não são discriminadas e que não é possível determinar, face ao teor das faturas emitidas pela A., as quantidades de unidades dos lotes vendidos que foram objeto de destruição.

Concluiu pois pela total improcedência da ação.

Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e foi dispensada a prolação de despacho a enunciar o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que a final concluiu pela total improcedência da ação e, consequentemente, absolveu a R. do pedido.

Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, o qual, por Acórdão da Relação de Lisboa de 15/09/2022, foi julgado improcedente, “mantendo-se a sentença recorrida, com a fundamentação que supra consta”.

Ainda inconformada, interpõe a A. o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que lhe conceda a indemnização peticionada.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) 1 - O presente recurso tem por objeto o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e que confirma, embora com fundamentação essencialmente diferente, a decisão de improcedência do pedido proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Cível ... – Juiz ....

2 - O Tribunal Recorrido deu como provados os factos alegados pela Recorrente e que determinariam, nos termos do disposto nos artigos 798º; 799º; 801º do Código Civil e n.º 7 do artigo 178º do Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano (RJMUH) – DL n.º 176/2006 de 30/08, a responsabilidade da Recorrida pelo ressarcimento do prejuízo sofrido pela Recorrente.

3 -Improcedeuapretensão daoraRecorrentesob o fundamento denão ser possível apurar o quantitativo da indemnização em causa nem dispor o Tribunal de elementos que permitam fixar a indemnização com recurso à equidade, nos termos preceituados pelo artigo 566º, n.º 3 do Código Civil.

4 – O Acórdão recorrido enferma de erro na determinação da norma aplicável, com relevância determinante na decisão da causa.

5 – Subsidiariamente, sempre subsistiria ainda um erro de interpretação e aplicação da norma de fixação da indemnização com recurso à equidade.

6 - O Tribunal Recorrido deixou de aplicar a norma específica sobre a responsabilidade imputável ao titular da Autorização de Introdução no Mercado e que determina a responsabilidadefinanceirapelo crédito aos distribuidores, no caso aRecorrente, detodos os medicamentos recolhidos por decisão de retirada do mercado, conforme dispõe o n.º 7 do artigo 178º do Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano (RJMUH) – DL n.º 176/2006 de 30/08.

(…) 9 – O Tribunal Recorrido julgou, e bem, que impende sobre a Recorrida uma efetiva obrigação de indemnizar decorrente de responsabilidade civil.

10 - Inexistem dúvidas quanto à matéria de facto provada e à verificação dos pressupostos de indemnizar.

11 - Entende, no entanto, o Tribunal Recorrido, no que não pode a Recorrente concordar, que por falta de prova sobre o quantitativo da indemnização e ausência de elementos que permitam fixar a mesma por recurso á equidade, porém, não pode a ação proceder.

12 - O Tribunal recorrido procede a uma incorreta interpretação da lei, conduzindo à não aplicação n.º 7 do artigo 178º do RJMUH.

13 -Nos termos do dispostonon.º 7 do artigo 178º do RJMUH, éo Titular deAutorização de Introdução no Mercado, no caso a Recorrida, que assume, perante distribuidores, farmácias, locais de venda e unidades de prestação de cuidados de saúde, a responsabilidade financeira decorrente da retirada de medicamentos do mercado.

14 – A Recorrente fez prova e o próprio Tribunal deu como provado, desde a 1ª instância quanto ao quantum indemnizatório reclamado.

15 - Resulta expressamente do n.º 7 do artigo 178º do RJMUH que os medicamentos recolhidos são creditados aos distribuidores, assumindo o Titular de AIM a responsabilidade financeira.

16 -Todas asunidadesdomedicamento(independentemente do lote) foram vendidas pela Recorrente à E..., pelo valor unitário de € 6,50 17 - E o reembolso à E... do valor correspondente à aquisição de todas as 5.289 unidades destruídas foi suportado pela Recorrente.

18 - Nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 178º do RJMUH, é a Recorrida, enquanto Titular de AIM, financeiramente responsável pelo crédito do valor dos medicamentos retirados do mercado aos distribuidores, neste caso, reembolsando a Recorrente do custo suportado com o crédito dos mesmos ao cliente E....

19 - Face à amplitude da responsabilidade que recai sobre o titular de AIM e que resulta do n.º 7 do artigo 178º do RJMUH, é irrelevante a prova sobre os lotes a que correspondem as quantidades objeto de destruição, contanto que se prove, como provado ficou, que os lotes objeto de destruição estavam incluídos nos lotes cuja autoridade competente tinha determinado a recolha.

20 - E que se prove o preço suportado pelo distribuidor com a sua aquisição.

21 - A quantidade de medicamentos destruída é facto assente e consta do ponto xix dos Factos Provados.

22 – O preço de aquisição dos medicamentos pela E... à Recorrente também é facto assente e consta do ponto v. dos factos provados.

23 -ARecorrente assumiu esuportou, peranteacliente E..., o respetivo encargo financeiro.

24 – Conforme procedimento acordado entre as partes e que consta do ponto xiii. Dos factos provados.

25 – Nos termos do RJMUH é sobre o Titular de AIM, a Recorrida, que recai a responsabilidade financeira decorrente da retirada de medicamentos do mercado e que, no presente caso, se consubstancia com o valor suportado pela E... com a sua aquisição.

26 – Pelo que deveria a Recorrida ser condenada ao pagamento da indemnização à Recorrente suportando a responsabilidade financeira decorrente da recolha do mercado, no montante de € 34.378,50 correspondente às 5.289 unidades recolhidas e destruídas conforme certificado de destruição emitido por entidade competente.

27 - Custo que a Recorrente já suportou conforme ponto xxvi dos Factos Provados e de que pretende ser reembolsada.

28 – Pelo que deveria o Tribunal recorrido julgar procedente por provado o recurso interposto da decisão de 1ª instância, condenando a Recorrida ao pagamento da indemnização peticionada, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.

29 - Ainda que assim não se entenda, no que apenas por cautela de patrocínio se admite, sempre poderia e deveria ter sido outra a decisão do Tribunal Recorrido, por recurso à equidade.

30 – O Tribunal Recorrido conclui pela improcedência do pedido sob o fundamento de não dispor também de elementos que permitam fixar a indemnização com recurso à equidade, nos termos do artigo 566º, n.º 3 do Código Civil.

31 - Dispõe o n.º 2 do Artigo 566º do Código Civil...

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